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Falta de aduana impede abertura de ponte no Amapá

OESP, Economia, p. B8
01 de Dez de 2013

Falta de aduana impede abertura de ponte no Amapá
Obra na fronteira com a Guiana Francesa foi construída em parceria com a França e está pronta há dois anos e meio

MAURO ZANATTA , ENVIADO ESPECIAL , OIAPOQUE, AMAPÁ

No extremo Norte do Brasil, jaz uma reluzente, colossal e ainda inútil obra do governo federal. A ponte binacional sobre o Rio Oiapoque, na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, está pronta para integrar os dois lados desde junho de 2011. Mas até agora, 30 meses depois da entrega, ninguém pode cruzar oficialmente os 380 metros das suas arcadas estaiadas.
Emblemática da lentidão da burocracia para concluir obras públicas no País, a "obra de arte especial", como é chamada no jargão da engenharia, foi construída em dois anos ao custo de R$ 71 milhões - a conta foi rachada com a França, metrópole do território ultramarino.
Até aqui, a ponte rodeada de floresta equatorial funciona mais como um muro a impedir a circulação de mercadorias e pessoas, obrigadas a usar voadeiras e catraias (pequenos barcos locais) para cruzar a fronteira até Saint George de L'Oyapock, na outra borda do manso Rio Oiapoque.
Isso porque a construção da aduana brasileira só começou há quatro meses. E está longe da conclusão, prevista para novembro de 2014. O projeto deve consumir R$ 13,7 milhões dos cofres públicos, mas o governo do Amapá gastará outros R$ 6 milhões na ligação de dois quilômetros entre a ponte e a BR-156.
A demora amazônica da obra liquidou a possibilidade de uma inauguração oficial pelos presidentes Dilma Rousseff e François Hollande em dezembro - o francês deve estar em Brasília no dia 12. Há dez dias, na capital Macapá, o senador José Sarney (PMDB-AP) anunciou um encontro presidencial na fronteira. O gesto, visto como ato de campanha eleitoral, irritou o governador Camilo Capiberibe (PSB) e deixou o Itamaraty em "saia-justa" com os franceses.
Na dúvida, e pressionado a garantir eventual presença ilustre, o governo federal está erguendo um "puxadinho" emergencial de R$ 850 mil para ser usado como aduana provisória até terminar a obra definitiva.
Sob o sol impiedoso da linha do Equador, estão sendo montados módulos pré-fabricados de madeira e alumínio, sob tendas de lona branca em forma de pirâmide. São estruturas semelhantes a stands de feiras agropecuárias, levadas de caminhão por 5 mil km e 12 dias entre Joinville (SC) e Oiapoque - incluindo a balsa sobre o Rio Amazonas. Até agora, dez viagens. Mesmo com o "puxadinho" pronto, a fronteira permanecerá fechada até a assinatura de acordos bilaterais sobre exigências legais essenciais. O Itamaraty admite que a ponte não será aberta sem a assinatura desses acordos.
A comunidade local reage. "Aqui, é tudo 'encantado', tudo é muito lento. Quando demora pouco, leve seis meses. Faltam técnicos para projetos. Essa BR tem mais de 30 anos e não está pronta", diz o prefeito de Oiapoque, Miguel do Posto (PSB). O superintendente do Sebrae, João Carlos Alvarenga, resume: "Essa ponte virou um muro. Terminar a obra é só um primeiro passo". Importador de pneus, o empresário Raimundo Batista diz que "pior é que nada nem é mais prometido".
No lado guianense, a aduana está pronta. As guaritas de alvenaria são vigiadas por um efetivo da polícia francesa de fronteira. Na quinta-feira, o Estado presenciou alguns operários construindo um belvedere de frente para o rio e retocando o paisagismo na cabeceira da ponte.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) explica o atraso pela dificuldade de selecionar empreiteiras para realizar as obras, cuja licitação foi ignorada em duas tentativas.
Fornecedora da Infraero, a catarinense Paleta, que terminava obra em Teresina (PI), só aceitou após carta-convite do diretor-geral do Dnit, general Jorge Fraxe. "Expedi convites a uma dezena de empresas. Só a Paleta respondeu", disse ao Estado, na quinta, durante visita a Oiapoque com o secretário estadual de Transportes, Bruno Mineiro.
A origem do atraso, avalia, está na separação das obras da ponte e da aduana. A greve de 74 dias no Dnit a partir de junho deste ano, a complexa logística para operar no local e o implacável regime de chuvas da região, afirma, complicaram os planos.
"Vamos terminar a aduana provisória agora, no início de dezembro, e entregar a obra definitiva em maio, bem antes do prazo." Fraxe diz já ter enviado computadores e material de escritório para a aduana. "Minha parte eu estou fazendo."

