VOLTAR

Galpão com lixo tóxico continua sem solução

OESP, Metrópole, p. C3
23 de Abr de 2010

Galpão com lixo tóxico continua sem solução
Ainda não há prazo para transferir as 1.150 toneladas de rejeitos guardadas no terreno

Clarissa Thomé / Rio

Dezoito anos após a desativação da estatal Nuclemon em São Paulo, começou na semana passada a descontaminação de um terreno radioativo na Avenida Interlagos, zona sul. A área abrigava uma das usinas da empresa, cujas operações jogaram no solo areia com minerais pesados. O objetivo das Indústrias Nucleares do Brasil, substituta da Nuclemon, é limpar e liberar o terreno de 54 mil metros quadrados para "uso irrestrito".
"A classificação de uso irrestrito permite a instalação de qualquer tipo de atividade sem risco algum para a saúde", afirma o coordenador da unidade São Paulo da INB, Valter Mortagua. "E a INB, em princípio, não tem interesse em manter a área."
A descontaminação, no entanto, deixa de fora a parte mais sensível para ambientalistas: o armazenamento de 1.150 toneladas de rejeito radioativo das usinas Santo Amaro (Usan) e Interlagos (Usin) em um galpão instalado do terreno. "A segunda fase para remoção e transferência dos rejeitos ainda está em estudo. Ainda não temos prazo nem local definidos", diz Mortagua.
A areia com minerais pesados que recobre o terreno é proveniente da Usan, que tinha como matéria-prima areia monazítica extraída das praias do norte fluminense. Essa areia passava por um processo químico para obtenção de urânio e tório. O que sobrava dessa areia monazítica era lançado em Interlagos. O material manteve a concentração radioativa em pelo menos cinco pontos do terreno, mas em quantidade que não causaria danos a quem vive ali, segundo a INB. "Essa areia é similar à das praias de Guarapari, no Espírito Santo, e não causa risco à saúde", explica o coordenador.
Sem segurança. Já o diretor do Greenpeace André Amaral diz que não há níveis seguros de radiação. "Eles pegaram a areia monazítica que estava espalhada pelo litoral e concentraram. Ela teve contato maior com o elemento radioativo", afirma.
O físico Antônio Carlos de Freitas, do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (Laramg), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explica que a areia passou por processos para extrair seus componentes radioativos. "Se houvesse algum risco, a população de Guarapari estaria mais suscetível, porque lá a concentração de radiação é ainda maior. Nenhum estudo conseguiu demonstrar isso." Mas Freitas defende que a areia seja retirada de Interlagos. "Há concentração maior do que o normal de areia monazítica."
Vinte homens e dois técnicos de radioproteção (para monitorar os índices de radiação) trabalham desde a sexta-feira passada no terreno. Eles têm a ajuda de uma retroescavadeira, para retirar a areia e separá-la.
De um total de 380 metros cúbicos de terra, a estimativa inicial é que 80 metros cúbicos estejam contaminados. Essa areia será armazenada em tambores metálicos dentro do galpão de 2.200 metros quadrados, que existe no próprio terreno.
Após novos testes, os 300 metros cúbicos restantes serão encaminhados para aterro sanitário ou utilizados para recompor o terreno. O trabalho está previsto para levar um ano. Só então técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) farão a reclassificação da área,.

Para entender

A Nuclemon Mínero-Química era uma das empresas do programa nuclear brasileiro. Fechada em 1992, suas atividades foram absorvidas pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A Usina de Santo Amaro (Usan), uma das unidades da Nuclemon, foi desativada entre 1992 e 1996. A intenção era que os rejeitos da usina - um concentrado de urânio e tório - fossem levados para uma usina em Caldas (MG), no fim dos anos 90. Itamar Franco, então governador de Minas, proibiu o armazenamento de rejeitos radioativos de outros Estados em território mineiro. O material ficou na Usina de Interlagos (Usin), que guarda 1.154 toneladas de terra contaminada em 6.778 tambores. O terreno da Usan foi descontaminado, vendido e hoje abriga prédios.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100423/not_imp541870,0.php

Vizinhos mais novos nem sabiam sobre o risco

Falar em "descontaminação" no bairro Campo Grande, em Interlagos, na zona sul de São Paulo, é sinônimo de alívio para os moradores mais antigos da área, acostumados a viver ao lado do terreno das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), 54 mil metros quadrados rodeado de placas "Perigo: Risco de Radiação".
Para moradores recentes, porém, a contaminação do terreno vizinho é uma surpresa. "Contaminado? Consultei vários corretores e não disseram nada. Se soubesse, pesquisaria mais", afirma o gerente de vendas Thiago Lopes, de 26 anos, que comprou apartamento em junho, em condomínio do lado do terreno."Só espero que limpem direito."
"Já imaginou uma usina nuclear desativada ao lado de sua casa? Dizem que não traz risco, mas uma coisa eu sei: já vai tarde", resumiu o contador Antônio Costa, de 61 anos, morador da Rua João Ferreira de Abreu, próxima ao terreno da INB. "Desde que cheguei aqui, em 1982, falam em desativar e descontaminar. Espero que agora aconteça mesmo", afirma Costa.
Entorno. O perímetro definido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear para verificação de radioatividade no entorno é formado por 25 quarteirões residenciais, com praças, clube comunitário e duas escolas públicas, além de seis grandes indústrias, como a empresa de cosméticos Avon e a sede da montadora Peugeot. A conclusão dos técnicos foi de que o índice é aceitável.
Ainda assim, outra moradora antiga do Campo Grande, a dona de casa Eugênia Araújo de Sá, de 60 anos, diz sentir "algo estranho" quando passa por ali. "Bate uma dúvida. Será que posso ter algum problema? E para as crianças? Melhor que limpem tudo mesmo, de uma vez", disse.
A área, industrial nas décadas de 1960 e 1970, é cada vez mais explorada pelo mercado imobiliário ? somente nos arredores do terreno da INB, há três lançamentos residenciais, com até oito torres cada um. O templo católico Mãe de Deus, cuja construção é coordenada pelo padre Marcelo Rossi, fica em terreno vizinho à área contaminada. / Vitor Hugo Brandalise

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100423/not_imp541871,0.php

Greenpeace critica trabalho incompleto

Para o coordenador da Campanha de Nuclear do Greenpeace, André Amaral, o armazenamento de rejeitos radioativos na usina deveria ser provisório. A previsão era de que o terreno estaria limpo em 1994 e o prazo foi prorrogado por mais dois anos. "O galpão atingiu a maioridade, mesmo com ordem para que fosse retirado num prazo de dois anos. O grave é que eles anunciam só agora um trabalho ainda incompleto. A região cresceu, há mais pessoas morando em volta. Hoje o risco de contaminação, em um vazamento, é maior."
Segundo ele, os danos da contaminação radioativa nas pessoas são irreversíveis e difíceis de quantificar. "A vítima pode não sofrer consequências como câncer imediatamente, mas seu filho ou neto podem desenvolver essa doença, nascer com malformação. Fica para sempre."
Valter Mortagua, da INB, afirma que há monitoramento do solo, da água subterrânea e da radiação na propriedade, com fiscalização do Estado e da Comissão Nacional de Energia Nuclear. "É areia. Ou seja, não se dissolve na água e, portanto, não poderia contaminar o lençol freático."
O vereador Ítalo Cardoso (PT) diz que vai questionar a INB sobre a intenção de manter no galpão a areia radioativa. "Eles querem transformar o galpão em solução definitiva."/ C.T.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100423/not_imp541872,0.php

OESP, 23/04/2010, Metrópole, p. C3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.