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Indignação e fatalismo na Amazônia

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
01 de Jan de 2004

Indignação e fatalismo na Amazônia

José Goldemberg

Uma das características mais marcantes dos seres humanos é a capacidade de manifestar sua indignação e seu inconformismo diante de injustiças e desperdícios. Os grandes líderes espirituais da nossa civilização, desde os fundadores de religiões até os grandes escritores e líderes políticos, se recusaram sempre a um conformismo que os conduziria à inação. É provavelmente por isso que até hoje muitos jovens cultuam Guevara como símbolo da geração dos anos 60.

Há no Brasil muitos acontecimentos que provocam - ou deveriam provocar - nossa indignação, mas não há nada na escala do que está acontecendo na Amazônia, a última das grandes florestas tropicais remanescente no planeta.
No ano 2001/2002 foram devastados mais de 25 mil quilômetros quadrados, a maior taxa de desmatamento já verificada, e não se espera nenhuma redução no período 2002/2003. Da floresta original já foram removidos 600 mil quilômetros quadrados, cerca de 15% do total.

Este desmatamento se dá em nome do desenvolvimento e da geração de riqueza.
No passado, o Pará foi devastado quando a floresta foi removida para dar lugar à criação de gado, com uma produtividade baixíssima, que não trouxe a criação de empregos nem nenhum outro benefício para a população. Agora é a soja que avança por Mato Grosso.

Não há nada de errado com o desenvolvimento, desde que seja sustentável. É claro, porém, que uma atividade econômica só será sustentável se for adequada à região onde é desenvolvida. Sucede que o solo da Amazônia em sua grande maioria é paupérrimo, a floresta é mantida graças ao equilíbrio do ecossistema. Quando a floresta é removida, o solo, que é arenoso, se torna improdutivo em poucos anos. É por isso que os indígenas migravam a cada dois ou três anos, sempre à procura de áreas mais férteis, após queimarem alguns hectares de floresta.

Daí o inconformismo de muitos com a atitude fatalista de certos "especialistas" na matéria, como David McGrath, de um instituto de pesquisa americano, que acreditam que o desmatamento é condição necessária para o desenvolvimento da região e, por esta razão, seria não só inevitável como também justificável.

Basicamente, o que sugere McGrath é que se reserve apenas 26% da Amazônia para o futuro. É exatamente o que madeireiros e mineradores inescrupulosos, além de governadores e prefeitos desenvolvimentistas da região, querem, lembrando o "saudoso" governador Gilberto Mestrinho, do Amazonas, cujo sonho era converter a Amazônia num Texas.
Ocorre que a Amazônia não é o Texas e desconsiderar a capacidade de suporte do meio ambiente é não só um erro primário como equivale a comer "a galinha dos ovos de ouro".

Há, é verdade, "ilhas" na floresta amazônica com solos férteis e adequados para a agricultura sustentada, enquanto existem vastas áreas em que as alternativas sustentáveis de desenvolvimento estão necessariamente associadas à manutenção das florestas. Para identificar a vocação e o potencial real de desenvolvimento é que se precisa do zoneamento ecológico-econômico da região, que iniciei em 1992 quando ministro do Meio Ambiente.
O zoneamento ecológico-econômico é praticado em várias outras atividades no Brasil, com nomes diferentes, mostrando-se um instrumento poderoso e orientador do desenvolvimento.

Nas cidades ele se chama ordenamento territorial, que disciplina o uso do solo, fiscalizado pelas prefeituras. Zonas industriais são demarcadas, zonas residenciais têm limitações de altura das edificações e por aí afora. É devido a isso que não há indústrias no Morumbi e o Jardim América foi preservado como área verde, enquanto as indústrias se concentraram no Jaraguá ou em Osasco.

O zoneamento, acompanhado pela forte presença do Estado, pode ser eficaz para orientar o desenvolvimento. A recuperação da mata atlântica em São Paulo, constatada no último inventário realizado, é um exemplo de que a ação da Secretaria do Meio Ambiente e da Polícia Ambiental, com seus 2 mil homens, foi capaz de reverter o processo de devastação.

São ações desse tipo que o governo federal precisaria implementar na Amazônia. A exploração predatória da floresta pode atender ao interesse imediato de prefeitos e governadores desenvolvimentistas, mas sua preservação é de interesse nacional e o governo federal tem de agir nesse sentido.

José Goldemberg é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo

OESP, 01/01/2004, Espaço Aberto, p. A2

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