VOLTAR

Hidrelétricas travam diante da burocracia

O Globo, Economia, p. 35
09 de Mar de 2014

Hidrelétricas travam diante da burocracia
Votorantim e Gerdau tentam viabilizar usinas leiloadas há mais de dez anos. Donos de sete projetos desistiram

DANIELLE NOGUEIRA
danielle.nogueira@oglobo.com.br

Em meio às preocupações do setor elétrico com o baixo nível dos reservatórios e os atrasos na construção de térmicas, investidores enfrentam uma burocracia sem fim para tirar antigos projetos de hidrelétricas do papel. Dez anos após a entrada em vigor do novo marco regulatório do setor, eles ainda tentam viabilizar usinas que foram leiloadas antes da mudança de regras.
Estão nessa situação cinco hidrelétricas de pequeno e médio portes, cujos projetos foram idealizados por grandes consumidores de energia, como Gerdau e Votorantim. Nenhuma delas teve um tijolo sequer erguido, pois os empreendedores não conseguiram obter a Licença de Instalação, para dar início às obras. Com a demora no licenciamento, as empresas tentam, agora, estender o prazo de concessão para viabilizar o investimento.
O novo marco regulatório está vigente desde 2004. Entre suas principais mudanças, está a exigência de Licença Prévia (LP) para todas as usinas que vão a leilão. Essa primeira etapa do licenciamento é feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo planejamento do setor. Outra mudança é que vence o leilão quem oferecer a menor tarifa. Antes, ganhava a licitação quem oferecia o maior valor pelo chamado Uso do Bem Público (UBP), independentemente de quanto seria cobrado do consumidor final. E cabia ao empreendedor conseguir a LP.
Segundo levantamento da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução (Abiape), 12 Hidrelétricas concedidas antes de 2004 ainda não conseguiram sair do papel. Os donos de sete delas desistiram pelo meio do caminho, especialmente após lei promulgada em julho de 2013, que dava 30 dias para que as usinas fossem devolvidas ao governo, sem a necessidade de os empreendedores pagarem o UBP. A lei assegurou o ressarcimento dos custos incorridos até então, caso as usinas sejam leiloadas novamente, dentro das regras do novo marco. Votorantim e Gerdau resolveram, no entanto, recorrer à Justiça, numa tentativa de salvar investimentos feitos e finalizar as usinas. Em nome delas, a Abiape entrou com ação para sustar o prazo de 30 dias para devolução das hidrelétricas.
Paralelamente, as empresas entraram com pedido na Agência Nacional de Energia Elérica (Aneel) para estender o prazo de concessão. A lógica é a seguinte: como boa parte dos 35 anos de concessão já se passaram e a LP não foi liberada ou foi liberada muitos anos depois da vitória do leilão, a prorrogação da concessão é fundamental para que os empreendedores tenham tempo de obter retorno financeiro.
As cinco usinas que estão nesta situação são Pai Querê (292 MW), Tijuco Alto (128,7 MW), Salto das Nuvens (20 MW), São João (60 MW) e Cachoeirinha (45 MW). Em todas, os investidores pedem que a concessão seja contada a partir da emissão da LP.
- Essas usinas não vão resolver o problema estrutural do setor elétrico. Mas os empreendedores ainda acreditam nesses projetos. Eles são importantes para a indústria porque dão tranquilidade às empresas quanto à oferta de energia, aumentando sua competitividade - disse Mário Menel, presidente da Abiape.
MME: SEM PRORROGAÇÃO DE PRAZO
Em agosto de 2013, a Abiape obteve liminar sustando o prazo de devolução até que fossem apreciados todos os pedidos de renovação do prazo de concessão pela Aneel. As usinas de Pai Querê e Tijuco Alto tiveram seus pedidos negados. A primeira, que seria erguida na divisa de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pertence a consórcio liderado pela Votorantim. Ela já havia tido a LP negada pelo Ibama, "devido a questões não esclarecidas no EIA-Rima". A usina foi concedida em 2002.
Tijuco Alto, projetada para ser construída na divisa de São Paulo com Paraná (PR), é da Companhia Brasileira de Alumínio, também do grupo Votorantim, e não conseguiu a LP. É um caso clássico da burocracia do licenciamento. Ela foi concedida por decreto em 1988. Desde então, foram três estudos de impacto ambiental e uma LP suspensa.
Segundo documentos listados no site do Ibama, o processo está com a análise técnica encerrada, mas a emissão da LP depende da Fundação Cultural Palmares. Em 2012, a instituição deu parecer favorável ao empreendimento, mas voltou atrás para que novas consultas fossem feitas às comunidades quilombolas da área de influência da usina. Já se passaram 26 anos desde a concessão.
A Votorantim tenta ainda salvar a Pequena Central Hidrelétrica de Salto das Nuvens, concedida em 1988 e que seria construída no Rio Sepotuba (MT). O licenciamento está a cargo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
"Entendemos o processo de licenciamento ambiental como uma discussão necessária na sociedade, o que é natural. Questionamos a demora desse processo", disse a Vororantim, em nota.
Os casos de São João e Cachoeirinha, ambas da Gerdau e que integram um complexo hidrelétrico que seria erguido no Rio Chopim (PR), estão em estágio mais desenvolvido, mas nem por isso menos preocupante. A empresa obteve a LP do Instituto Ambiental do Paraná em 2010. Ainda restam 23 anos de concessão, mas a companhia pleiteia a extensão do prazo. O processo está em análise pela Aneel. "Apesar da oportunidade de devolver a concessão, a Gerdau acredita no potencial do projeto", disse a empresa, em nota.
A Aneel chegou a deferir pedido de prorrogação de prazo de concessão para a usina de Santa Isabel (1.087 MW) em 2012, que estava em situação semelhante a dessas cinco hidrelétricas, mas o Ministério de Minas e Energia (MME) vetou o parecer.
O MME disse que "para aqueles contratos de concessão não rescindidos, não existe dispositivo legal que permita a prorrogação/ renovação ou restabelecimento do prazo da concessão".

O Globo, 09/03/2014, Economia, p. 35

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.