Inauguração esquenta disputa Sarney-Capiberibe
Governador Camilo Capiberibe quer José Sarney longe de evento porque 'nunca fez nada para ajudar na obra'

MACAPÁ

O "anúncio" da inauguração presidencial da ponte do Oiapoque feito pelo senador José Sarney (PMDB-AP) há dez dias acirrou a disputa eleitoral para 2014 e acendeu a briga pela paternidade da obra. Adversário visceral de Sarney, o governador Camilo Capiberibe (PSB) diz haver um "embaraço" causado pelo aliado de Dilma Rousseff.
Filho do senador João e da deputada Janete Capiberibe, ambos do PSB, Camilo diz que o Sarney "não cabe nem caberá" no palanque inaugural da ponte, já que "nunca moveu uma palha" no Congresso para tirá-la do papel. "Aqui, todos sabem que decisivo foi o senador Capiberibe em seus governos (1995-2002)", declarou ao Estado.
Capiberibe rejeita solenidades, "puxadinhos" e inaugurações até que se resolvam "todas as pendências" bilaterais. Quer, sobretudo, derrubar a exigência de visto na fronteira. "Na França, não se exige visto. Mas aqui, sim. Nós não aceitamos por que não somos cidadãos de segunda classe", diz. O tema deve ser avaliado na visita de François Hollande à presidente Dilma.
A família que hoje controla o Amapá tem desavença histórica com Sarney, acusado de agir nos bastidores pela cassação de João Capiberibe, em 2005, por compra de votos e também pela resistência a dar posse ao senador, eleito em 2010, sob alegações de desrespeito às regras da Lei da Ficha Limpa.
Em pé de guerra com o adversário, e alvejado por um pequeno grupo de deputados estaduais ligados a Sarney, Camilo tem apoio do PT local. Sua vice, Dora Nascimento, alinha-se para a reeleição e também avalia enfrentar Sarney pela vaga ao Senado em 2014. "Nosso problema aqui é o Sarney", resume Dora.
No início de outubro, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, piorou o clima ao elogiar Sarney em encontro com prefeitos, em Macapá. O governador não se conteve e respondeu que o senador "raramente" era visto no Estado. E elevou o tom de cobrança ao Palácio do Planalto. "Sou do partido de Eduardo Campos (adversário de Dilma em 2014), mas tenho e terei o PT comigo", diz. O apoio petista, ou pelo menos sua neutralidade, a Sarney dependerá do palanque no Maranhão, onde o PT quer Flávio Dino (PCdoB).
A vice Dora Nascimento informa que o presidente petista Rui Falcão deve tratar "ainda nesta semana" do palanque no Amapá com o ex-presidente Lula.
Consultada, a assessoria de Sarney informou que o senador, que ainda não assumiu a candidatura à reeleição, tem longa folha de serviços prestados ao Amapá e não tinha a data da inauguração da ponte, algo que caberia à presidente Dilma Rousseff decidir. / M.Z.

