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Homem orgânico

O Globo, Ela, p.1-2
10 de Dez de 2005

Homem orgânico
Marcos Palmeira faz sucesso como o personagem Mandrake e revela vontade de fazer filme com índios

Marcos Palmeira, cercado por Copacabana e por belas mulheres na minissérie Mandrake, do canal HBO, gosta mesmo, na vida real, de se isolar na selva, entre índios xavantes. Com discurso politizado e consciência ecológica, o ator conta que descobriu sua vocação para a dramaturgia ao visitar a tribo Arara, no Pará: "Eu representava o tempo todo". Diz que temos muito o que aprender com os índios, seres evoluídos, e um exemplo disto é que as índias não sofrem de tensão pré-menstrual. Ele garante.
Filho de cineasta, sobrinho de ator, namorado de diretora de TV, dono de uma fazenda de produtos orgânicos, Marcos estará também nas telas em 2006 em De Nonô a JK, sobre o presidente Juscelino Kubitschek, sob a direção de Zelito Viana. Lindo, moreno, cabelos cacheados, ele é gente como a gente, até quando está na cidade: gosta de tomar chope no Nova Capela e de freqüentar a quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Entre caciques e fãs do Orkut
Em evidência na TV, ator faz campanha política pela causa dos índios xavantes

Nua e curvilínea, a silhueta de mulher deitada na cama em primeiro plano, em contraste com a geometria dos prédios de Copacabana ao fundo, conta com jeito de cartoon mais uma aventura de Mandrake, personagem do livro de Rubem Fonseca, vivido nas noites de domingos, às 23h, por Marcos Palmeira, na nova série da HBO. As peripécias do advogado, especialista em livrar os clientes de chantagens e outras sinucas de bico, têm conquistado o público e já contam, segundo o ator, com 600 assinaturas no Orkut. Enquanto nosso herói, cercado de belas mulheres - entre elas, a modelo Giane Albertoni (como Gigi), Maria Luiza Mendonça (Berta) e Érika Mader (Bebel) - vai derretendo corações na televisão, na vida real o ator Marcos Palmeira, de 42 anos, está num "momento livre para me dedicar às coisas do meio ambiente e pensar no que quero fazer".
Em janeiro, ele será capa do primeiro número de uma revista lançada pela Natura. No ensaio de fotos feito para o ELA, Mandrake é o nome do cachorro, um simpático filhote de weimaraner, que como legítimo macho brinca com osso de verdade mesmo. Cachos morenos de volta aos cabelos, tosado para a série, sem o terno do personagem, de camiseta e colar da tribo dos arara, onde esteve em 81, Marcos Palmeira examina uma das cem camisetas infantis, que encomendou para a propaganda política do índio Rinaldo Xavante.
"Eles pretendem tomar conta da câmara de Campinápolis (em Mato Grosso, perto de Barra do Garça)" diz o ator, que em janeiro deste ano apresentou o documentário Expedição A UWE - a volta de Tsiwari no Fórum Social Mundial em Porto Alegre.
O documentário marcou a volta de Marcos Palmeira à aldeia onde esteve pela primeira vez em 1979, quando o pai, o diretor Zelito Viana, filmava o documentário Terra dos índios.
"Em 79, eu tinha de 16 para 17 anos e participei de um ritual de passagem em que a tribo marca a virada do adolescente para adulto, junto com um amigo, o Lula, Luiz Costa Lima, que hoje é músico e com quem pretendo fazer em breve um trabalho" conta Marcos, que na ocasião passou três meses nas aldeias xavantes de São Pedro e Onça Preta, onde recebeu dos índios o nome de Tsiwari ou "o filho valente".
Verdadeira obra-prima, Terra dos índios parte de uma reunião de caciques, realizada em março de 78, para mostrar os problemas das comunidades indígenas em todo o país, não só no Xingu e no Pará mas também no sul. Narrado por Fernanda Montenegro, com entrevista de Darcy Ribeiro, o documentário foi exibido este mês em Nantes nas comemorações do Ano do Brasil na França.
