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Fraudador de carbono engana índios isolados

O Eco Amazônia - http://www.oecoamazonia.com
Autor: Patrick Bodenham
30 de Mai de 2011

A Amazônia está na linha de frente da indústria de compensações, onde o preço do carbono sequestrado de árvores vem tornando até as florestas mais isoladas uma commodity de valor. Os caçadores de carbono estão visando países tropicais de menor desenvolvimento que possuem em suas florestas vastas quantidades de carbono.

Ao adquirir florestas, esses caçadores podem vender créditos de carbono para países desenvolvidos para compensar suas próprias emissões. Uma consequência inevitável do novo dinheiro que se encontra nas profundezas das florestas é que alguns desses caçadores procurarão tirar vantagem das leis locais insipientes para obtê-lo.

David John Nilsson, o mais recente dos assim chamados "cowboys do carbono", chegou ao Peru em 2010. Nilsson abordou o grupo indígena remoto dos Matsés, que vive na fronteira entre o Peru e o Brasil em regime de subsistência e ainda caçando com arco e flecha. Nilsson ofereceu à uma liderança indígena enormes somas de dinheiro em troca da titularidade legal de seus 420 mil hectares de floresta tropical conservada. Os Matsés ficaram divididos, discordando entre si sobre a proposta de Nilsson, que continuou subornando vários líderes comunitários para conseguir seu apoio e assinar um contrato radicalmente debilitante.

As organizações locais AIDESEP (Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana) e COICA (Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica) clamam pela expulsão de Nilsson do país. As agências governamentais do Peru - incapazes de intervir sob a legislação peruana atual - estão desesperadamente tentando reeducar os índios sobre as implicações de tal acordo.

Mesmo em 2007 já havia alertas de que a controversa indústria dos créditos de carbono poderia sofrer o risco de ser desacreditada por operadores inescrupulosos como Nilsson. Um movimento na Inglaterra no mesmo ano tentou montar um sistema de veto que pudesse criar uma 'marca de qualidade' facilmente identificável que provasse às empresas que suas compensações estavam realmente fazendo a diferença e não causando mais danos. Um membro do governo falando ao jornal The Guardian, no entanto, disse que a indústria era 'como o Velho Oeste - cheio de cowboys.'

Alguns países como a Inglaterra desenvolveram desde então seus próprios sistemas para identificar e processar empresas falsas de comércio de carbono. Mas a legislação nos países onde os créditos de carbono são gerados custa para se manter em pé de igualdade com a demanda.

O primeiro cowboy de carbono do Peru

Em 15 de abril, Nilsson marcou o encontro com a liderança dos Matsés, equipado até com uma apresentação em power point, sobre os meandros da indústria de carbono. Ele apresentou um contrato escrito em inglês, explicando a idéia somo se fosse um projeto de desenvolvimento comunitário onde os Matsés começariam a assumir a responsabilidade pelo capital de suas próprias terras quando o dinheiro começasse a entrar.

Nilsson, no entanto, não possui experiência alguma no desenvolvimento de projetos de carbono, ou mesmo de conservação de florestas. O que ele tem é uma longa ficha onde constam outras trapaças e fuga de seu país natal, a Austrália. Desde que o caso chamou a atenção da AIDESEP, estes juntaram uma quantidade impressionante de provas de suas operações fraudulentas anteriores na Austrália, Nauru, Fiji, Malásia, Filipinas, e Hong Kong.

Um Registro Parlamentar de Queensland de 14 de novembro de 1996 o coloca diante do juiz por fraudar o povo de Nauru, a menor ilha-estado do mundo, em mais de 1 milhão de dólares. Leo Keke, ex-ministro da Justiça na ilha, disse em uma declaração como "ele chegou à ilha armado com sofisticados documentos de titularidade de terras de propriedade de uma empresa... da qual ele [era] o maior ou o único proprietário."

Nilsson conduziu um workshop em Nauru sobre o investimento e como estrangeiros poderiam contornar os requisitos australianos comprando terras na Austrália. "Ele foi muito persuasivo e manipulativo com sua conivência e conluio", disse Keke numa declaração que ele pretende enviar à Interpol, recomendando a prisão de Nilsson por aplicar golpes fraudulentos nas pessoas.

