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Feliz 2030!

O Globo, Opinião, p. 13
Autor: MOUTINHO, Paulo
11 de Jan de 2016

Feliz 2030!
Há espaço para compensar quem escolhe preservar floresta

Paulo Moutinho

A 21ª Conferência da ONU Sobre Mudanças Climáticas, a COP-21, se encerrou em dezembro em Paris com um acordo histórico. Os 195 países membros da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima se comprometeram com reduções de emissões de gases de efeito estufa, de forma que o aquecimento médio do planeta convirja para 1,5 grau até 2100.
Contudo, o que foi prometido pelos países até agora aponta, no mínimo, para um aumento de temperatura de quase três graus. Algo que coloca o clima global numa zona perigosa. Fazê-lo funcionar depende de todos serem ainda mais ambiciosos nos próximos anos.
Isso vale para o Brasil. Nós prometemos que vamos reduzir nossas emissões nacionais de gases estufa em 37% abaixo dos níveis registrados em 2005 até o ano de 2025. Podemos diminuir ainda mais as emissões? Considerando um único setor, o de uso da terra e florestas, a resposta é sim.
O Brasil se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, e temos condições de atingir essa meta de olhos vendados. Até porque esse resultado nada mais é do que cumprir a lei, no caso, o Código Florestal.
Podemos parar o desmatamento ilegal bem antes de 2030, se o governo retomar sua política de homologação de terras indígenas, investir em políticas rurais sustentáveis, inclusive para os pequenos produtores, e destinar quase 80 milhões de hectares de florestas públicas, hoje à mercê de grileiros, para uso sustentável ou proteção florestal. Uma ação que certamente reduziria a demanda por terra e, de quebra, a ilegalidade.
Segundo, existem alternativas para reduzir o desmatamento legal. Sem questionar o direito de proprietários rurais de desmatarem dentro da lei, há um crescente espaço para compensar quem escolhe conservar.
Um mecanismo são as Cotas de Reserva Ambiental, previstas no Código Florestal. O proprietário com déficit de reserva legal e, portanto, irregular perante a lei, poderá ser "socorrido" por aqueles que mantêm excedentes de florestas em suas terras, que, em troca, serão compensados financeiramente. O mecanismo de REDD+ (compensação pelo combate ao desmatamento) e incentivos tributários são outra via.
Essas opções podem ser bem mais vantajosas, num futuro próximo, do que derrubar floresta para plantar ou colocar gado. E a razão é muito simples: 2030 já chegou. A destruição da Floresta Amazônica, combinada aos efeitos da mudança climática global, está antecipando em vários anos o cenário de aumento de temperatura.
Na fronteira entre Mato Grosso e Pará, por exemplo, a remoção da vegetação florestal ao redor do Parque Indígena do Xingu já produziu ali um aumento de temperatura de quatro a seis graus entre 2002 e 2010 - e sem o parque a situação seria ainda pior. Aumentos desta magnitude na temperatura podem ter implicações dramáticas para o regime local e regional de chuvas. As secas podem ficar mais intensas e prolongadas.
No final das contas, continuar com o desmatamento, legal ou ilegal, é uma ação suicida tanto para os habitantes deste planeta quanto para a produção agrícola das áreas já desmatadas na Amazônia - e aquelas além de suas fronteiras. Chegar ao desmatamento zero absoluto é decisão não somente ambiental e social, mas em especial de preservação da economia agrícola.

Paulo Moutinho é pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

O Globo, 11/01/2016, Opinião, p. 13

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