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Impunidade mantem o trabalho escravo

FSP, Brasil, p.A5
01 de Fev de 2004

Relatórios federais mostram que atual legislação e ações de fiscalização não são suficientes para impedir o crimeImpunidade mantém o trabalho escravo

FABIO SCHIVARTCHEDO PAINEL MAURO ALBANODA AGÊNCIA FOLHA A impunidade dos infratores é o principal motor do trabalho escravo no Brasil do século 21. Relatórios de órgãos federais mostram que a atual legislação e as ações de fiscalização não têm sido suficientes para impedir que fazendeiros reincidam no crime.A partir dos documentos das operações do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho, é possível estabelecer um ranking informal dos fazendeiros com o maior número de acusações de exploração de trabalho análogo à escravidão.Os recordistas em reincidência são Miguel de Souza Resende, do Maranhão, e Jeferson de Lima Araújo Filho, fazendeiro alagoano no Pará. Já os maiores registros de libertação de trabalhadores em uma única fiscalização pertencem a Ernesto Dias Filho (745 peões em situação análoga à escravidão) e André Gomes Ribas e Constantino de Oliveira (259), cujas fazendas, na Bahia, foram visitadas pelo ministério em 2003.As fazendas de Miguel de Souza Resende já foram fiscalizadas seis vezes pelo Ministério do Trabalho. Somadas as ações, feitas de 1996 a 2003, foram encontrados em suas propriedades cerca de 210 trabalhadores submetidos a trabalho análogo à escravidão.Nas fiscalizações, ele já teve de pagar R$ 108 mil em rescisões trabalhistas e responde a uma ação civil pública e a um inquérito civil público na Vara do Trabalho de Imperatriz (MA), além de um processo investigatório da Procuradoria Federal do Trabalho.Araújo Filho sofreu, de 1998 a 2002, quatro fiscalizações em suas duas fazendas no Pará, registradas em nome de sua empresa, a Lima Araújo Agropecuária. Foram libertados 180 trabalhadores -cinco deles eram menores.A Procuradoria do Trabalho do Pará moveu em outubro do ano passado ação civil pública contra a Lima Araújo Agropecuária, com pedido de indenização de mais de R$ 22 milhões. O valor é recorde absoluto em pedidos de indenização por danos morais a trabalhadores submetidos a trabalho forçado -que ficam, em média, entre R$ 30 mil e R$ 60 mil. A ação ainda não foi julgada.Na fazenda de Ernesto Dias Filho, em São Desidério (907 km de Salvador), foram achados 745 peões em situação análoga à escravidão. André Gomes Ribas e Constantino de Oliveira, donos da fazenda Tabuleiro, em Luís Eduardo Magalhães (1.106 km da capital baiana), mantinham 259 pessoas na mesma condição.Eles tiveram de pagar, respectivamente, R$ 655 mil e R$ 240 mil em rescisões trabalhistas. O Ministério Público do Trabalho ainda analisa a possibilidade de entrar com um processo por danos morais contra os fazendeiros."Só a fiscalização jamais vai acabar com o trabalho escravo, porque só podemos punir ilícitos trabalhistas", diz Marcelo Campos, coordenador do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho. "Uma ação criminosa como o trabalho escravo tem de ser punida pela Justiça Federal."No noroeste de Minas, onde foram mortos três fiscais e o motorista, a exploração mais comum é o trabalho degradante -no qual os trabalhadores são mantidos em condições subumanas, mas sem cerceamento da liberdade.

OUTRO LADOFazendeiro nega ter escravizado funcionários
DA REDAÇÃO A Folha procurou os fazendeiros citados nos relatórios sobre o trabalho escravo no Brasil. Apenas dois se pronunciaram. O restante não foi encontrado ou preferiu não dar declarações.O empresário Constantino de Oliveira, ex-sócio da Fazenda Tabuleiro, em São Desidério (BA), afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria mais se pronunciar sobre o caso.Em setembro de 2003, quando as autuações foram divulgadas, o empresário emitiu nota em que dizia ter ficado surpreendido pela informação. Segundo o comunicado, Oliveira havia adquirido a fazenda em sociedade oito meses antes."Tomei providências para que fossem cumpridas todas as exigências apresentadas pelo Ministério do Trabalho, assumindo o pagamento dos direitos devidos às pessoas contratadas pelos empreiteiros terceirizados", informa na nota. Conforme sua assessoria de imprensa, o empresário já vendeu sua parte na sociedade da Tabuleiros.A Folha procurou o sócio de Oliveira, André Gomes Ribas, por telefone, mas não recebeu resposta até a conclusão desta edição.O fazendeiro Miguel de Souza Resende admite que já teve "pequenas irregularidades" em suas fazendas, no Maranhão, mas diz que seus funcionários nunca foram mantidos como escravos."Depois da primeira fiscalização, agora está tudo de acordo. Mesmo assim, uma auditora continua me perseguindo. Entrei com cinco processos contra ela. Agora, graças a Deus, ela não pode mais me fiscalizar", afirma Resende, acrescentando que todos que trabalham para ele são registrados.Segundo ele, as fazendas possuem alojamentos adequados. "É como se fosse uma empresa. Os trabalhadores têm refeitório, televisão a cores, água gelada e transporte em ônibus."A família de Ernesto Dias Filho afirmou que ele só responderia em seu escritório, amanhã. Jeferson de Lima Araújo Filho, procurado na sexta-feira, não foi encontrado. (MARCOS SERGIO SILVA)

FSP, 01/02/2004, p. A5

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