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Ibama denunciado por facilitar fraude

JB, Pais, p.A3
11 de Abr de 2004

Ibama denunciado por facilitar fraude
Política da doação de madeira extraída ilegalmente para ONGs é apontada como forma de comercializar o produto

Luiz Queiroz
BRASÍLIA - As empresas madeireiras da Região Amazônica encontraram na política de doação de madeira apreendida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para organizações não-governamentais uma maneira de ''esquentar a papelada'' junto ao governo federal e, desta forma, vender e exportar o produto retirado ilegalmente das florestas brasileiras. A denúncia é de funcionários do instituto, que acusam a direção do Ibama de ser ''conivente'' com as irregularidades cometidas neste processo.
Os servidores, que pediram anonimato por temerem represália da direção, solicitaram investigação ao Tribunal de Contas da União, que abriu o Processo 012.307/2003-5 para acompanhar o sistema montado pelo Ibama para doações de madeiras apreendidas. A representação movida pelos funcionários está nas mãos do ministro Humberto Souto para análise, mas ainda não há parecer sobre o caso.
No ano passado, o Ministério do Meio Ambiente decidiu implementar uma política de doações de madeiras retiradas ilegalmente das florestas, para as ONGs e entidades sem fins lucrativos.
A intenção seria permitir que essas entidades vendam a madeira extraída ilegalmente das florestas e obtenham recursos para programas assistenciais e de manejo das áreas afetadas pelo corte ilegal de árvores. Essa política foi apresentada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e chegou a ser elogiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com base nessa nova estratégia, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) solicitou ao Ibama, no dia 4 de maio do ano passado, a doação de 6 mil toras de mogno e 200m³ de mogno serrado. A madeira foi apreendida pelo órgão, em 2002, na região de Altamira e Uruará, no Pará. Lá, ainda existe um total de 14 mil toras de mogno aguardando destinação por parte do Ibama.
Na justificativa para a doação, a entidade alegou que, se o instituto distribuísse a madeira em pequenos lotes pelo país, o risco de venda ilegal seria maior. ''A pulverização dos lotes dificulta o controle da destinação do mogno, possibilita a criação de um mercado secundário e pode acelerar a destruição do patrimônio natural'', afirma a entidade em petição ao Ibama.
O instituto acatou as argumentações da ONG e decidiu doar o mogno para a entidade. O contrato de doação do lote de 6 mil toras de mogno e 200m³ de mogno serrado foi efetivado no dia 5 de junho de 2003.
A Fase é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, com sede no Rio de Janeiro. Ambientalistas afirmam que a ONG é muito respeitada na região Norte pelos diversos programas de assistência às populações de baixa renda e projetos ambientais que executa.
O acordo de doação foi assinado pelo presidente interino do Ibama, Nilvo Luiz Alves da Silva, atual diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental. O contrato estabeleceu que a doação seria com ''encargos'', o que obrigou a Fase, ao receber o mogno, a bancar os custos de transporte, guarda e comercialização da madeira doada.
Para os funcionários do Ibama, contrários ao procedimento, a direção cometeu o deslize de não respeitar o parecer 220/2003, da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, alertando que doações com encargos têm de passar por licitação.
''Não há, no nosso ordenamento jurídico, nenhuma norma que autorize a administração pública a realizar tal tipo de doação'' informa a consultoria no parecer.
A direção preferiu buscar novos pareceres técnicos por intermédio da Procuradoria-Geral do órgão, com entendimento contrário. Com isso, a doação do mogno foi realizada para a ONG sem qualquer tipo de questionamento, pelo menos por enquanto, até que o TCU se manifeste com relação à representação dos funcionários.

