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Governo viola direitos indígenas: 2 Desmantelamento de órgãos e proteções legais

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br/
Autor: FERRANTE, Lucas; FEARNSIDE, Philip M
22 de Jun de 2022

Governo viola direitos indígenas: 2 Desmantelamento de órgãos e proteções legais

Amazônia Real
Lucas Ferrante
Philip M. Fearnside

22/06/2022

Um desmantelamento generalizado de órgãos federais e proteções legais está em andamento desde que o Presidente Bolsonaro assumiu o cargo em 2019 [1-3]. O financiamento para os órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pelos povos indígenas foi drasticamente cortado, o quadro de funcionários é reduzido, os chefes dos órgãos e outras posições de liderança foram entregues a apoiadores de Bolsonaro que se opõem aos objetivos dos órgãos e centenas de regulamentos internos que podem ser emitidos ao toque de uma caneta prejudicaram as operações da agência (por exemplo, [4, 5]. Em 22 de abril de 2020, essas mudanças foram notoriamente chamadas de "boiada" pelo então ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, quando convocou seus colegas ministros a aproveitar a atenção da mídia focada no COVID-19 como uma "oportunidade" para "passar a boiada" [6]. O uso de eventos como a pandemia de COVID-19 tem sido uma prática comum do governo para lançar uma cortina de fumaça sobre o enfraquecimento da legislação sobre meio ambiente e povos indígenas [7, 8].

Em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, o Presidente Bolsonaro liberou quantidades recordes de fundos conhecidos como "emendas" [9, 10] e conseguiu induzir membros da Câmara dos Deputados e do Senado a eleger seus aliados políticos como presidentes de ambas as casas do Congresso Nacional em 1o de fevereiro de 2021. Imediatamente após essa virada política, Bolsonaro enviou aos presidentes da Câmara recém-eleitos uma lista de 35 projetos de lei que devem ter prioridade para aprovação em 2021 [11]. Estes incluem o PL 191/2020 que abriria as terras indígenas ao agronegócio, pecuária, barragens e mineração [12]. Outro projeto de lei encerra efetivamente o licenciamento ambiental (PL 3729/2004, agora aprovado pela Câmara dos Deputados) e atualmente avançando pelo Senado (ver [13]). Outro (PL 490/2007, agora aprovado pela Câmara dos Deputados (ver [14]) enfraquece a legislação de proteção aos povos indígenas e permite a revogação de terras indígenas criadas a partir de 1988.

Outro (PL 2633/2020, agora aprovado pela Câmara dos Deputados) flexibilizou os regulamentos sobre a legalização de reivindicações ilegais de terras, facilitando muito a grilagem ou a reivindicação ilegal de grandes áreas de terras públicas [15]. Outros (PL 6438/2019 e PL 3723/2019) flexibilizariam as leis de controle de armas, facilitando assim a formação e armamento de grupos paramilitares ruralistas [16]. Durante a infame reunião ministerial de 22 de abril de 2020 (onde foi promovida a "boiada"), cuja gravação em vídeo foi divulgada ao público por ordem do Supremo Tribunal Federal, o Presidente Bolsonaro afirmou que queria armar o povo para que eles poderiam se levantar contra governadores de estado "tirânicos" que queriam instituir medidas de distanciamento social para conter a COVID-19 [6]. Líderes indígenas apontaram que Bolsonaro está armando pessoas para invadir suas terras [17].

Entre os retrocessos do PL 490/2007 está a previsão de que somente as terras que já estavam formalmente em posse dos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser consideradas "terras indígenas", exigindo-se, portanto, a comprovação da propriedade, o que não é necessário hoje. Essa disposição altera a configuração das terras indígenas no Brasil e, diante do enfraquecimento da proteção promovida pelo próprio governo, esses povos ficarão vulneráveis a invasores armados que pretendam reivindicar territórios indígenas. As terras indígenas representam dois terços da área sob alguma forma de proteção na região amazônica brasileira, com menos desmatamento do que em áreas protegidas destinadas exclusivamente à conservação [18].

O desmatamento na Amazônia brasileira aumentou dramaticamente desde que o Jair Bolsonaro assumiu a presidência em janeiro de 2019 [19]. Isso é em grande parte resultado das ações do presidente e do discurso anti-ambiental [2]. As ações podem enviar uma mensagem forte tanto para os potenciais infratores das regras que protegem o meio ambiente e os povos indígenas quanto para os agentes governamentais responsáveis pelo cumprimento dessas regras. Em 12 de abril de 2020, um episódio do popular programa de televisão "Fantástico" mostrou fiscais do órgão ambiental (IBAMA) queimando equipamentos de garimpeiros ilegais em uma terra indígena, conforme autorizado por lei [20]. O Presidente Bolsonaro ficou furioso e, dois dias depois, seu ministro do meio ambiente demitiu dois funcionários do IBAMA como punição.

Em 07 de maio de 2020, o presidente emitiu uma "Garantia da Lei e da Ordem" (GLO) colocando todas as inspeções do IBAMA sob comando militar [21]. Isso supostamente garantiria que nenhum equipamento seria destruído quando madeireiros e mineradores ilegais fossem capturados [22]. A destruição de equipamentos é o principal desincentivo a essas atividades ilegais, pois as outras consequências de ser pego são essencialmente um toque no pulso. Todas as ações de fiscalização ambiental foram colocadas sob a "Operação Brasil Verde 2", liderada pelo Vice-Presidente (General Hamilton Mourão) como chefe do novo "Conselho da Amazônia". Esse conselho é composto por 19 militares e quatro policiais federais, mas não possui técnicos especializados na área ambiental [23]. A nova estrutura estabelece uma cadeia de comando alternativa que é independente dos órgãos e funcionários ambientais do governo, implementando diretamente as ordens do comandante em chefe (presidente Bolsonaro).

