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Falhas na verificação abalam credibilidade do mercado voluntário de carbono

RFI - https://www.rfi.fr/br/podcasts/planeta-verde/20231005
05 de Out de 2023

Falhas na verificação abalam credibilidade do mercado voluntário de carbono

Publicado em: 05/10/2023 - 18:18

O novo escândalo envolvendo grilagem de terras no Pará para a venda de créditos de carbono fantasma para multinacionais estrangeiras joga luz sobre as dificuldades de implementação de um mercado internacional de CO2 confiável. O mecanismo, apelidado de 'direito de poluir' por ambientalistas, ainda não é regulamentado no Brasil e em vários países do mundo.

A ferramenta é vantajosa para o comprador, que busca compensar as emissões de gases de efeito estufa da sua atividade graças aos créditos adquiridos, e para o vendedor, que aumenta as fontes de financiamento para viabilizar projetos sustentáveis.

Entre os que adotam o mercado voluntário de CO2, ou seja, sem regulamentação específica, estão a maioria dos países em desenvolvimento. É justamente nas nações do Sul global que os maiores volumes de créditos por emissões evitadas ou captura de carbono podem ser gerados, com projetos de reflorestamento ou conservação de florestas, energias renováveis ou agricultura sustentável.

"Estamos numa situação em que os países do norte, desenvolvidos, se liberam de uma parte das suas responsabilidades e aproveitam os esforços feitos pelos países em desenvolvimento, comprando os resultados deles", resume o economista francês Alain Karsenty, do Centro de Cooperação Internacional de Pesquisas Agronômicas para o Desenvolvimento (Cirad), à RFI.

O Brasil, pela sua extensão e localização, é um dos países com maior potencial do mundo de geração de créditos de carbono. "De 2014 a 2020, foram registrados e validados um pouco mais de 20 projetos no Brasil. E entre abril e setembro de 2023, foram mais de 60", aponta ouvir Ciro Brito, assessor jurídico sobre clima do Instituto Socioambiental (ISA). "É um mercado que está em expansão e aquecido - e junto com isso, várias discussões têm sido geradas."

Certificadora americana
No mercado voluntário, empresas, indivíduos, organismos ou governos negociam entre si, com regras e certificações estabelecidos por organizações que se especializaram no setor. A principal, Verra, é sediada nos Estados Unidos e detém praticamente o monopólio desse comércio. Foi ela quem esteve por trás dos três projetos denunciados pela Defensoria Pública do Pará em 2021, cujos créditos foram adquiridos por centenas de compradores, incluindo Boeing, Air France, Bayer, Toshiba e até o clube de futebol Liverpool.

Em setembro, uma investigação publicada pelo jornal The Guardian revelou que quase 80% dos 50 maiores projetos de venda de créditos de CO2 no mercado voluntário apresentavam "falhas fundamentais". Destes, mais de 30 eram certificados pela Verra.

"Esse caso traz à tona uma oportunidade para as certificadoras, de um modo geral, avançarem nos seus procedimentos internos. É importante que, para além de uma análise formal, se os documentos corretos estão sendo apresentados, haja uma análise material dos documentos em si", recomenda Brito. "Esse caso do Pará, que virou um escândalo com grande repercussão nacional e internacional, traz a lição de que as certificadoras precisam ser mais rigorosas, principalmente em projetos onde a situação fundiária é mais complexa, como é o caso na Amazônia brasileira."
Desconfiança em alta

Karsenty tem uma visão bem mais crítica sobre o mecanismo. Para ele, a ausência de uma regulamentação unificada e verificável tem gerado cada vez mais desconfiança sobre as transações e, principalmente, os benefícios que elas deveriam resultar para o planeta.

"É quase impossível, antes do fim do projeto, atestar a validade das premissas que foram feitas sobre a expectativa de emissões de carbono evitadas. Não tem como isso ser feito antes. Talvez possa ser feito depois, mas é preciso muito tempo e muito dinheiro para avaliar tudo isso e, no fim, ainda concluir que a redução de emissões foi meio fictícia", explica.

O especialista em políticas para a diminuição do desmatamento em países africanos constata que, em meio aos problemas de verificação sobre o quanto de CO2 realmente deixou de ser emitido na atmosfera, o valor atribuído a um crédito de carbono está em queda livre no mercado voluntário mundial. A tonelada de carbono chega a ser negociada a apenas US$ 2 na África.

"Artigos científicos mostraram, em especial no Brasil, que embora o desmatamento tenha baixado na zona dos projetos, ela não baixou em zonas comparáveis em volta. Em muitos casos, temos situações inflacionadas: zonas onde se prevê que haverá muito desmatamento, mas ao fazer um projeto ali, o desmatamento vai diminuir só um pouco", afirma Karsenty. "Por essas e outras razões, é possível que a gente tenha uma crise nesse mercado de carbono - a exemplo do que aconteceu com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o MDL. A partir de 2012, os preços desabaram simplesmente porque os projetos não eram confiáveis."
Passos lentos

A criação de um mercado internacional de carbono, prevista há oito anos no Acordo de Paris sobre o Clima, foi vista como uma forma de aumentar a participação do setor privado no esforço global pela redução de emissões e, ao mesmo tempo, acelerar o financiamento vital para os países em desenvolvimento realizarem a transição ecológica. Nas últimas Conferências do Clima, os países têm tentado delimitar a atuação do setor, mas o tema teve avanços tímidos na COP de 2022, no Egito.

No Brasil, acaba de ser aprovado no Senado um projeto de lei de regulamentação do mercado de carbono, mas o texto exclui as atividades agropecuárias - justamente as maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa no país, num total de 75%. A expectativa do governo é que o projeto, de 2022, passe pela Câmara e seja adotado até novembro, antes da próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 28, em Dubai.

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