Governo vai usar terras desapropriadas de brasileiro

Governo vai usar terras desapropriadas de brasileiro

DO ENVIADO A SANTA CRUZ

O governo boliviano anunciou ontem que usará "milhares de hectares de terras" desapropriadas do empresário brasileiro José Milton Soleb, mais conhecido como "Chicão", acusado de ocupar ilegalmente uma área de fronteira -o que é proibido a estrangeiros- e de traficar madeira para o Brasil.
Soleb, acusa o governo, mantinha uma extensa área no departamento amazônico do Pando, em área de fronteira com o Estado brasileiro do Acre. Dali, levava madeira através da fronteira sem passar pelos postos de fiscalização entre os dois países.
O governo boliviano também alega que Soleb, por ser estrangeiro, está proibido de explorar os 50 km a partir da fronteira, como prevê a Constituição.
Em 31 de agosto, militares e policiais bolivianos realizaram uma grande operação para fechar a madeireira de Soleb que funcionava na área agora destinada à reforma agrária. Foram deslocados 40 agentes de segurança, sob a supervisão direta da ministra de Governo, Alicia Muñoz. Segundo ela, havia no local 29 pessoas, entre bolivianos e brasileiros, em situação análoga à escravidão.
A Folha não conseguiu localizar Soleb ontem. Em entrevistas anteriores, ele negou as irregularidades e disse que acionaria a Justiça boliviana contra as medidas do governo.
A decisão de retirar estrangeiros dessa faixa de 50 km é apoiada até pela CAO (Câmara Agropecuária do Oriente), a mais importante entidade agropecuária do país e forte crítica do governo Evo Morales, mas deve atingir pequenos agricultores e madeireiros brasileiros radicados na região.
Ontem, ao anunciar o destino das terras de Soleb, o vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz, informou também que o governo fará um censo da população brasileira na região.
"Estamos falando de umas cem famílias brasileiras que estariam em Bellaflor, na província Abuná", disse Almaraz, de acordo com a ABI, a agência oficial de notícias. Segundo ele, esse processo será iniciado até o mês de novembro.
Almaraz disse que as terras de Soleb "serão declaradas terras fiscais [públicas]", mas não soube informar a extensão, segundo a própria ABI.
Os governos boliviano e brasileiro vêm mantendo reuniões nos últimos meses para discutir o destino dessas famílias. Recentemente, a Bolívia chegou a propor que o Brasil criasse um programa de assistência aos brasileiros mesmo dentro do território boliviano -uma espécie de Bolsa Família no exterior-, mas a idéia foi rejeitada pelo Itamaraty.
Ao lado da nacionalização do gás e da Assembléia Constituinte, a reforma agrária é uma das principais prioridades do governo Morales, que tenta aprovar no Congresso um projeto de lei que agiliza a expropriação de terras improdutivas. (FM)

FSP, 28/09/2006, Mundo, p. A20