Preço como barreira

BRASÍLIA - O segundo problema identificado pelos funcionários do Ibama, que denunciam irregularidades no processo de doação de mogno apreendido ilegalmente para organizações não-governamentais, é o preço que está sendo fixado pelas madeireiras para a compra da madeira.
No contrato de doação da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), a entidade diz ter obtido R$ 7,9 milhões com a venda de 6 mil toras de mogno e 200m³ de mogno serrado para a madeireira Cikel Brasil Verde, localizada em Altamira (PA). Tirando as despesas com impostos, encargos sociais, salários, custos operacionais para transporte e beneficiamento da madeira, além de outros gastos, a Fase alega ter ficado com uma receita líquida de R$ 3,5 milhões.
Para os técnicos do Ibama, essa conta está subfaturada. Segundo eles, 6 mil toras de mogno representariam cerca de 13 mil metros cúbicos de madeira beneficiada que, comercializadas no mercado internacional, renderiam algo em torno de R$ 34 milhões. Os funcionários entendem que a madeireira subavaliou a quantidade de mogno para aumentar ganhos.
Segundo o professor de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim Gonçales, não dá para fazer a conta de forma tão linear. Segundo ele, estão envolvidos aspectos como o comprimento das toras de mogno, seu diâmetro e a parte que realmente pode ser aproveitada da madeira, depois que ela passou um longo período nos rios da região.
Além disso, considera, é preciso levar em conta a qualidade do beneficiamento da madeira feito pelas empresas do Pará, cuja qualidade é muito duvidosa.
- É tudo muito estranho - comentou Gonçales ao tomar conhecimento do preço anunciado pela ONG.
O professor conhece a madeireira Cikel Brasil Verde e afirma que, tendo-se em conta as características do material e a depreciação natural que ocorre no seu beneficiamento naquela região, esse lote pode gerar um lucro com a venda em torno de R$ 12 milhões a R$ 13 milhões. O valor é inferior ao denunciado pelos funcionários do Ibama, porém superior ao apurado pela ONG.
A entidade recebeu autorização de doação do Ibama no dia 5 de junho. Um mês depois, já havia fechado um contrato com a madeireira de R$ 7,9 milhões. Isso leva os funcionários do Ibama a criticarem a velocidade com que a madeira saiu das mãos do governo para a iniciativa privada, sem uma análise prévia do seu valor oficial.
Nos contratos do instituto com a Fase e da ONG com a madeireira Cikel Brasil Verde não constam as características da madeira doada ou uma avaliação prévia do valor do lote.

'Doação foi legal'

-Você sabe que em qualquer atividade podem ocorrer fraudes, né?
Esse foi o comentário do procurador-geral do Ibama, Sebastião Azevedo, em resposta às denúncias, feitas por funcionários do órgão, de existência de fraudes na política adotada pelo Ministério do Meio Ambiente para doar madeira apreendida a entidades filantrópicas e organizações não-governamentais. Os funcionários do Ibama temem que esse modelo possa facilitar a ação de madeireiras que ''esquentam'', junto ao órgão, o produto extraído ilegalmente das florestas brasileiras.
Sebastião Azevedo não quis comentar a denúncia de que houve subfaturamento no preço pago - R$ 7,5 milhões - pela madeireira Cikel Brasil Verde à Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) na aquisição de 6 mil toras de mogno e 200m³ de mogno serrado. Disse apenas ''achar'' que o Ibama fez uma avaliação prévia do valor das toras, antes de doá-las para a ONG.
Sobre o parecer contrário da área jurídica do Ministério do Meio Ambiente, considerando que a legislação vigente não prevê doações de bem público desse tipo, o procurador-geral do Ibama confirmou ter desconsiderado essas alegações.
- Essa Conjur (Consultoria Jurídica) não é a Procuradoria do Ibama. É do ministério. Quem dirige a Procuradoria-Geral sou eu e sustento, com absoluta convicção, a legalidade da doação - disse.
O procurador deixou claro que foram demitidos os responsáveis pelo parecer contrário à vontade do Ibama de doar a madeira apreendida por extração ilegal.
- A consultoria atual sustenta a validade - disse.
Essa decisão, segundo ele, foi referendada pela Justiça Federal depois, quando empresários madeireiros tentaram barrar a medida. Sebastião Azevedo conta que a juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Selene Almeida, deu ganho de causa ao Ibama.
O procurador-geral afirma - mesmo antes de concluída a investigação sobre as doações de madeira - que conhece o parecer do Tribunal de Contas da União. O relatório garantirá a legalidade do ato, assegura:
-Tanto o TCU quanto o Judiciário andam na linha da legalidade da decisão do Ibama como sendo uma decisão regular e legítima.

JB, 11/04/2004, p. A3

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