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Governo recusa financiamento

CB, Brasil, p.18
20 de Fev de 2005

Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, admite que o Banco Mundial e o BID ofereceram recursos para o projeto da bacia do São Francisco, mas dinheiro foi considerado desnecessário
Governo recusa financiamento
Bernardino Furtado
Do Estado de Minas Atransposição do rio São Francisco para o Nordeste setentrional, um megaprojeto de R$ 4,5 bilhões, vai ser feita com recursos do Tesouro Nacional porque o governo Lula garante não precisar e não pretende tomar financiamento de organismos internacionais como o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). É o que disse ao Estado de Minas, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.
Na madrugada da última terça-feira, em São Paulo, o ministro disse que recusou uma oferta de financiamento feita, em pessoa, pelo presidente do BID, Enrique Iglesias. "Ele disse que o BID queria financiar a transposição e eu recusei, porque o Brasil está com superávit primário em suas contas", relatou Ciro.
Na tarde da última quinta-feira, no entanto, questionada sobre a afirmação do ministro, a representação do Banco no Brasil divulgou nota em que confirma apenas a disposição do BID em "examinar o projeto, comunicada por Iglesias numa visita a Ciro, no fim de 2003. Horas depois, confrontado com a resposta do banco, Egidio Serpa, assessor que estava ao lado de Ciro em São Paulo, disse que os termos da nota do BID refletiam as palavras de Iglesias, na sede do ministério, em Brasília, em 19 de novembro de 2003.
A presumida disposição do BID em injetar dinheiro na transposição foi usada por Ciro para desdenhar um estudo do Banco Mundial feito a pedido do governo Fernando Henrique e reapresentado em 2003 e 2004, também a pedido, ao alto escalão do governo Lula. O Bird examinou o projeto e concluiu que a transposição é inviável economicamente e tem baixa capacidade de combater a pobreza e de amenizar o efeito das secas sobre a população do Nordeste setentrional. O Banco Mundial disse que preferia financiar obras mais baratas e de resultados melhores no combate à pobreza na região.
O desdém de Ciro ao dinheiro de atuais e tradicionais financiadores do governo brasileiro — o Bird, de adutoras e barragens, e o BID, de saneamento básico — mostra que a transposição se tornou uma obra de vontade política que se justifica por si mesma, ainda que, para isso, tenha de ignorar as críticas de técnicos respeitáveis. Um exemplo disso é a conclusão, provavelmente na próxima semana, da licitação das bombas de água da transposição, antes da obtenção da licença prévia ambiental, prática condenada expressamente pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Risco
O diretor interino de Licenciamento Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Luiz Felipe Kunz Júnior responsável pela emissão da licença para a obra da transposição, disse que o adiantamento da licitação de equipamentos "é um risco assumido pelo empreendedor", no caso, o Ministério da Integração Nacional. Caso o Ibama condicione a licença a mudanças no projeto que impliquem equipamentos diferentes dos licitados, a concorrência corre o risco de ser cancelada. A pressa do ministério é explicável. Ciro anunciou que as obras da transposição serão iniciadas no início de maio. Para isso, teria que obter do Ibama, antes, duas licenças: a prévia e a de instalação.
O desprezo por estudos técnicos reflete-se na repetitivo emprego pelo ministro Ciro Gomes do exemplo do racionamento de água para a população de Campina Grande (PB) entre 1997 e 1999.
Um estudo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de 2002 (ver quadro) mostra que a Paraíba em 2020 consumirá apenas metade da agua disponível. Mesmo na bacia do Baixo Paraíba, onde está Campina Grande, a demanda apenas empatará com a oferta no fim desses 17 anos.
Um estudo feito pela empresa de consultoria VBA por encomenda do governo federal mostrou que o colapso no açude Boqueirão, que abastece Campina Grande e levou ao racionamento em 1997, deveu-se ao total descontrole na operação do açude.
Segundo o estudo, o Boqueirão tem capacidade para fornecer uma vazão regular, com 100% de garantia, de 1,79 mil litros por segundo, mesmo nos anos mais secos. O atendimento do consumo da população de Campina Grande e oito cidades da região é resolvido com 1,07 mil litros por segundo (200 litros por habitante por dia). A projeção da companhia de água do estado, a Cagepa, é que, em 2023, essa demanda subirá para 1,51 mil litros por segundo, ainda abaixo da capacidade de regularização do açude.
José Patrocínio Tomaz de Albuquerque, consultor e professor aposentado da atual Universidade Federal de Campinha Grande, diz que a implantação da agricultura irrigada nas vazantes do Boqueirão contribuiu fortemente para o esvaziamento do açude em 1997. "Era uma agricultura nada recomendável, pois poluía diretamente o rio e, usada por grandes produtores, promoveu uma farra no gasto de água (mil litros por segundo), justamente na estação seca", diz. Segundo ele, esse modelo de irrigação não beneficia os pobres, que plantam regularmente na estação úmida.

CB, 20/02/2005, p. 18

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