O general Mourão declarou notavelmente que "comeria a boina" de seu uniforme militar se a notoriamente destrutiva rodovia BR-319 não for concluída dentro do atual governo [24]. Essa rodovia ligaria o "arco do desmatamento" na parte sul da região ao relativamente intacto centro e norte da Amazônia, enquanto estradas planejadas conectando à BR-319 dariam aos desmatadores o acesso ao oeste da Amazônia e à maior parte do que resta da floresta amazônica brasileira [25-29].

O estudo de impacto ambiental (EIA) do trecho médio da rodovia BR-319 ainda não foi aprovado pelo IBAMA. O IBAMA descumpriu a recomendação do Ministério Público Federal de aguardar o controle da pandemia antes de realizar as audiências públicas que fazem parte do processo de licenciamento. A rodovia BR-319 ameaça pelo menos 18.000 indígenas que tiveram o direito de consulta negado pelo Governo Federal [26-29]. As terras desses povos já estão sendo invadidas por grileiros durante a pandemia, e o desmatamento é desenfreado na área afetada da rodovia BR-319 [25, 28]. A aprovação do PL 3729/2004 pela Câmara dos Deputados em 13 de maio de 2021 foi comemorada por políticos em Manaus porque permitiria o início imediato das obras da BR-319 sem os atuais requisitos de licenciamento ambiental [30]. Esses requisitos incluem a consideração dos povos indígenas impactados.

Os militares evitaram realizar operações em focos de desmatamento [31, e os fiscais ambientais relataram que os militares impediram intencionalmente suas ações de fiscalização [32]. A operação militar também desperdiça grandes quantias de dinheiro que poderiam ter um efeito significativo na repressão do desmatamento se aplicada pelo órgão ambiental, sendo essa uma das razões pelas quais o Brasil seria mais bem atendido com o fortalecimento de seus órgãos ambientais como o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) em vez de militarizar a proteção da Amazônia [33].

Os militares também dominam hoje a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que é o órgão responsável pela proteção dos indígenas brasileiros. Um incidente que sintetizou as consequências disso ocorreu em 23 de junho de 2021, quando um tenente do Exército que coordena uma filial local da FUNAI no estado do Amazonas sugeriu "'meter fogo" em um grupo de indígenas isolados [34]. Novos militares nomeados à frente de filiais locais da FUNAI muitas vezes renegam as promessas de assistência feitas pelos chefes locais anteriores (por exemplo, [35]). A atual liderança da FUNAI tem perseguido lideranças e organizações indígenas, por exemplo, ao apresentar uma denúncia à Polícia Federal alegando que a FUNAI foi vítima de calúnia na série de vídeos "Mayará, uma emergência indígena" produzida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) [36]. A investigação policial foi interrompida em 05 de maio de 2021 por um tribunal federal em Brasília algumas horas após a APIB apresentar processos simultaneamente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e no Supremo Tribunal Federal (STF) [37.

Além de militares, cristãos evangélicos, parte importante da base política de Bolsonaro, também foram nomeados para cargos-chave na FUNAI. Isso inclui um ex-missionário da Missão Novas Tribos como chefe da Coordenação de Índios Isolados e Recentemente Contatados (CGIIRC) [38]. O resultado foi um aumento nas autorizações para proselitismo em áreas indígenas, incluindo contato com grupos isolados. A disseminação do COVID-19 é um dos riscos dessa atividade [39].

COVID-19 e povos indígenas

As forças militares do Brasil têm sido usadas como cortina de fumaça para a degradação da Amazônia e violações dos direitos dos povos indígenas em meio à pandemia [40]. Muitas terras indígenas foram invadidas, e os invasores podem espalhar a COVID-19 em comunidades indígenas [41, 42]. O povo Apurinã denunciou a invasão de suas terras a partir de uma estrada vicinal ("ramal") ilegal que está sendo construída para ligar à rodovia BR-319, o que pode levar à disseminação da COVID-19 [28, 29, 43, 44]. Os povos indígenas são um grupo de risco do COVID-19, e o vírus pode dizimar culturas inteiras porque as tradições indígenas são transmitidas oralmente pelos anciãos da aldeia que são os mais afetados [45, 46]. O tratamento dado pelo governo Bolsonaro à pandemia de COVID-19 entre os indígenas é parte importante da ação de prevenção ao genocídio que foi movida no Supremo Tribunal Federal por organizações indígenas em 30 de junho de 2020 [47, 48].

O presidente Bolsonaro vetou medidas como o fornecimento de água potável e leitos hospitalares para povos indígenas durante a pandemia de COVID-19, ações que, aliadas à agenda política e ideológica do governo Bolsonaro, colocam em risco múltiplas etnias [44]. Estudos preliminares sugerem que parte da população amazônica não gera uma resposta imune natural ao vírus SARS-CoV-2 que causa a COVID-19 [49]. A falta de coevolução desses povos com muitas doenças virais é, provavelmente, um fator contribuinte [45]. A maior mortalidade indígena é evidente quando comparada à mortalidade da população não indígena, que está ligada não apenas ao patrimônio genético desses povos, mas também à sua vulnerabilidade social, que se tornou ainda mais acentuada em decorrência das políticas de o governo Bolsonaro durante a pandemia [44-46, 50]. Um cálculo baseado em dados do Ministério da Saúde indica que os indígenas têm uma chance 98% maior de morrer de COVID-19 do que os brasileiros descendentes de europeus [51]. [52]

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