Tensão diplomática bilateral pode ficar ainda pior

CENÁRIO: Mauro Zanatta

Os franceses já mandaram recados às autoridades brasileiras de que só aceitam discutir entraves burocráticos, como a exigência de visto de entrada na Guiana, se o governo se empenhar na ratificação, pelo Congresso, do acordo contra o garimpo ilegal na fronteira, considerado um gesto de aproximação diplomática.
O assunto é espinhoso para ambos, já que o Brasil reclama do tratamento aos seus nacionais e os guianenses pressionam a França apontando ameaça aos empregos locais e à pilhagem de seus recursos naturais, sobretudo o ouro. Os presidentes François Hollande e Dilma Rousseff devem debater o tema no dia 12, em reunião em Brasília. Mas o Itamaraty rejeita a relação entre garimpo ilegal e a abertura da ponte. E diz não comentar "assuntos do Congresso".
A questão do garimpo, foco de recente tensão diplomática bilateral após a expulsão em massa de brasileiros, tem um forte componente político. Autoridades locais avaliam haver uso eleitoral da divergência pelos políticos da Guiana. A base de lançamento de foguetes de Korou, próxima à capital Caiena, é estratégica para franceses e seus parceiros. Daí, a preocupação ser ainda mais séria. Na margem brasileira, os políticos amapaenses temem perder os votos de garimpeiros se houver um arrocho excessivo sobre a extração de ouro, como prevê o acordo bilateral de mineração. Estima-se ao menos 40 mil brasileiros ilegais na Guiana, cuja população soma 280 mil pessoas.
Distante 600 km da capital, Oiapoque vive isolada, em franca decadência pós-garimpo ilegal. Ainda faltam 110 km de asfalto para a BR-156 chegar à cidade de 23 mil habitantes, que sobrevive de repasses federais. Apenas 10% da receita é arrecadação própria. Em 2010, registrou PIB per capita de R$ 11,6 mil, segundo o IBGE. "Depois do garimpo, parou mais de 70% da atividade", diz o prefeito e ex-garimpeiro Miguel do Posto (PSB). A cidade, diz ele, se arranja com o comércio com os vizinhos guianenses, cujo poder de compra, em euros, atiça seu apetite. A folha de salários da prefeitura consome R$ 1,3 milhão por mês. "Aqui, não tem agricultura nem pode caçar, pescar, tirar madeira. Nem cheiro verde se planta. Tudo é importado", afirma ao reclamar do excesso de controle das polícias e do Exército.
Autoridades locais lembram que o drama dos garimpeiros não se restringe à Guiana. Agora, uma leva de brasileiros entrou em território do Suriname, na região do Rio Maroni, para explorar ouro e abrir novos garimpos. Em breve, diz-se, será mais um problema sério para o Itamaraty e o Planalto.

Ligação deve incentivar turismo de guianenses

Pouco entusiasmados com a futura abertura efetiva da ponte do Oiapoque, empresários locais dizem que o Amapá terá inicialmente ganhos tímidos com a ligação física com a Guiana, porta de entrada para a União Europeia. Segmentos de alimentos e bens de consumo duráveis têm potencial para serem beneficiados com a vizinhança, mas ainda deve demorar a ocorrer. "Quase não produzimos nada aqui. Vem tudo de fora, de Belém, do Sul do País. Mas pode ser um impulso para desenvolver vários setores produtivos", diz o diretor do Sebrae-AP, Waldeir Ribeiro. Na outra mão, os guianenses, historicamente de costas para o Amapá, tendem a elevar o fluxo de turistas, especialmente em datas festivas. Franceses e guianenses são os principais visitantes do Estado, especialmente no carnaval.
"No dia que abrir com direito igual, alavanca a economia. Eles já vêm para cá, vão a Macapá, gostam de passear. Como não tem hotel, restaurante bom, ficam pouco", avalia o prefeito de Oiapoque, Miguel do Posto (PSB).

OESP, 01/12/2013, Economia, p. B8

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