Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Rodrigo Vargas
01 de Ago de 2003
Lideranças estão revoltadas porque temem ver vetada a parceria para o plantio de soja em suas terras
Os índios pareci ameaçam bloquear a qualquer momento o tráfego pela estrada "Nova Fronteira", que liga Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis à região de Sapezal (médio-norte do estado). O trecho de 65 quilômetros, que corta ao meio a Terra Utiariti, é o caminho mais curto rumo à hidrovia Madeira-Itacoatiara, em Porto Velho (RO).
As lideranças reclamam da possibilidade de ser vetado pelo Ministério Público Federal um projeto de "parceria agrícola" com produtores da região para o cultivo de soja em parte dos mais de 1,5 milhão de hectares da etnia.
De acordo com Daniel Cabixi, administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Tangará da Serra, os pareci sonham conquistar por meio da agricultura os recursos que não recebem do governo.
"A Funai disponibiliza uma média R$ 80 mil para investimento anual na região. Somente a produção daquela área poderia render mais de R$ 1 milhão", diz o administrador, que também é Pareci e não faz a menor questão de esconder seu apoio à empreitada.
Segundo ele, além da falta de amparo oficial, pesa a favor da soja o fato de os pareci ocuparem áreas de cerrado, o que em sua opinião dificulta a sobrevivência nas aldeias pelo modo tradicional - caça, pesca e extrativismo.
"Os índios de outras regiões têm as florestas para sobreviver, os pareci não. Por isso querem partir logo para a produção agrícola. E, se possível, em larga escala", argumenta o administrador. "Daí a revolta, pois o Ministério Público Federal diz que não pode".
Por fax, Cabixi enviou à reportagem uma cópia do que chamou de "intimação" do MPF. O documento é, na verdade, um parecer do procurador federal da Funai, César Augusto do Nascimento, sobre um contrato de "fornecimento de insumos, equipamentos e implementos agrícolas".
O trato seria firmado entre a Associação Waimaré - que diz representar mais de 500 índios de 13 aldeias - e a Agropecuária Bekafarm Ltda. Previa o plantio de 500 hectares de soja em locais definidos pela comunidade, por um período mínimo de 6 anos.
No documento, o procurador questiona a falta de clareza em diversos trechos do contrato. "Estamos diante de várias cláusulas obrigacionais, sem contudo vislumbrarmos como serão manejadas essas recíprocas obrigações", avalia o procurador.
Cabixi diz que a negativa deixou os índios "muito desapontados" ao ponto de, em reunião das liderança há duas semanas, ter sido aprovada a idéia do bloqueio. Antes, porém, será feita uma última tentativa de entendimento.
"Aquela estrada é um meio de acesso estratégico, tanto em termos econômicos, quanto sociais e políticos. Um bloqueio como esse trará prejuízo para toda a região".
Procurador diz que parceria não tem amparo
Apontado como o autor do veto à parceria entre índios pareci e sojicultores, o procurador da Funai, César Augusto do Nascimento, disse que sua posição é amparada pela legislação vigente, que impede qualquer acordo nos moldes pretendidos pela Associação Waimaré.
"Não existe nada na lei que impeça os índios de plantar soja, ou qualquer outra cultura, mas o fato é que uma área indígena não pode ser objeto de negócio jurídico, que é exatamente o caso dessa parceria proposta", explicou.
Segundo ele, a entrada de grupos externos para explorar as terras da União sobre as quais os índios detêm o usufruto dependeria de uma processo muito mais complexo.
"Em primeiro lugar, seria preciso que o poder público esgotasse toda a sua capacidade de superar as mazelas que hoje afetam as comunidades indígenas. Se não fosse possível, essa parceria teria de ser feita a partir de uma licitação pública, com todos os rigores técnicos".
Nascimento diz ser um "observador solidário" das necessidades enfrentadas nas aldeias pareci. Isso, porém, não deve ser justificativa para abertura das aldeias sem qualquer critério. "Aquela área é o último marco de conquista daquela população. Deve, portanto, servir às gerações futuras".
Contrários à idéia denunciam Funai de Tangará
Lideranças pareci contrárias à abertura de lavouras de soja nas terras da etnia foram ao Ministério Público Federal para denunciar a possível "conivência" da administração regional da Funai em Tangará da Serra em relação à ilegalidade da proposta.
De acordo com a Procuradora da República Águeda Aparecida Silva, um procedimento foi instaurado para verificar a situação. Porém, garantiu, não existe até o momento nenhuma posição oficial do MPF contra a chamada "parceria agrícola".
Ela atribui a visão equivocada a um episódio ocorrido em junho, quando outros motivos a levaram a visitar as áreas da etnia. "Me perguntaram qual era o meu posicionamento sobre o assunto. Disse que era contra, até mesmo porque a lei assim determina", lembra.
A negativa, mesmo informal, teria servido para acirrar os ânimos dos partidários da idéia que, segundo a procuradora, não é unanimidade entre os habitantes daquelas áreas. "E não são apenas os mais velhos. Há liderança jovens muito preocupadas".
Segundo ela, as terras indígenas não podem ser fruto de arrendamento. E mesmo que fossem, opina, isto jamais poderia ocorrer conforme planejam os "parceiros" não-índios. "Vi um contrato em que os indígenas bancavam quase tudo e, na partilha da safra, receberiam 3%".
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