Na volta da aldeia, Marcos Palmeira trabalhou no Museu do Índio com Carlos Moreira Neto, no setor de fotografia.
- Conheci lá o João Domingos Lamônica, fotógrafo do Marechal Rondon. Em 81, foi descoberta uma tribo de índios arara no Pará, perto de Altamira. O indianista responsável pela frente de atração, onde são feitos os primeiros contatos com a tribo, era Sidney Possuelo, mais tarde nomeado presidente da Funai. Ficamos 28 dias lá. Cheguei a raspar as sobrancelhas com um pedaço de pau com serra, usado pelos índios para isso. No início tentei andar nu achando que era o Jim das Selvas mas tive que botar roupa para não ser engolido pelos mosquitos. Comia mandioca, abóbora, mamão e outras frutas. Eu me comunicava pelos gestos. Os índios são muitos afetivos e para eles, o toque e o olhar são muito importantes. Nessa aldeia, descobri a vocação para ser ator pois percebi que estava representando o tempo todo - lembra Marcos, que encontrou na época uma tribo muito doente, dependendo de ajuda e morrendo de gripe.
Hoje, segundo ele, a Fundação Ford está fazendo um trabalho com os araras.
- Tenho vontade de voltar lá e de atravessar a Transamazônica, uma das grandes responsáveis pela extinção de várias tribos, mas é uma viagem perigosa porque os caminhões andam à noite, com o farol desligado, carregando madeira ilegalmente. Acho que vai levar mais 20 anos para o Brasil cair na real e preservar a migalha que nos resta da Amazônia. Além de ter marcado minha vida, o contato com os índios acendeu a luz vermelha da preservação da natureza, o respeito ao tempo. A gente está sempre querendo acelerar o tempo em nome de um progresso que nunca vem. Imprimimos uma urgência que a vida não tem, mas isso só fica evidente quando ficamos doentes ou sofremos algum tipo de terror e aí repensamos nossos valores. Não nos permitimos nada como experimentar, durante a lua cheia, por exemplo, um sentimento diferente. As índias não têm tensão pré-menstrual. Eles possuem um controle genético de milênios que desconhecemos. Trabalham na prevenção, que nós ignoramos. Só funcionamos na crise, remediando a fome com cesta básica e a favela, com exclusão - afirma.
Fã do pai, com quem fez Villa-Lobos, uma vida de paixão (2000), Marcos Palmeira filmou com Zelito De Nonô a JK, sobre o presidente Juscelino Kubitschek, baseado no livro de José Louzeiro, a ser lançado em 2006.
- Estou amadurecendo a idéia de dirigir um filme. Tenho vontade de fazer um trabalho mais elaborado a partir da Expedição A UWE, que aconteceu a toque de caixa.
Não é só na televisão que encontramos Marcos mas também nas prateleiras do supermercado, que oferecem os legumes, as verduras e os laticínios - o queijo é uma delícia - orgânicos, produzidos na fazenda Vale das Palmeiras, comprada pelo ator em 1997, entre Teresópolis e Friburgo. Quem te viu, quem te vê. Ele lembra que em 79, quando esteve na aldeia de São Pedro com os xavantes, pegou uma pneumonia e tinha febre alta todas as tardes.
- Eu acordava de madrugada pedindo: hambúrguer, batata frita... - conta Marcos, que tem, como seu personagem Mandrake, um lado bem urbano.
Gosta de jogar futebol, praia, cinema, chope no Nova Capela e da Fundição Progresso, na Lapa, da Mocidade Independente de Padre Miguel e de um bom chorinho. Discreto na vida afetiva, namora a diretora de TV Amora Mautner. Posando entre os chapéus de colher arroz que enfeitam a parede, olha a equipe completamente feminina do ELA e pergunta rindo:
- A equipe do caderno é sempre assim, só de mulheres?
Produção: Marta Zollinger.

O Globo, 10/12/2005, p. 1 e 2 (Ela)

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