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Imbróglio ambiental ainda sem solução

O Liberal
19 de Mai de 2006

Imbróglio ambiental ainda sem solução

No final de março de 2004, um grupo de entidades elaborou a 'Carta de Santarém', um documento que defendia a implantação de uma série de medidas para que o asfaltamento da rodovia fosse executado pelo governo federal. A carta apresentava elementos para o futuro Plano de Desenvolvimento Territorial Integrado e Sustentável da Região de Influência da BR-163, o chamado Plano BR-163 Sustentável.

O documento destaca a necessidade do asfaltamento, mas adverte a pavimentação da rodovia demanda um conjunto de políticas integradas para o desenvolvimento regional, voltadas a prevenção e mitigação de potenciais impactos sociais e ambientais negativos. Entre esses impactos estão tendências de aumento de migrações desordenadas, grilagem e ocupação irregular de terras públicas, concentração fundiária, desmatamento e exploração não-sustentável dos recursos naturais, aumento da criminalidade e agravamento das condições de saúde pública.

Diante da pressão internacional contra o desmatamento na Amazônia a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a comemorar, em entrevista ao programa Bom Dia Brasil da TV Globo, a paralisação de uma obra que iria causar grandes impactos ambientais, referindo-se à Santarém-Cuiabá. Para evitar estes danos o governo montou o Plano BR-163 Sustentável, mas pouca coisa do plano foi colocada realmente em prática. O documento contribuiu, no entanto, para o já concedido licenciamento ambiental da rodovia, mas isso não significa que a questão ambiental foi resolvida. O principal motivo para que um grupo de empresas desistir de concorrer à concessão da rodovia foi a inclusão, no preço da obra, de um passivo ambiental de três décadas.

A questão ambiental é, ainda hoje, o principal entrave para o asfaltamento da rodovia, aliada ao pouco empenho dos políticos paraenses pela obra. Na região, diversos setores da sociedade acreditam que existe uma pressão muito grande estrangeira para que a rodovia não saia do papel. O setor produtivo até montou uma cronologia do que chamam de campanha contra a rodovia. Leia a cronologia:

Maio de 1999 - Uma caravana de caminhões encabeçada pelo empresário Blairo Maggi percorre toda a extensão da rodovia, para chamar a atenção sobre a sua importância socioeconômica. Na ocasião, Maggi afirmou que o asfaltamento beneficiaria cerca de 20 milhões de hectares de terras produtivas, permitindo uma produção de 60 milhões de toneladas de grãos e beneficiando muitos municípios muito pobres atravessados pela rodovia.

Março de 2000 - O Instituto Socioambiental (ISA) e o Woods Hole Research Center dos EUA, com o patrocínio da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID), divulgam o relatório Avança Brasil: os custos ambientais para a Amazônia, o qual condena as rodovias amazônicas, em especial a BR-163.

Agosto de 2002 - Um editorial do jornal The New York Times critica dura-mente as autoridades brasileiras por sua suposta 'conivência' com a proliferação das queimadas na Amazônia, além de condenar o asfaltamento da BR-163.

Agosto de 2003 - O governo de Mato Grosso assina um protocolo de intenções para a formação de um consórcio privado para a pavimentação da BR-163. Na ocasião, o agora o governador Blairo Maggi definiu o projeto como o caminho do desenvolvimento do país e prometeu elevar a produção de grãos do Estado de 17 milhões para 45 milhões de toneladas, em dez anos.

Naquele mesmo mês, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) deflagra uma campanha internacional para definir critérios 'ambientalmente sustentáveis' para a produção agropecuária em países do Terceiro Mundo. A ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) lança o portal 'Sinal Vermelho', listando as 'obras malditas' na Amazônia, entre elas a BR-163.

Setembro de 2003 - O New York Times publica um artigo do correspondente no Brasil, Larry Rohter, intitulado 'Plantadores de soja cortam fundo na Amazônia', responsabilizando os produtores de soja pelo 'descomunal' desmatamento verificado na região em anos recentes e exigindo o cancelamento da pavimentação da BR-163.

Outubro de 2003 - Um grupo de 500 ONGs brasileirase estrangeiras envia uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exigindo drásticas mudanças na condução da política 'socioambiental' do governo, que estaria tomando sucessivas decisões contrárias aos anseios da 'sociedade civil organizada', como a inclusão no Plano Plurianual (PPA) de inúmeras obras de infra-estrutura na Amazônia, entre elas a BR-163.

Fevereiro de 2004 - O governo federal cria o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a preparação do Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Área de Influência da BR-163.

Março de 2004 - O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) assina um convênio com o Instituto Militar de Engenharia (IME) para a elaboração de um estudo de viabilidade técnico-econômica da BR-163.

Maio de 2004 - Um consórcio privado, integrado, entre outras, pelas empresas Andrade Gutierrez e Cargill, com o endosso do Governo de Mato Grosso, apresenta uma proposta para concluir a pavimentação da BR-163. O governo adota a idéia e diz que a rodovia será concedida à iniciativa privada.

Abril de 2005 - O Instituto Militar de Engenharia (IME) apresenta o estudo de viabilidade técnico-econômica da BR-163, o qual conclui que 'o empreendimento é viável sob o ponto de vista público'. R$ 821 milhões para a implementação do trecho faltante, com custos ambientais de R$ 94 milhões.

Maio de 2005 - O jornal britânico The Independent publica uma reportagem de primeira página com o título: 'O estupro da floresta... e o homem por trás disso' - evidentemente, o governador Blairo Maggi.

Agosto de 2005 - O Consórcio privado criado para asfaltar a rodovia se afasta das negociações com o governo por não concordar com as condições propostas.

Dezembro de 2005 - O Ibama concede o licenciamento ambiental da obra do trecho que compreende o município de Rurópolis, no Pará, até a cidade de Guarantã do Norte, no Mato Grosso.

Fevereiro de 2006 - O presidente Lula anuncia a um grupo de ONGs ambientalistas o decreto de criação de 16 milhões de hectares de áreas protegidas no Pará. No mesmo dia a ministra chefe da Casa Civil Dilma Rousseff anuncia o abandono dos cálculos e modelos propostos pelo IME para a pavimentação da BR-163. O grupo de empresas já havia desistido do consórcio por não concordar com os novos cálculos.

Maio de 2006 - O ministro da Integração Nacional, Pedro Brito do Nascimento, anuncia que o governo não vai iniciar o asfaltamento este ano e que a obra será feita por meio de uma PPP.

O Liberal, 19/05/2006

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