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Funai sem cacique

Correio Braziliense-Brasília-DF
17 de Ago de 2003

Em descompasso com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, presidente da Funai deixa o governo. Índios comemoram a saída de Eduardo Almeida e cobram do presidente Lula a indicação de um deles para o cargo
Entra governo, sai governo e continua a dança das cadeiras da Fundação Nacional do Índio (Funai). Parece que o cargo de presidente da instituição vem com prazo de validade: seis meses, em média. Nos últimos três anos, o cargo foi ocupado por seis dirigentes. O último a deixar o posto foi o jornalista e indigenista Eduardo Aguiar de Almeida, exonerado ontem por pressão do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. A explicação oficial foi de que os dois ''não trabalhavam bem juntos''. O nome do próximo ''cacique" da fundação deve ser conhecido na próxima semana.
O troca-troca da Funai é um reflexo da fragilidade das políticas indigenistas no país. A entidade trabalha, hoje, com um orçamento de R$ 110 milhões. No ano que vem, está prevista a redução para R$ 90 milhões. Das 772 áreas indígenas do país, mais da metade foi invadida. O assassinato das lideranças de várias tribos dobrou no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. São 18 assassinatos, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Onze deles ligados ao conflito pela demarcação de terras.
Durante a campanha, Lula prometeu reverter o quadro criando o Conselho Superior de Políticas Indigenistas - que definiria os rumos do setor. Passados sete meses da posse, não há sinal de que a idéia vá sair do papel. ''Se as coisas continuarem como estão, ninguém vai parar na Funai'', lamenta Eden Magalhães, secretário-executivo do Cimi. A opinião é compartilhada pelos índios.
O grupo, aliás, não lamentou a saída de Eduardo - candidato indicado por organizações não-governamentais ligadas ao meio ambiente. ''Se depender da gente, o próximo da Funai será índio. O Lula colocou mulheres, negros e sem-terra no poder. Por que não um de nós?'', questiona Sebastião Terena, da direção do Comitê Indígena do Pantanal. Legalmente, não há nenhum empecilho para isso pois os índios não estão mais sob a tutela jurídica dos estados.
Seis presidentes em três anos
Carlos Frederico Marês, advogado De novembro de 1999 a abril de 2000
Roque Barros Glênio Alvarez, historiador Entre abril e maio de 2000
Glênio Alvarez, geólogo De maio de 2000 a junho de 2002
Otacílio Antunes Filho, funcionário da Funai De junho a julho de 2002
Artur Nobre Medes, antropólogo Entre agosto de 2002 e janeiro de 2003
Eduardo Aguiar de Almeida, jornalista Entre fevereiro e agosto de 2003
Saída era esperada
O anúncio da exoneração de Eduardo Almeida era aguardado desde o início da semana. Ainda na segunda, ele colocou o cargo à disposição, em uma carta entregue ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. No texto, o jornalista fez questão de frisar que a decisão não era espontânea. Ele contou estar sendo pressionado a deixar a presidência pelo governo desde o início do mês. O ultimato, segundo ele, teria partido do próprio ministro da Justiça, no último dia 7. Antes de ser exonerado, Almeida afirmou ser vítima do lobby dos mineradores, garimpeiros e empresários da soja. Também acusou os senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Romero Jucá (PMDB-RR) de pedir sua cabeça. Jucá - que presidiu o órgão entre 1984 e 1986 - negou qualquer participação no caso. ''Ele é incompetente e quer arrumar desculpa para isso'', provocou o parlamentar.
Memória
Histórico de equívocos
A Funai nasceu cheia de problemas. Quando criada, em 1967, ainda vigorava no país uma visão preconceituosa em relação aos índios. A missão da entidade era de mudar essa visão equivocada. Para fazer isso, seria preciso tornar os índios cada vez mais brancos. Uma atitude de desrespeito à diversidade cultural entre povos. Além disso, os indígenas eram tratados como pessoas incapazes de cuidar de si. Tanto, que a constituição da época colocou o grupo sob a tutela do Estado. Eles não podiam ser processados criminalmente. Tampouco tinham autonomia para cuidar dos próprios interesses e das terras onde moravam.
O grupo só deixou de ser subestimado legalmente após a Constituição de 1988. Desde então, a Funai passou por várias reestruturações. Mas a falta de uma política indigenista atrapalha o funcionamento do órgão. Outros problemas são a escassez de recursos e os lobbies contrários às demarcações de terras indígenas. Tudo isso dificulta a gestão da fundação. O campeão de ''longevidade'' foi o geólogo Glênio Alvarez, que passou dois anos e um mês à frente da Funai. Ele foi exonerado de surpresa, em 2002, dois dias após o projeto de lei de mineração de terras indígenas ser retirado da pauta da Congresso. Glênio tinha se manifestado contra a proposição, de autoria do senador Romero Jucá. O político - que presidiu a Funai por dois anos, na década de 80 - também é apontado como um dos pivôs da exoneração de ontem.

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