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Êxodo de venezuelanos já é tratado em Roraima como crise humanitária

OESP, Internacional, p. A14
12 de Out de 2016

Êxodo de venezuelanos já é tratado em Roraima como crise humanitária
Estado reluta em decretar oficialmente a emergência para evitar a criação de centros de triagem, abrigos e de atendimento à saúde, como ocorreu no Acre, em 2013; estima-se que mais de 30 mil atravessaram a fronteira nos últimos meses

Felipe Corazza Enviado Especial / Pacaraima, Roraima,

Enquanto cerca de 30 mil venezuelanos já atravessaram a fronteira seca de Roraima para se refugiar no Brasil da grave crise que afeta o país vizinho, a fila para conseguir análise de um pedido oficial de documentação já ultrapassa um ano. Entrevistas dos cidadãos da Venezuela que pretendem se estabelecer no País com status de refugiado estão sendo marcadas para o início de 2018.
As solicitações para permanência no Brasil como refugiado de venezuelanos que entraram no território brasileiro por Roraima já superaram as 900 apenas no primeiro semestre deste ano, segundo autoridades de Boa Vista, capital do Estado. No mesmo período do ano passado, o número foi de 320. Os números não levam em conta as centenas que chegam sem fazer o pedido formal de refúgio ou permanência regular.
"Já é uma crise humanitária", afirmou ao Estado, sob condição de anonimato, um dos responsáveis pela articulação da Defesa Civil entre a capital e a cidade fronteiriça, Pacaraima. A fila para regularização de documentos na superintendência da Polícia Federal começa a se formar já de madrugada.
A decretação oficial do estado de emergência é o mesmo mecanismo que o Acre usou em 2013, em razão do êxodo dos haitianos para o Brasil. Isso obrigaria o governo federal a ajudar o Estado a criar abrigos, centros de triagem e atendimento à saúde, entre outras medidas de assistência. Além disso, o governo federal poderia designar destinos diferentes dentro do país para as pessoas que conseguissem o status de refugiado.
O Acre decretou a emergência ante a chegada de 7,7 mil haitianos. Em Roraima estima-se que já sejam mais de 30 mil os venezuelanos que atravessaram a fronteira. O Estado apurou que o governo de Roraima reluta em decretar oficialmente a emergência por crer que a criação de estruturas formais para acolher os venezuelanos causaria um grande aumento no fluxo.
A jornada dos venezuelanos pelo território de Roraima começa por Pacaraima, município limítrofe que, no Censo de 2010, registrava apenas 11 mil habitantes. Ali, após transporem o posto policial de saída da Venezuela, dezenas de pessoas por dia solicitam à PF brasileira uma permissão especial para chegar a Boa Vista. A viagem, de pouco mais de duas horas, é feita em táxis ou de carona.
Escassez. Na cidade de fronteira, o fluxo também é intenso, apesar de ser majoritariamente um movimento de venezuelanos que pretendem regressar a seu país. Nas lojas, pacotes e mais pacotes de arroz, açúcar, sabonetes, papel higiênico e outros itens básicos são oferecidos com preços já marcados em bolívares, a moeda da Venezuela.
A falta de produtos essenciais se agravou sob o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, resultado de um descontrole cambial, da dependência venezuelana de importações e da queda drástica nos preços do petróleo, produto quase exclusivo de exportação do país. Com isso, caminhões, vans e veículos comuns circulam por Pacaraima carregados de produtos. Para abastecer o comércio loca, cerca de 15 carretas de alimentos chegam diariamente à cidade.
O caminhoneiro Ederval Moreira, de 40 anos, descarregava em Pacaraima uma carga de 30 toneladas de arroz que trouxe de Manaus. Enquanto recarregava o ar comprimido da suspensão do veículo, reclamava da fome. Segundo ele, com as vendas majoritariamente para "bolivianos" (venezuelanos), os armazéns estão ficando sem cédulas de real para pagar pelos fretes. "Eu recebo de qualquer jeito, porque eles fazem a transferência (eletrônica) depois, mas agora fiquei sem dinheiro pro almoço. No caixa eletrônico também não tem mais real."
O mecânico que oferece o serviço de recarga, "Seu Gogó", também reclama. Ele vive em Pacaraima há 30 anos e diz que o aumento do fluxo de venezuelanos aumentou os preços de produtos essenciais. "O quilo de arroz está R$ 4,00. Um ano atrás, eu pagava R$ 2,80. Tá difícil."
Os setores públicos de Roraima responsáveis por atender situações de emergência buscam maneiras de contornar a situação, mas esbarram na falta de recursos. Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros e também da Defesa Civil, coronel Edvaldo Amaral, sem uma coordenação com o governo venezuelano, não haverá solução e a tendência é de agravamento. Segundo ele, a Defesa Civil está de "braços engessados" na tentativa de controlar a crise. "O Estado de Roraima não quer abrir mão de sua responsabilidade, mas é preciso coordenação entre Brasília e Caracas para fazer o controle fronteiriço, o cadastro e organizar o abrigo para essas pessoas", afirmou.