Desde aquela reunião no Peru, os membros da comunidade preocupados com o contrato levaram o caso à Defensoria Pública do país. Daniel Jiménez Huamán, um representante Matsés que se opõe ao contrato contou a um jornal local como Nilsson disse que repartiria 50% dos lucros, afirmando que eles ganhariam "bilhões de dólares" por permitir que ele vendesse certificados de carbono em seu nome.

A empresa de Nilsson - a Carbon Sustainable Resources Limited - possui um endereço em Hong Kong e um site que no momento está "em construção." No entanto, não há escritório. Em vez disso, ele tem um contrato de "escritório virtual" com um empregado de call center que recebe as mensagens por ele. Até o final da edição desta reportagem, não foi possível contatá-lo para comentar o assunto.

"Caso Nilsson consiga que eles assinem o contrato e obtenha uma procuração para a floresta [dos Matsés] e para o carbono, não tenho dúvida que será desastroso para o povo Matsés", disse outro ex-parceiro de Nilsson, que não quis se identificar. "É a própria sobrevivência de uma cultura indígena única que está em jogo."

Um truque velho em um baralho novo

Enganar povos indígenas para assinar contratos destrutivos é um dos truques mais velhos que existem, diz o porta-voz da AIDESEP, Edson Rosales. Porém, esse esquema tem uma diferença significativa: é a primeira vez no Peru que alguém aparece sob o disfarce de dar apoio contra as mudanças climáticas.

As vendas de carbono já foram aplicadas em vastas regiões da Amazônia, conforme explica Rosales. "Na prática, o novo sistema de comércio terá o mesmo impacto nos povos indígenas como foi a era do auge da borracha", diz Rosales, referindo-se à época quando os indígenas da Amazônia foram sujeitados à condições de escravidão, trabalhando até 22 horas por dia nas plantações de seringueira. "Acho que isto vai pelo mesmo caminho - medidas ambientais e venda de carbono são as palavrinhas da moda dos tempos modernos, comparáveis ao petróleo e à borracha - sempre afetando os povos indígenas adversamente."

Um histórico de abusos similares em outras indústrias como a da mineração, a florestal e a de hidrocarbonetos significam que esses setores estão agora regulamentados dentro de um apertado cerco de supervisão estatal. Esta é a primeira vez no Peru que esse tipo de empresa penetra em terras indígenas com o disfarce de direitos de carbono ou estoques de oxigênio, como explica Rosales.

Para operar em território indígena em outros setores, as empresas precisam da anuência prévia da comunidade, que por sua vez deve passar pelas autoridades estatais. "A questão dos créditos de carbono é muito nova no Peru", explica Alicia Abanto, que chefia o programa para povos indígenas na Defensoria Pública. "Até o momento, sobre esta questão não possuímos qualquer estrutura de regulamentação. Como também não existe tal estrutura para uma supervisão fiscal."

Assim sendo, sob a atual lei peruana, a única obrigação de Nilsson é de obter dois terços do apoio entre as lideranças da comunidade dos Matsés para dar legitimidade à assinatura de um documento com força de lei que poderá dar à sua empresa poder total como procurador sobre 420 mil hectares de florestas conservadas e estoques de carbono, bem como sobre a vida cultural e intelectual do povo Matsés.

Mais perturbador ainda é a ausência no Peru de qualquer tipo de estratégia política para proteger os povos indígenas. Uma reportagem recente de Maria Emilia Coelho, aqui para OEcoAmazonia, explica como somente o Brasil e o Equador dão assistência oficial aos grupos isolados. A incapacidade do estado peruano de controlar as atividades madeireiras na Amazônia, juntamente com uma ausência de entidades governamentais para implementar as políticas públicas, com um orçamento atribuído e uma legislação, faz com que seus povos indígenas estejam entre os mais vulneráveis em toda a Amazônia.

Supõe-se que os que devem se beneficiar desses novos mercados sejam as comunidades indígenas, já que são os que irão conservar a floresta, explica Rosales. "Mas em nenhum momento foi dito que eles na verdade vem em terceiro lugar. No meio, o dinheiro troca de mãos, mas nenhum chega até eles. Este é o verdadeiro perigo no presente momento."

http://www.oecoamazonia.com/br/reportagens/peru/226-fraudador-de-carbon…

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