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A fronteira do sucesso

Isto É, Brasil, p. 40-43
12 de Out de 2005

A fronteira do sucesso
Disposto a reconstruir Roraima, Ottomar Pinto investe no social e em infra-estrutura

Ana Carvalho- Boa Vista (RR)

Depois da passagem de uma nuvem de gafanhotos que devastou Roraima, a terra de Macunaíma, é chegada a hora da reconstrução. Um desafio que cabe ao brigadeiro Ottomar de Souza Pinto (PSDB), 74 anos, que assumiu o Estado em novembro do ano passado. Governar Roraima não é novidade para o militar que já esteve à frente do Executivo estadual em duas outras oportunidades. Em 1979, quando nomeado para comandar o então território, e em 1989, quando tornou-se o primeiro governador eleito.
No dia 10 de novembro do ano passado, o pernambucano de Petrolina assumiu pela terceira vez o comando do que ele chama de "fronteira do sucesso", graças à vocação agrícola de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela, com a Guiana e com o Amazonas e o Pará. Bom de briga, Ottomar decidiu entrar na Justiça para que 4,2 milhões de hectares - o que equivale a três Sergipes - passem do Incra para as mãos do Estado, como determina a Constituição, a fim de que o modelo agroindustrial planejado seja, de fato, desenvolvido.
O secretário de Planejamento, Haroldo Amora dos Santos, explica que com a questão fundiária resolvida será possível usufruir dos R$ 120 milhões do FNO, um fundo de fomentos ligados ao Banco da Amazônia. "Sem titularidade não há terra. Sem terra não há garantia, sem garantia não há empréstimo e conseqüentemente investimento para aumento de produção e geração de riquezas", explica. Haroldo ressalta que 93% das terras do Estado - 22 milhões de hectares - pertencem ao Ibama, ao Exército, ao Incra e às reservas indígenas.
Dívidas - Mas os problemas, que são muitos, não abalam a determinação do brigadeiro e menos ainda a sua popularidade, conforme demonstra a pesquisa ISTOÉ/Databrain, realizada entre os dias 21e 23 de setembro com 1.112 eleitores. Para os entrevistados (somados excelente, bom e regular positivo), tanto a atuação do governo como o desempenho do governador chegam a 67%. Ottomar, segundo colocado nas eleições, assumiu a chefia do Executivo há 11 meses, no lugar do então governador Flamarion Portela e seu vice Salomão Cruz, cassados pelo TSE por abuso do poder econômico nas eleições de 2002. O brigadeiro conta que herdou uma dívida de R$ 400 milhões, uma estrutura viária destruída, sem contar com as áreas de saúde e educação abandonadas. E são esses os setores prioritários. Com o estio, que começou este mês, já pôs as poucas máquinas em funcionamento para tirar do atoleiro os mais de três mil quilômetros de estradas vicinais. Elas são vitais para atender não só aos grandes produtores, mas principalmente aos agricultores familiares.
A área da saúde, menina-dos-olhos de Ottomar, tem recebido atenção especial. O coeficiente de mortalidade geral por dez mil habitantes é de 46,03. Já o infantil é de 16,1 por dez mil nascidos vivos. Para aplacar os números, foram reformados o Hospital Geral, a Unidade de Tratamento Intensivo e o centro cirúrgico. O governo adquiriu equipamentos automatizados para o laboratório de análises clínicas, que realiza, em média, 28 mil exames por mês. Na Maternidade Nossa Senhora de Nazaré, a única do Estado com capacidade de atendimento para bebês prematuros, foram incrementados a UTI neonatal e o berçário, e construído um banco de leite.
Nos mais de dez leitos, todos lotados, está o pequeno Alquimã, nascido em 30 de agosto na Serra do Sol, aldeia Ingaricó, que fica próxima ao monte Roraima. No colo da mãe, Manon, 19 anos, ele é tratado para adquirir peso e sair da área de risco. Manon (que significa vem cá menina) olha desconfiada, mas ao ver sua foto no visor da câmera digital sorri e conta que foi transferida às pressas porque Alquimã, seu segundo filho, "nasceu antes da lua certa". Mas o que lhe conforta é que o sol da serra dos ingaricós não deixou de brilhar para o caçula da sobrinha do pajé da tribo. O governo quer implementar um novo modelo de gestão para tirar a saúde de Roraima da UTI. Apesar dos atritos gerados com a terceirização, Ottomar está determinado a contratar a empresa Pró-Saúde, que administra a rede São Camilo, em São Paulo, para compartilhar a administração do setor. Na educação, ele turbinou a merenda escolar, melhorou a qualidade do material, principalmente dos livros didáticos, e passou a distribuir uniformes e tênis para os estudantes da rede.
O que pode transformar Roraima num grande pólo exportador de grãos, capaz de impulsionar o Estado, que comemorou 17 anos na quarta-feira 5, são as terras. Nas proximidades de Boa Vista encontram-se os grandes plantadores de soja. Eles conseguem obter safras maiores e melhores do que as registradas em Mato Grosso e no Sul do País. Daniel Gianluppi, presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa, ressalta que a ponta-de-lança para começar o desenvolvimento e a industrialização é o agronegócio. "O governo federal vai completar a rodovia até o porto de Georgetown, na Guiana. Estaremos a 400 quilômetros dele e dez horas mais perto do comércio internacional do que o Sul do País", aposta.
Quanto ao arroz irrigado, avaliado por Gianluppi como um dos melhores do País, o problema se torna maior por envolver as terras indígenas, como a reserva São Marcos e a Raposa Serra do Sol, homologada em abril pelo governo Lula. Nessas regiões é possível colher 6,5 toneladas por hectare. Dos 25 mil hectares de fazendas de arroz em Roraima, 17 mil estão em áreas indígenas. "E agora, com a homologação, os fazendeiros terão que deixar suas terras e a produção cairá. O problema dessa crise não é o índio. A prova disso foi a lavoura em parceria que eles fizeram com os arrozeiros na reserva São Marcos, na maloca do Contão, habitada por macuxis, taurepang e wapixanas. Ignorando as recomendações da Funai, eles emprestaram as terras e receberam dinheiro como parte do lucro da safra de 40 mil sacas", lembra Gianluppi.
Ilegal - Essa é mais uma briga comprada pelo brigadeiro com Brasília. Ele, além de criar um dia de luto pela homologação da Raposa Serra do Sol, contesta a forma como o processo foi feito. Ao disparar contra a Funai, afirmou que o presidente Lula foi enganado e "não soube de tudo que ocorreu no processo de demarcação, que excluiu os fazendeiros. A Funai usou métodos ilegais e cometeu um estelionato ideológico", disparou. A reação de Ottomar agradou aos entrevistados, conforme mensurou o instituto Databrain em seu estudo: 70,1% apoiaram sua posição, contra 20,3% e 9,6% que não souberam responder à pergunta. O céu, quando o assunto é Raposa Serra do Sol, não é de brigadeiro, mas Ottomar assegura que não desistirá de tentar alterar o decreto a fim de livrar as áreas produtivas que, para ele, integram o desenvolvimento de Roraima.

Isto É, 12/10/2005, Brasil, p. 40-43

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