VOLTAR

Governador diz que expansão do agronegócio no Pará preocupa

FSP, Entrevista da 2ª , p. A10
Autor: JATENE, Simão
28 de Fev de 2005

Governador diz que expansão do agronegócio no Pará preocupa
Para tucano, é preciso garantir ordenamento agrário; projeto de zoneamento pode reduzir conflitos

Entrevista da 2ª - Simão Jatene

Chico de Gois
Enviado especial a Belém

O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), disse, em entrevista à Folha, que a expansão do agronegócio no Estado deve ser tratada com cuidado. "É um novo momento. Mas isso exige, mais do que nunca, um cuidado especial", afirmou o governador, para quem "a corrida dos anos 70 era mais marcada pelo uso da terra como ativo, e a busca pela terra hoje está mais associada à produção. Então é óbvio que o impacto sobre a natureza é muito maior".

Entre 2001 e 2003, houve uma expansão de 503% no agronegócio no Estado, segundo a Embrapa. A produção de soja passou de 7,3 toneladas para 44,2. Em, área cultivada, passou de 2,9 hectares para 15,5. De acordo com o governador, nestes dois anos de governo ele não emitiu nenhum título de posse para grandes áreas.

Essa expansão do agronegócio no Pará também causa preocupação na Embrapa. No seminário "O agronegócio de grãos no Pará", realizado em Belém em 2003, técnicos alertavam que "com o aumento dos investimentos em infra-estrutura e a conseqüente valorização das terras, é conveniente uma ação energética dos órgãos públicos ligados à proteção ambiental para coibir o avanço sobre áreas protegidas e nichos ecológicos específicos".

Jatene evita admitir eventuais falhas dos governos estadual e federal na morte da missionária Dorothy Stang e disse que "só quem ganha com essa discussão são os bandidos". Ele afirma que "todos que têm pedido proteção policial têm obtido", embora entidades de defesa dos direitos humanos digam o contrário. Atualmente, apenas uma sindicalista ameaçada de morte tem proteção policial no Estado, segundo a Comissão Pastoral da Terra.

Jatene acredita que só a união de forças entre o Estado e o governo federal será capaz de pôr fim aos conflitos e refutou a afirmação de que o Pará é um Estado sem lei. "O Rio de Janeiro é um Estado sem lei?", questiona, lembrando das guerras entre traficantes. Para o governador, o macrozoneamento ecológico econômico, que irá disciplinar e classificar o uso das terras, é o instrumento capaz de reduzir a violência no Estado.

Folha - De quem é a culpa pela morte da missionária Dorothy Stang?

Simão Jatene - Sempre que acontece um episódio desses somos levados a fazer essa pergunta. Acho que não raramente isso tem permitido que as causas tenham ficado com espaços secundários na discussão e, como as causas não são atacadas, os casos se repetem. Só quem ganha com essa discussão são os bandidos. O Estado brasileiro não respondeu a algumas questões, entre elas a agrária.

Folha - O ente Estado só age quando é provocado?

Jatene - Não. Qualquer esfera isolada de governo não tem a possibilidade de enfrentar com sucesso um processo de ocupação marcado por desvios que se reproduzem e se cristalizam através do tempo. Estamos investindo em segurança. No ano passado, gastamos 12% do Orçamento com a segurança.

Folha - Onde foi gasto esse dinheiro?

Jatene - Em compra de equipamentos, armas e munições e formação de policiais. Cobra-se muito a presença do Estado policial, mas precisamos começar a discutir a presença do Estado social nestas áreas. Daí temos discutido o que chamamos de consolidar a fronteira aberta [onde já há ocupação].

Folha - As entidades em defesa dos direitos humanos cobram uma ação do Estado na proteção das pessoas ameaçadas. Por que não havia proteção e qual o trabalho do Estado em defesa dessas pessoas?

Jatene - Existe um programa, o Provita, mas normalmente os programas de proteção, para ter um pouco mais de eficiência, têm de retirar as pessoas do local. Mas a motivação da vida dessas pessoas é justamente a atuação naquele local.

Folha - Mas o governo do Estado não pode colocar policiais para garantir a segurança das pessoas?

Jatene - Por melhor que seja qualquer esquema de proteção pessoal, numa área de conflito ele é sempre limitado. Normalmente as pessoas ficam extremamente desconfortáveis e incomodadas com a proteção pessoal.

Folha - O governo ofereceu proteção para as pessoas ameaçadas?

Jatene - Todos os que têm pedido têm tido esse tipo de proteção.

Folha - Mas pelos dados da Comissão Pastoral da Terra, só uma pessoa tem proteção, e de apenas um policial.

