VOLTAR

Garimpo revela tesouro pré-histórico no PA

FSP, Ciência, p. A31
Autor: ANGELO, Claudio
03 de Dez de 2005

Garimpo revela tesouro pré-histórico no PA
Extração de ouro em área indígena leva arqueólogos a oficina de artefatos de pedra dos primeiros amazônicos

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

Um grupo de garimpeiros que extraía ouro dentro de uma reserva indígena no Pará pode ter acidentalmente esbarrado em um dos sítios arqueológicos mais antigos da América. Ali, na semana passada, uma equipe de cientistas dos Estados Unidos e do Brasil identificou um ateliê onde homens amazônicos pré-históricos fabricavam instrumentos de pedra há até 10.500 anos.
A descoberta do sítio, hoje submerso no meio do rio Curuá, afluente do Xingu, é um exemplo de como a atividades predatórias e no mais das vezes ilegais são tão disseminadas na Amazônia que às vezes acabam produzindo benefícios inesperados -ao menos para a ciência. Ela foi feita há dois anos, quando um grupo de garimpeiros dragava o Curuá dentro da área dos índios caiapós, na região sul do Estado.
Segundo a arqueóloga americana Anna Roosevelt, que faz pesquisas na área e chegou ao novo sítio por meio de informações dos próprios garimpeiros, uma ponta de projétil de quartzo de 11 centímetros de comprimento literalmente caiu na mão de um deles durante a dragagem. O objeto foi vendido na cidade de Altamira, mas, de acordo com a pesquisadora da Universidade de Illinois em Chicago, pôde ser localizado posteriormente e entregue aos índios -depois de ter sido fotografado e analisado pela equipe.
"Essa ponta é um dos objetos mais importantes do legado cultural antigo indígena já encontrado na Amazônia", diz Roosevelt. No final de novembro, ela e sua equipe estiveram no local e confirmaram a presença de centenas de lascas de quartzo no meio do entulho da mina. Como não tem autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para escavar no local, no entanto, Roosevelt só registrou as coordenadas do sítio.
Avós dos índios
A pesquisadora americana diz apostar, dada a quantidade de lascas, que o local seja uma antiga oficina de fabricação de pontas de projétil. Se confirmada a suspeita, será a primeira do gênero identificada a céu aberto na Amazônia -possivelmente um local de pesca farta para os primeiros amazônicos. Uma outra "fábrica" semelhante havia sido descoberta também por Roosevelt no abrigo da Pedra Pintada, no município de Monte Alegre (na bacia do rio Tapajós), em 1992.
A Pedra Pintada é um dos sítios mais antigos das Américas, datado em 10.500 anos atrás. A caverna corresponde ao período da chamada ocupação paleoíndia, a mais antiga do continente, e vai de pelo menos 11 mil anos atrás (os arqueólogos ainda debatem a idade da chegada dos primeiros seres humanos à América) até 8.000 anos atrás.
Figura legendária na arqueologia sul-americana e famosa por suas teorias sobre o desenvolvimento de sociedades complexas na bacia amazônica, Roosevelt, 62, disse à Folha que a ponta descoberta pelos garimpeiros no rio Curuá provavelmente data do mesmo período que o abrigo de Monte Alegre. "O estilo e o método de fabricação são semelhantes", afirmou. "Além do mais, não existem pontas de projétil desse tipo em sítios mais recentes."
O arqueólogo Eduardo Góes Neves, do MAE (Museu de Arqueologia e Etnografia) da USP diz que a descoberta pode ser importante. "Pontas bifaciais são raras na Amazônia", afirma. Mas pede cautela na atribuição de idade: "A Anna acha que elas são bem antigas, eu penso que talvez não. No sítio Dona Stella [no Amazonas] nós achamos até agora a única em contexto [ou seja, escavada no local original] na Amazônia e as datas não são tão antigas quanto a Anna sugere".
Hipóteses
Se a americana estiver certa, no entanto, a ponta de cristal do rio Curuá poderá revelar aos cientistas um manancial de informações sobre os paleoíndios. Roosevelt aposta, por exemplo, que os primeiros habitantes da Amazônia fossem muito mais móveis e ocupassem uma área muito maior do que o que se imagina.
"Eles andavam um bocado por aí. Achava-se que áreas rochosas [como a região do Curuá] fossem barreiras aos paleoíndios. Mas os solos da região são muito férteis. A idéia que se fazia dos recursos da floresta [para sustentar populações indígenas] antigamente era muito nebulosa."

FSP, 03/12/2005, Ciência, p. A31

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.