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FAO defende reforma agrária contra exclusão

OESP, Nacional, p. A13
21 de Mar de 2004

FAO defende reforma agrária contra exclusão
Boletim da organização também critica excesso de poder de organizações como o MST

ROLDÃO ARRUDA

A questão da reforma agrária voltou a ganhar destaque nos debates das agências internacionais de fomento ao desenvolvimento. A FAO, entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a agricultura e alimentação, está divulgando um boletim com o balanço das experiências nesta área nos últimos 40 anos. Seus articulistas observam que o tema volta a ganhar força diante da persistência das desigualdades no acesso à terra e que a soluções tendem a se tornar mais difíceis, devido às preocupações dos governos com a competitividade de seus produtos no mercado globalizado, limitações orçamentárias impostas pelos planos de estabilidade e elevados níveis de desemprego.
O tema também atrai a atenção da União Européia, onde uma força-tarefa dá os retoques finais em um documento que irá orientar os futuros acordos de cooperação entre os países ricos daquele bloco e os países em desenvolvimento. Na proposta de texto, que circula entre especialistas de diversas partes do mundo, enfatiza-se que o acesso à propriedade rural está fortemente ligado à redução da pobreza, daí o interesse das agências.
Nos documentos predomina a preocupação em apontar as boas lições dadas pelos países que conseguiram avançar mais na reforma agrária, transformando-a num sistema de modernização da agricultura. O texto da FAO cita, entre outros, exemplos do Japão, República da Coréia, China, Filipinas e Vietnã.
Os dois times de especialistas destacam que os processos funcionam melhor quando o país dispõe de leis claras e respeitadas e um sistema judiciário eficiente, acessível a todos e capaz de dar soluções satisfatórias para os conflitos que surgem quando se instala a política de reforma. "Nenhum sistema de acesso à terra funciona sem uma estrutura com poder e autoridade para definir regras e pô-las em vigor, além de garantir o arbítrio em caso de conflito", diz a UE. "A mobilização social, necessária para dar impulso e garantir apoio político às mudanças, tem que ser mantida dentro de limites racionais", confirma a FAO.
Suporte - Os textos destacam que a redistribuição de terras é apenas o passo inicial. O artigo de abertura do boletim da FAO, assinado por seis estudiosos, entre eles Maximiliano Cox, diretor da Divisão de Desenvolvimento Rural, assinala que na América Latina as reformas tendem a ter um impacto inicial positivo, que não persiste, devido à "ausência de serviços de suporte e fatores macroeconômicos desfavoráveis."
O pós-assentamento também funciona melhor quando os serviços de assistência são descentralizados. "Os serviços centralizados em instituições públicas, mostraram-se mais lentos e burocráticos, insuficientes para garantir o suporte financeiro, técnico e organizacional", diz a FAO.
Trata-se de um tema bastante discutido no Brasil, onde se afirma que a centralização da reforma no Incra, sem participação direta de Estados e municípios, segura seu avanço.
Para a FAO, também seria aconselhável incluir mais organizações não-governamentais no trabalho de suporte. Isso não significa ampliar o espaço dos sem-terra. Num artigo divulgado em setembro no site da organização, afirma-se que movimentos como o MST, no Brasil, e Zapatista, no México, podem ser bons na hora da briga pela terra, mas freqüentemente se mostram ineficientes na difícil rotina do pós-assentamento e negociações de financiamento agrícola.
Esforço de FHC não foi suficiente, diz especialista
O Brasil aparece com destaque no boletim da FAO. Um dos oito artigos selecionados pela organização internacional é assinado pelo professor José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP), que analisa a experiência da reforma agrária durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.
Ele assinala que a redistribuição de 20 milhões de hectares de terra em oito anos de governo é um fato sem precedentes na história brasileira. Nunca um governante realizou tantos assentamentos. Apesar disso, mal arranhou a estrutura agrária do País. Ou, como disse o professor ao Estado, "nenhum governo fez tanto, mas não foi tanto assim".
As estatísticas usadas por Veiga mostram que a transferência de terras de grandes propriedades para a agricultura familiar foi pequena. Os 785 mil fazendeiros perderam 8% de sua área, o que significou um aumento de 15% na área dos pequenos agricultores, que somam 4 milhões.
Segundo o professor da USP, isso indica que a demanda pela reforma agrária continua elevada no País, apesar dos avanços registrados. Ele também observa que, se comparado com os grandes processos de reforma ocorridos em outros países, como o Japão, que redistribuiu um terço de suas propriedades, o que houve no Brasil foi "apenas uma política de assentamentos".
Ao observar as realizações do atual governo na área da reforma, Veiga observa que dificilmente ele irá alcançar Fernando Henrique: "Dizia-se que Fernando Henrique não tinha vontade política, mas ele chegou a atingir uma média de 100 mil assentamentos por ano. Esse governo, que diz ter vontade política, ainda não fez nada." (R.A.)

OESP, 21/03/2004, Nacional, p. A13

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