Jatene - Estou acabando de lhe dizer isso. Isso é o tipo da coisa que é uma armadilha, porque quando se coloca isso costuma-se dizer que a culpada é a própria vítima. Não é. O que precisamos é de uma ação concreta para reduzir os bolsões de violência. E isso também não é uma característica do Pará. Há também no Pontal do Paranapanema, na zona da mata, nos morros do Rio.

Folha - O sr. acha que o Exército resolve a questão?

Jatene - O Exército tem um papel inibidor por causa de sua presença. Mas isso não é missão do Exército.

Folha - O governo federal criou cinco unidades de conservação no Pará. O sr. acha que essa ação ajuda?

Jatene - Acho que, na hora em que há uma sinalização clara para a sociedade do que se vai fazer, mais facilmente você ganha aliados para seu projeto, e o zoneamento vem nessa direção. Essas áreas às quais você se refere foram objeto de discussão com o pessoal do Estado para compatibilizar com o macrozoneamento que o Estado está propondo.

Folha - O macrozoneamento pode ampliar o agronegócio?

Jatene - Pode disciplinar. O que precisamos tomar cuidado é que, se não consolidarmos as áreas abertas, permitindo a fixação da população nesses espaços, as pessoas vão continuar avançando sobre a floresta. A minha avaliação hoje é que é preferível asfaltar a Transamazônica e disciplinar porque assim todos os atores sociais poderão chegar até o local.

Folha - O macrozoneamento não é também um atestado de regularização do que até hoje é irregular?

Jatene - Não acho. O macrozoneamento não vem legitimar o que está errado, mas ordenar a ocupação.

Folha - Enquanto o macrozoneamento não é aprovado, qual será a ação do Estado na área de conflito?

Jatene - A ação policial precisa permanecer e temos de fazer uma operação de desarmamento.

Folha - Mas a campanha de desarmamento ocorre não é de hoje e o Pará foi um dos Estados que menos contribuiu. Não é correr atrás do prejuízo, novamente?

Jatene -Não é pelo fato de já ter acontecido que não se vai fazer o que é necessário. Aparentemente, cresce a consciência de que só uma ação conjunta permite que se avance nesta questão.

Folha - Como o sr. vê a afirmação de que o Pará é um Estado sem lei?

Jatene - Posso dizer: o Rio é um Estado sem lei? São Paulo, por causa do Pontal, é um Estado sem lei? Agora, por que aqui o conflito agrário é mais evidente? Porque aqui está a fronteira aberta. Morre mais gente aqui do que na favela do Rio? Provavelmente não.

Folha - Em conflitos agrários, sim.

Jatene - Mas não pode ser diferente. Aqui não tem conflito urbano. Este país é muito diferente e as pessoas precisam evitar as armadilhas das simplificações.

Folha - Aqui no Pará, a agroindústria está crescendo muito. Como o governo tem tratado essa questão?

Jatene - É um novo momento. Mas isso exige, mais do que nunca, um cuidado especial. A corrida dos anos 70 vinha mais marcada pelo uso da terra como ativo. A busca pela terra hoje está associada à produção. Então é óbvio que o impacto sobre a natureza é maior, o que reforça a necessidade de ter ordenamento territorial.

Folha - A agroindústria tem um poder político e econômico maior do que os ocupantes da década de 70. Isso não gera uma pressão sobre o governo?

Jatene - Vou dar um dado que, talvez, responda bem à questão. Há dois anos não regularizamos grandes áreas. Não titulo porque preciso de um zoneamento pronto. Como vou titular uma área sem saber se aquilo será de reserva e depois vou ter de atuar?

Folha - Mas, mesmo sem a titulação, as empresas estão chegando, porque de 2001 a 2003 a produção de soja no Estado cresceu.

Jatene - Mas foi sobre terras que já estão abertas. A pecuária começa a se transformar em produção de grãos. Não há nada que, em princípio, seja bom ou ruim. Depende como acontece. Se for plantar grãos na margem esquerda do Amazonas, é um crime. Em determinadas áreas da Terra do Meio também. Pode fazer na região nordeste, que foi aberta nos anos 70 e 80, alguma coisa no sul.

Folha - O macrozoneamento pode reduzir a violência?

Jatene - Tem este objetivo sim, mas não sozinho. Ele pode criar condição objetiva, pelo ordenamento territorial.

Folha - O sr. acha que a irmã Dorothy vai se transformar em um Chico Mendes?

Jatene - É difícil prever. A sociedade tem mecanismos muito próprios para criar seus símbolos. Eu diria que a luta dela é muito importante.

FSP, 28/02/2005, Entrevista da 2ª, p. A10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.