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A fronteira final

Veja, Amazonia
20 de Out de 2004

Amazônia
A fronteira final
A primeira expedição científica ao Parque do Tumucumaque encontra uma das áreas de maior biodiversidade do planeta
Gabriela Carelli
O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Estado do Amapá, uma reserva natural tombada em 2002, é considerado um dos maiores santuários ecológicos do planeta. A maior parte de seus 3,8 milhões de hectares, área equivalente à do Estado do Rio de Janeiro, permanece incólume à presença do homem por causa do acesso difícil. Para chegar lá, só navegando pelo turbulento Rio Amapari até a entrada sul da reserva ou pulando de um helicóptero e enfrentando a mata densa. Há um mês, um grupo de 24 pesquisadores aceitou o desafio de desbravar um trecho da reserva. Com 2 toneladas de suprimentos divididas em seis canoas de madeira, a equipe percorreu 140 quilômetros de águas cheias de corredeiras. Por várias vezes, os integrantes do grupo tiveram de descer dos barcos e arrastá-los pelas pedras por causa de troncos que impediam a passagem. Depois de dois dias de viagem, eles desembarcaram na região sul do parque. Foi um feito inédito. Até então, nenhuma expedição científica havia chegado ao local.
A empreitada durou dezoito dias e foi a primeira de uma série de cinco expedições programadas pelo grupo a Tumucumaque. O objetivo dos exploradores, cientistas do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) e da ONG Conservação Internacional, é coletar e catalogar o maior número possível de animais e plantas da região. A expectativa é que se comprove a tese de que se trata da área com a maior biodiversidade do planeta. "É bem possível que a exploração de Tumucumaque revele muitas novas espécies", diz o ecólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Isso pode ocorrer não apenas por causa do tamanho do território mas também pela quantidade de ecossistemas que ele abriga. "Há mais de uma dezena de habitats diferentes na área, que vão desde montanhas a florestas inundadas. Isso aumenta muito as chances de encontrar novas espécies", explica Fearnside.
Até agora, a região mais rica em biodiversidade que se conhece é o Alto Juruá, no Acre, área menos diversificada em termos de relevos e habitats do que Tumucumaque. No Alto Juruá foram encontradas 616 espécies de aves, cinqüenta de répteis, 300 de aranhas, 140 de sapos e 1.620 tipos de borboletas. Os resultados da primeira expedição indicam que Tumucumaque pode ter uma quantidade ainda maior de espécies. "Em dez dias de coletas num raio de 3 quilômetros, achamos 25 espécies de lagartos, uma quantidade notável mesmo para os padrões amazônicos", diz o biólogo Enrico Bernard, coordenador de projetos da Amazônia da Conservação Internacional e chefe das expedições. Também foram identificados 150 tipos de aves, 29 de morcegos e 35 de mamíferos. Neste último grupo, destacou-se um tipo de veado nunca visto na Amazônia. "Há muitas chances de termos encontrado espécies novas de morcegos e de répteis, mas só podemos afirmá-lo após estudos em laboratório e consultas à literatura científica", diz Bernard.
Desbravar a mata virgem, como em Tumucumaque, é uma aventura e tanto. Na primeira noite de acampamento, um dos integrantes do grupo descobriu uma onça dentro de uma árvore próxima. Na hora do banho, numa cachoeira, surgiram cobras venenosas. Nos primeiros três dias, todo o grupo se muniu de facões e motosserras para abrir trilhas e instalar as 350 armadilhas destinadas a coletar os animais. A jornada diária de trabalho girava em torno de quinze horas. "Guardadas as proporções, estamos fazendo um trabalho semelhante ao dos naturalistas dos séculos passados, só que com mais recursos e tecnologia para encontrar as espécies", diz Bernard.

Veja, 20/10/2004, p. 140-141

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