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Impasse ambiental

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ALMEIDA, Fernando
21 de Jun de 2004

Impasse ambiental

Fernando Almeida

Há consenso entre as mais diferentes correntes de pensamento de que o país precisa voltar a crescer e recuperar o tempo perdido. Representantes do governo e de outros segmentos da sociedade discutem no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) um tema crucial. A definição das regras da "compensação ambiental", dispositivo previsto no artigo 36 da lei 9.985/2000, regulamentada pelo decreto 4.340/2002, pode influenciar de forma decisiva a retomada do crescimento com a criação de novos empregos, geração de impostos, oportunidades de negócios e atração de novos investidores
O licenciamento ambiental é um instrumento de governo fundamental para a democracia e o exercício da cidadania, uma salvaguarda para as empresas e para a sociedade. O setor empresarial brasileiro, em particular o segmento afinado com o desenvolvimento sustentável, defende que devemos manter um conjunto de regras institucionais - entre as quais a compensação ambiental - para conceder licenças a novos empreendimentos.

Contudo, o artigo 36 da lei 9.985 pode se transformar em mecanismo inibidor de novos investimentos. Este dispositivo determina que todo e qualquer empreendimento que possa causar impacto significativo ao meio ambiente terá que criar, concomitante e paralelamente, uma Unidade de Conservação. O empreendedor passa a ser obrigado a destinar recurso "não inferior" a 0,5% do custo total do investimento. A lei não prevê limites máximos e desconsidera impactos negativos mitigados e impactos positivos.

Para reforçar esta tese vale recorrer a dois estudos recentes. Um deles é uma monografia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro ("Financiando o Éden: potencial econômico da compensação ambiental prevista na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza"). Nesse trabalho acadêmico se fez uma projeção do que seria arrecadado, a título de compensação ambiental, na lista de projetos de infra-estrutura do Plano Plurianual 2004-2007 do governo federal. Caso fosse aplicada uma das taxas mais freqüentes da compensação (3,5%), seriam arrecadados R$ 3,64 bilhões. Esse valor representa 231% do orçamento previsto no projeto de lei orçamentária do governo federal à gestão ambiental, estipulado em R$ 1,58 bilhão, verba destinada a cinco ministérios.

O outro estudo técnico vem do próprio governo. Relatório do Ministério de Minas e Energia faz um alerta para a crescente carga tributária que o setor elétrico vem sofrendo, quase 1% ao ano, situação que tende a se agravar com a compensação ambiental dentro dos moldes atuais. Hoje, para cada R$ 1 de aumento de tarifa de geração representará ao consumidor final um aumento de R$ 1,80 a R$ 2,40 na fatura mensal de energia.

As regras têm outros inconvenientes: não há clareza sobre os critérios para se chegar ao percentual a ser cobrado e não abrem espaço para questionamentos sobre a decisão tomada pelo órgão licenciador. Também carece de transparência sobre onde e como esses valores serão aplicados como forma de compensação. Além do que não há cabimento em se cogitar da retroatividade na aplicação da lei.

Esse conjunto de deformidades reflete uma visão unifocal do dispositivo legal, que focaliza, quase que única e exclusivamente, a dimensão ambiental. O viés da sustentabilidade, aquele que incorpora ao mesmo tempo as dimensões econômicas, ambientais e sociais, deve figurar como foco principal.

As empresas conscientes assumiram as diretrizes da competitividade ética e por isso consideram que seus empreendimentos devam fazer parte de um plano de desenvolvimento social e econômico para o país, através de uma sólida articulação entre o governo e o setor produtivo. O setor empresarial consciente está disposto a ajudar a conduzir o país à retomada de um desenvolvimento econômico que contemple duas premissas: correta gestão dos recursos naturais e a perspectiva de proporcionar melhores condições de vida para todos.

Fernando Almeida é presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

O Globo, 21/06/2004, Opinião, p. 7

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