Fluxo crescente sobrecarrega sistema de saúde de Pacaraima
Governadora espera ajuda federal para aliviar situação causada por chegada inesperada de venezuelanos

Roberto Godoy,

A entrada no Brasil de cidadãos da Venezuela, fugitivos da crise econômica e política do país, quase todos de baixa renda, é um problema social crescente, principalmente para os serviços de saúde pública da pequena cidade de Pacaraima. Segundo a governadora Suely Campos, "os atendimentos aos casos mais graves, de notificação compulsória, mostram que envolvem em maioria, pacientes vindos do território nacional vizinho".
De janeiro a julho, o Hospital Geral Délio Tupinambá, o principal de Pacaraima, atendeu 3.200 homens, mulheres e crianças que no momento da triagem informaram viver do outro lado da fronteira. O total corresponde a 27% da população do município de pouco mais de 11 mil habitantes. A demanda média de venezuelanos nos três anos anteriores oscilou de 40 a 60 consultas e internações.
A governadora espera providências do governo federal - "a intenção é buscar alternativas legais e recursos financeiros para amenizar o sofrimento dos indivíduos". A situação está sendo monitorada pela Defesa Civil estadual. A primeira constatação é de que está havendo "substancial aumento nos gastos da saúde e a superlotação dos hospitais, sem que haja contrapartida de Brasília".
A fragilidade da vigilância epidemiológica venezuelana, "resulta em aumento significativo no registro das doenças endêmicas importadas", destaca a governadora. Para Suely, "a malária é um exemplo claro: entre 2015 e agosto de 2016, a doença teve um crescimento de 153% entre pessoas que foram infectadas na maioria das vezes na Venezuela, mas assinaladas aqui no Estado, batendo na porta das nossas unidades de urgência e emergência". Um levantamento sanitário preliminar aponta que HIV/AIDS, tuberculose, leishmaniose e a desnutrição estão na lista das moléstias encontradas entre os refugiados.
A onda migratória já chegou a capital, Boa Vista, onde estão as unidades locais de atenção de média e alta complexidade. No Hospital Geral de Roraima, 544 venezuelanos foram recebidos de janeiro a junho, ante 531 acolhimentos durante todo o ano de 2015, projetando uma curva ascendente de 102%. "A pressão é enorme - os sujeitos chegam aqui em péssimas condições; alguns simulam crises cardíacas apenas para poderem ser internados e tratados de enfermidades que não implicam risco imediato - mas é seu último recurso", declarou ao Estado um médico do HGR.
O Estado de Roraima tem apenas uma maternidade, o Hospital Nossa Senhora de Nazareth. Ali nasceu na semana passada o filho de Angelina R., diarista de 27 anos que pretende sair de Boa Vista assim que estiver bem para encarar os 4,7 mil km da viagem até São Paulo. "Feliz ela está agora", garante a assistente social que a acompanha desde a entrada no centro materno-infantil, creditando o sentimento ao fato de Angelina "ter um filho brasileiro, um cidadão-BR". Até setembro, 478 venezuelanas haviam sido atendidas na instituição; em 2015 o total do ano inteiro ficou em 308. Ter o filho no Brasil e registrá-lo "com o papel do hospital" garantiria a aceitação, pelas autoridades federais, de um eventual pedido de reconhecimento da condição de refugiado.
Apenas a PF cuida da crise dos imigrantes. O delegado Alan Robson fez há poucos dias uma operação de abordagem nas ruas de Pacaraima para verificação da situação individual dos cidadãos venezuelanos que circulavam pelo município naque período. Foram levados de volta 285 pessoas elevando para 400 a soma dos deportados.

Mercadorias se esgotam rapidamente
Com a escassez de remédios e outros itens de saúde essenciais na Venezuela, milhares de pessoas atravessam diariamente a fronteira para compras em Pacaraima

Felipe Corazza Enviado Especial / Pacaraima, Roraima,

Há 25 anos, Milagros Camarillo deixou Caracas, capital venezuelana, e atravessou a fronteira por Roraima para estudar no Brasil. Hoje, aos 40 anos e formada, vende medicamentos na primeira farmácia que os compatriotas dela encontram quando atravessam os postos policiais entre os dois países.
Com a escassez de remédios e outros itens de saúde essenciais na Venezuela, milhares de pessoas atravessam diariamente a fronteira para compras em Pacaraima, a última cidade de Roraima na rota da BR-174, que liga o Brasil ao território venezuelano. Na Farmácia Monte Roraima, o estoque dura pouco. O proprietário, Rodrigo Coelho, diz que foi a Boa Vista, capital do Estado, para estocar o anti-hipertensivo losartana potássica, um genérico produzido no Brasil. Comprou 150 caixas do remédio há 20 dias. Ontem exibia sobre o balcão o que restou: nove embalagens.
Segundo Coelho, 90% das vendas do estabelecimento são para venezuelanos, que têm livre trânsito até Pacaraima - um visto temporário é exigido apenas para os que pretendem ir além da cidade e chegar a Boa Vista ou seguir até Manaus. Milagros se entristece ao falar do país onde nasceu e viveu. "Enquanto estiverem lá (os chavistas), não há solução para a economia", afirma.Entre os medicamentos mais procurados também estão os anticoncepcionais, os antibióticos, antialérgicos e psicotrópicos.
As vendas são essencialmente para venezuelanos acima dos 30 anos, segundo Milagros. Ela acompanha o fluxo de migração na região e observa que os mais jovens não chegam apenas para compras, mas sim para tentar a vida no Brasil. "Vêm com o que têm, sem se preocupar com o dinheiro para uma passagem de volta. Não voltam mais para lá", afirma. Segundo ela, conversas com amigos do outro lado da fronteira são sobre um surto da doença em cidades como Ciudad Bolívar, San Félix e Puerto Ordaz. "Produtos para tratamento da água estão em falta, então, a sarna prolifera."

OESP, 12/10/2016, Internacional, p. A14

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