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Governo já tem plano B para evitar apagão

OESP, Economia, p. B1
21 de Mai de 2007

Governo já tem plano B para evitar apagão
Energia térmica é a alternativa escolhida às usinas do Rio Madeira, emperradas por falta de licença ambiental

Renée Pereira

O governo já trabalha com um Plano B para garantir o fornecimento de energia elétrica caso o licenciamento ambiental das usinas do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) não seja liberado até o fim do mês. A alternativa já viria no próximo leilão, previsto para 26 de junho, e está associada ao aumento de contratação de energia térmica movida a diversos combustíveis, especialmente a carvão mineral, óleo combustível/diesel e gás natural. Isso significa aumento na conta de luz dos consumidores, pois essa energia é mais cara.

Até as empresas do setor, especializadas em geração hídrica, já perceberam que esse é o caminho para elevar a oferta enquanto os entraves ambientais não são solucionados nas hidrelétricas. Sem perder tempo e com dinheiro em caixa, algumas já incluíram em seu portfólio projetos de termoelétricas, em especial movidas a carvão mineral (ver abaixo).

A exemplo do que ocorreu no passado, mais uma vez o País vai depender de projetos térmicos para não ficar sem luz. A expectativa de especialistas é a de que ao menos desta vez esses projetos saiam do papel.

Em 2001, a grande saída para o aumento da oferta de energia era o Programa Prioritário de Termoelétricas (PPT), de usinas movidas a gás natural. Boa parte das unidades não saiu do papel e aquelas concluídas sofrem hoje com a falta de combustível para seu pleno funcionamento. É por causa dessa escassez que os investidores têm buscado o carvão como fonte.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, explica que, se o Projeto do Rio Madeira for liberado pelos órgãos ambientais, o leilão será feito separadamente. Caso não saia até o fim do mês, a energia será suprida pelas usinas que se habilitarem para o próximo leilão. 'Não faltam propostas', comemora.

O cronograma do Rio Madeira está diretamente associado ao período hidrológico. Para que o prazo fosse cumprido, as obras deveriam ter início até agosto de 2007. Depois disso, as cheias do rio não permitem o início da construção. Portanto, as obras só poderiam ser iniciadas em 2008. O tempo de construção das duas usinas, com capacidade para gerar 6.494 MW, é de cerca de 6 anos.

Tolmasquim diz que 109 projetos foram inscritos para participar do leilão de junho, para entregas de energia a partir de 2012. Em potência, as usinas a carvão estão em primeiro lugar, com capacidade para 3.562 MW. Há ainda 3.020 MW de unidades movidas a gás natural; 2.683 MW de usinas bicombustível (óleo combustível e gás natural); 1.537 MW de óleo combustível; e 1.209 MW de biomassa, entre outros.

O leilão também deverá negociar energia hídrica das usinas já existentes, mas ainda sem contrato de venda. 'Não vai faltar energia. É claro que teremos de optar por fontes mais caras e um pouco mais poluentes', observa Tolmasquim.

Especialistas também reconhecem que não há muitas alternativas para o País neste momento, diante do embate entre o governo e os órgãos ambientais. 'Temos de continuar acrescentando nova capacidade ao sistema. Qualquer MW gerado ou economizado já é um grande avanço', afirma o presidente da Suez, Maurício B‰hr.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia (Abrage), Flávio Neiva, lamenta que o rumo da matriz energética esteja indo em direção contrária ao esforço contra o aquecimento global. Mas, diante da falta de opções, ele defende uma solução para elevar as termoelétricas a gás natural, hoje escasso no País.

'Além da Bacia de Santos, precisaríamos de mais plantas de regaseificação de gás natural liqüefeito (GNL), além do já anunciado pela Petrobrás', diz. O GNL é trazido do exterior em grandes embarcações.

Boa parte do carvão mineral para abastecer as usinas também será importada, lembra o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. Há ainda reservas na região Sul, mas consideradas de qualidade inferior, por causa do baixo poder calorífico e alto teor de cinzas. Por essa qualidade, o carvão só foi usado como fonte energética em épocas de crise. Mas B‰hr, da Suez, salienta que o desenvolvimento de tecnologias modernas melhorou a qualidade e diminuiu a poluição.

Na avaliação de Godoy, no entanto, com o estoque de obras em execução caindo e o consumo subindo, não se pode desprezar nenhum tipo de fonte de energia, seja carvão, gás natural, óleo ou nuclear. Para se ter idéia, no primeiro trimestre, o crescimento do uso de eletricidade na classe residencial ficou em 6%. 'Imagino que nem as distribuidoras de eletricidade fizeram previsão tão otimista.'

Apesar do elevado potencial hídrico, Godoy considera saudável diversificar a matriz energética brasileira. 'O que não podemos é jogar todas as fichas num único projeto', afirma, referindo-se ao projeto do Rio Madeira. Na avaliação dele, para cumprir o cronograma das duas usinas, a licença prévia teria de ser autorizada com um mínimo de condicionantes que não dificultasse a licença de instalação necessária para o início das obras. 'Caso contrário, os investidores ficarão temerosos para disputar o empreendimento, pois terão contrato para o início de entrega da energia.'

