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Impacto ambiental de estrada preocupa

FSP, Mundo, p. 4
01 de Dez de 2007

Impacto ambiental de estrada preocupa
Rodovia que cruza a Amazônia peruana deve atrair agricultores e pecuaristas
Governo do Peru responde a receio de desmatamento afirmando que obra também ataca problemas, como a extração de madeira

Dos enviados especiais ao Peru

O trecho da Interoceânica Sul que cruza a Amazônia peruana tem causado calafrios em ambientalistas. Para eles, trata-se de abrir caminho -literalmente- para a agropecuária.
A principal preocupação é com a especulação imobiliária, que elevou os preços da terra na região.
Segundo o presidente regional (governador) de Madre de Dios, Santos Kaway Komori, desde o começo da construção o valor do terreno no povoado disparou de US$ 2.000 para US$ 20 mil.
Os ambientalistas atribuem a inflação de 900% a sojicultores e pecuaristas interessados em terras próximas a uma estrada que permitirá o escoamento da produção.
"O Estado deve ter consciência de que a estrada por si só não é garantia de desenvolvimento", dizem Patrícia Patrón e Doris Balvín, da ONG Labor, autoras de um estudo sobre o impacto da obra.
O temor é que se repita no Peru o que vem acontecendo com a BR-163, a Cuiabá-Santarém, que está em construção.
Estudo recente realizado pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) mostrou que 25% do desmatamento no Pará entre agosto de 2006 e julho de 2007 aconteceram em áreas protegidas. E o maior estrago foi feito justamente na zona de influência da rodovia.

"Fábrica de oxigênio"
"Temos que parar de ver a Amazônia apenas como a fábrica de oxigênio do planeta", responde Dow Seiner, executivo do Inrena (Ibama peruano). Ele diz que a estrada facilitará o combate a problemas que "já existem", como a extração ilegal de madeira.
Andrés Mego, da ONG Labor, até concorda. Mas se o governo conhecesse o que acontece dentro selva. E, segundo ele, não conhece.
Mego afirma que o estudo de impacto ambiental realizado só trata dos impactos diretos, a uma distância de até 7,5 km ao lado da rodovia, quando o ideal seria de, no mínimo, 50 quilômetros.

Contaminação
O engenheiro florestal Marc Jean Dourojeanni prevê desmatamento, invasão de áreas protegidas e a contaminação dos rios, inclusive o Madre de Dios, tributário do Amazonas.
Ex-consultor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), ele pondera que a principal objeção à estrada não se refere diretamente a ela, mas à falta de planejamento para amenizar impactos ambientais e sociais.

García usa rodovia para obter crédito político, diz sociólogo

Do enviado especial ao Peru

O presidente do Peru, "Alan García, não se importa com o Brasil. Ele está mais preocupado com o acordo de livre comércio com os EUA", afirma o sociólogo da Universidade do Pacífico Oswaldo Medina.
Segundo ele, a estrada é vista pelo presidente peruano como fonte de capital político por cruzar as duas regiões em que sua popularidade é menor: Amazônia e Andes.
"Toledo, sim, defendia a integração latino-americana", disse Medina. Mas o ex-presidente Alejandro Toledo só teve tempo de inaugurar a ponte que liga a cidade brasileira de Assis Brasil (AC) à peruana Iñapari.
Como o prazo para a obra expira em 2010, caberá a García cortar faixas de milhares de quilômetros até encerrar seu mandato presidencial, em 2011.
Mas Medina acredita que o avanço sobre a região dos Andes tenha um objetivo extra: estrangular a simpatia pelo nacionalista Ollanta Humala, candidato derrotado por García na disputa à Presidência em 2006, que é popular entre os camponeses e ainda é tido como candidato à sucessão do atual presidente. Humala foi apoiado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, na última eleição.
"Claro que o objetivo da obra é cooptar politicamente, mas o campesinato andino é muito politizado e unido. A unidade é pré-colombiana", diz Osvaldo Coggiola, historiador e professor da USP.
A Interoceânica facilitará o Serra Exportadora, projeto de García divulgado maciçamente pelo governo com anúncios diários na imprensa. Trata-se da criação de zonas agrícolas de exportação nessa área subdesenvolvida do Peru.
A rodovia em construção servirá de escoadouro, dando acesso a três portos do oceano Pacífico. (PHR)

Governo admite falta de verba para ambiente

Colaboração para a Folha

O governo peruano admite que os US$ 17 milhões já reservados para amenizar os impactos ambientais da rodovia são insuficientes. Dow Seiner, diretor-executivo do Programa para a Gestão Ambiental e Social dos Impactos do Corredor Viário Interoceânica Sul, disse que o dinheiro é pouco para cobrir os nove projetos elaborados pelo Inrena, o Ibama peruano.
Seiner calcula que o programa todo exigiria, aproximadamente, US$ 150 milhões. O governo tem pouco mais de 10%.
Somado aos US$ 11 milhões reunidos pela construtora Odebrecht para um projeto próprio, totalizam US$ 28 milhões (18,67%), pouco para a ambição do governo.
Sobre as críticas de que o programa ignora os impactos indiretos da estrada, Seiner afirma que "os efeitos não são indiretos". Ele explica que os problemas apontados já existiam antes do início das obras, mas reconhece que se agravarão e devem ser combatidos.
O trabalho coordenado por Seiner está na fase de estudos e levantamento de informações. Os objetivos principais são possibilitar a criação de novas áreas de proteção, que sejam mais bem definidas, e regulamentar o sistema de concessão de terras, ainda informal.
O uso incorreto das terras e dos rios é grande na região, e a fiscalização escassa, afirma Seiner. A Folha não encontrou nenhum fiscal do Inrena em todo o percurso.
Apesar de o programa ter sido lançado há mais de um ano, só agora o dinheiro foi liberado.
A previsão é de que a etapa de estudos vá até o início de 2009. Só então medidas práticas começarão de fato. (KB

FSP, 01/12/2007, Mundo, p. 4

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