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Fim dos lixões não pode esperar

Valor Econômico, Opinião, p. A12
Autor: BARRETO JUNIOR, Luis Fernando Cabral
26 de Ago de 2015

Fim dos lixões não pode esperar
Sociedade corre grande risco de arcar com os prejuízos devido à falta de comprometimento de seus gestores

Fernando Lopes

Na contramão de tudo que vem sendo discutido nos últimos anos sobre uma solução adequada e sustentável para a destinação dos resíduos sólidos, o Senado aprovou recentemente a prorrogação do prazo para a implantação da disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos, que teria como conseqüência mais visível o fechamento dos lixões a céu aberto. É um duro golpe contra a sociedade, que terá de continuar a lidar com a poluição decorrente da destinação de resíduos sólidos sem tratamento, o desperdício de recursos de valor econômico e a exclusão social dos catadores, além da manutenção dos danos ambientais ao solo, ao ar e aos recursos hídricos em tempos de sua escassez.
Na proposta aprovada pelo Senado, que segue para votação da Câmara dos Deputados com requerimento de regime de urgência, os novos prazos para as cidades desativarem os lixões e passarem a destinar seus resíduos em aterros sanitários serão escalonados e seguem um critério de número de habitantes. Para as cidades que têm menos de 50 mil habitantes, o que é a maioria no país, o prazo é o mais longo, com encerramento em 31 de julho de 2021.
Se a lei que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos estivesse sendo cumprida, o fim dos lixões deveria ter ocorrido em agosto de 2014. O não cumprimento do prazo por parte dos gestores públicos gera não só um grande atraso no fechamento nos lixões como também compromete a implementação adequada da coleta seletiva e a ampliação da reciclagem dos resíduos nas cidades brasileiras, além da capacitação dos catadores. Uma política de resíduos sólidos responsável não se resume a um aterro sanitário.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS), em 2013 o país ainda tinha 1.196 lixões e apenas 652 aterros sanitários. Apesar do descarte de resíduos em lixões ser crime ambiental desde 1998, e ser proibido expressamente desde 1979, a maioria das cidades destina inadequadamente seus resíduos para esses locais, ocasionando graves danos ao meio ambiente, riscos à saúde pública, exclusão social e até riscos de acidentes para a aviação civil, como prevê a lei no 2.725/2012. Não falta legislação reconhecendo o quão nocivos à sociedade são os lixões.
Os dados de agosto de 2014 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovam o impacto e a negligência das cidades sobre essa questão. Das 5.564 cidades brasileiras, 2.507 ainda destinam o lixo coletado aos lixões (45%), 815 cidades enviam para aterros controlados, que são lixões reformados (14,6%) e 2.243 enviam para aterros sanitários (40,4%). O mesmo Ipea já demonstrou em outras oportunidades que enterramos como lixo bens que poderiam ser reciclados e gerar emprego e renda, num país que não pode desperdiçar recursos, principalmente em tempos de crise.
A prorrogação do prazo para o fechamento dos lixões é uma reivindicação dos prefeitos que alegam não ter recursos financeiros disponíveis e nem quadros técnicos e gerenciais qualificados para conduzirem essas mudanças, quando, na realidade, segundo consta do "Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil", edição 2014, em média as prefeituras do país investiram somente R$ 9,98 por habitante na gestão dos resíduos sólidos urbanos1.
Entretanto, caso os deputados votem em favor dessa prorrogação do prazo, nada garante que esses gestores atuarão nesse intervalo em busca de investimentos para capacitação técnica de suas equipes e nem em melhorias para programas de educação ambiental e coletas seletivas, além de construção de aterros. A prorrogação dos prazos não elenca pressupostos e nem condições para ser concedida. Desestimula quem se esforçou e premia quem nada fez, assemelhando-se a uma anistia daquelas que a sociedade depois clama por rever.
Mais uma vez, a sociedade brasileira corre grande risco de arcar com os prejuízos devido à falta de comprometimento de alguns de seus gestores que já tiveram quatro anos para acabar com os lixões, mas que não colocaram o tema como uma prioridade em seus mandatos.
Especialistas em gestão de resíduos e ativistas do meio ambiente defendem o cumprimento do prazo que já está em atraso desde o ano passado e as sanções previstas em lei, além de ajustes viáveis que proporcionem uma política nacional de resíduos sólidos socialmente justa, economicamente viável e que preserve o meio ambiente.
O Ministério Público de Meio Ambiente não retrocederá em seus esforços para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, seja com estratégias sancionatórias ou conciliatórias.
Continuaremos a buscar o diálogo e a sensibilização do Congresso Nacional, de quem se espera a atitude democrática de ouvir todos os interessados, especialmente os catadores de resíduos, os geradores de resíduos e a sociedade em geral, antes de aprovar uma prorrogação que, na forma proposta, lança a um futuro distante a perspectiva devermos os resíduos sólidos tratados como oportunidade de preservação de recursos naturais e geração de emprego - e não com o quadro dantesco de seres humanos morrendo em busca de resíduos para aplacarem sua fome.

1- (httv://www.abrelve.ora.br/vanorama avresentacao.cfm).

Luis Fernando Cabral Barreto Junior é promotor de Justiça e presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa).

Valor Econômico, 26/08/2015, Opinião, p. A12

http://www.valor.com.br/opiniao/4195998/fim-dos-lixoes-nao-pode-esperar

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