Ele destaca também a necessidade de encontrar uma solução para Angra 3. No governo, como na sociedade, há correntes contra e a favor da construção da usina. Tolmasquim, no entanto, garante que já há um consenso maior pró-Angra 3. O assunto deve ser discutido na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em junho.

FRASES

Maurício Tolmasquim
Presidente da Empresa de Pesquisa Energética
"Não vai faltar energia. É claro que teremos de optar por fontes mais caras e um pouco mais poluentes"

Maurício Bähr
Presidente da Suez
"Temos de continuar acrescentando nova
capacidade ao sistema.
Qualquer MW gerado ou economizado já é um grande avanço"

Em meio à falta de projetos, carvão ganha espaço

Com o caixa cheio e a demanda em alta, empresas buscam opções à geração hidrelétrica
O setor elétrico vive uma grande contradição: sobra dinheiro no caixa das empresas e faltam projetos de qualidade, especialmente na área de hidrelétricas - a grande vocação do País. Nesse cenário, com as dificuldades ambientais e com a falta de gás natural, o carvão tem se mostrado uma alternativa enquanto os estudos de novas hidrelétricas não ficam prontos, o que deve ocorrer apenas em dois anos.

'O setor está capitalizado. As empresas só não investem mais porque não há projetos', afirma o diretor-presidente da Energias do Brasil, António Martins da Costa. Na falta de hidrelétricas, a empresa buscou no mercado novas opções para ampliar seu parque gerador e não deixar o dinheiro parado. No mês passado, comprou a Diferencial Energia, que detém os direitos de construção da termoelétrica a carvão mineral importado a ser construída em São Luís, no Maranhão. O investimento deve ser de US$ 450 milhões.

A usina, com capacidade de 350 MW, já tem licença prévia ambiental e deve participar do próximo leilão em junho. 'Neste momento, o carvão mineral é uma boa alternativa. Além do preço estável, a tecnologia melhorou muito a qualidade da matéria-prima nos últimos anos', afirma Martins.

Ele explica, ainda, que a empresa está desenvolvendo estudos de viabilidade de 19 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com capacidade para gerar 438 MW. Os trabalhos devem ser concluídos em 2008. Além disso, pretende elevar a capacidade de outras PCHs do grupo. 'Também estamos fazendo estudos de viabilidade de outras sete hidrelétricas, duas em parceria com a Eletronorte.'

Outra que deve estrear na geração a carvão é a Suez, controladora da Tractebel - a maior geradora privada do País, responsável por 8% da produção.

Segundo o presidente da Suez, Maurício B‰hr, a empresa estuda a construção de uma térmica a carvão no Rio Grande do Sul, chamada Pampa, de 340 MW. A intenção é produzir energia para o sistema brasileiro e também exportar para o Uruguai. O carvão sairia das reservas do Sul. 'Estamos atentos aos projetos hídricos, mas, enquanto eles não aparecem, temos olhado outras soluções.'

Para B‰hr, o importante é continuar elevando a capacidade instalada do País e aproveitar o momento de extrema liquidez internacional, em que todo mundo quer investir. 'O consumo vai aumentar no Brasil. Precisamos nos preparar, precisamos de novos projetos.'

Na CPFL Energia, as atenções estão voltadas para o mercado de PCHs. Com a compra da americana CMS, no mês passado, a empresa vai incorporar ao seu parque gerador 9 pequenas centrais hidrelétricas, com potência de 24,5 MW. Além disso, vai repotencializar as demais PCHs do grupo, num total de 23 unidades, e direcionar a energia para o mercado livre.

O presidente da empresa, Wilson Ferreira Jr., também reclama da falta de novos projetos de hidrelétricas, embora tenha usinas em construção, como Foz do Chapecó (860 MW).

Ferreira Jr. afirma que ainda não tem nenhum projeto termoelétrico na carteira. Primeiro, porque o mercado de gás natural está parado e, segundo, porque não tem experiência na área de usinas a carvão. 'Estudamos alguns casos, mas o retorno não era adequado.'

O aumento da liquidez mundial e os bons retornos das empresas no Brasil também incentivaram a americana Duke Energy a retomar os investimentos no País. Durante alguns anos, após o racionamento, a companhia cogitou várias vezes vender os ativos no País.

Agora, está de volta. 'A Duke está animada para crescer na América Latina. Compramos dois projetos de PCHs há dois meses no Brasil', comenta Mickey J. Peters, presidente da companhia, que também deve iniciar estudos de viabilidade de hidrelétricas.

A intenção é fazer parcerias com grandes companhias e entrar no mercado de termoelétricas, seja a gás natural ou carvão. O caixa do grupo para a América Latina (Brasil, Peru e Argentina) é da ordem de US$ 300 milhões - volume que pode ser ampliado com financiamentos. Se tiver projetos bons, o Brasil poderia ficar com 100% dos recursos, diz Peters. 'Dinheiro não é problema.'

FRASES

António Martins da Costa
Presidente da Energias
do Brasil
"O setor está capitalizado. As empresas só não investem mais porque não há projetos"

"O carvão natural é uma boa alternativa. Tem preço estável e a tecnologia melhorou"

OESP, 21/05/2007, Economia, p. B1

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