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Excesso de burocracia atrasa execução de obras públicas

OESP, Economia, p. B4
12 de Ago de 2007

Excesso de burocracia atrasa execução de obras públicas
Não existe prazo definido, mas há pelo menos quatro grandes etapas a serem vencidas até o projeto sair do papel

Lu Aiko Otta

Uma das empresas encarregadas de duplicar a BR-101 no Nordeste, em um trecho onde serão necessárias pontes, decidiu fabricar brita (pedrinhas) no local da obra. No orçamento que apresentou, a brita ficou com um preço maior que o da usada na duplicação da BR-101 no sul do País. Por isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) está contestando o preço do material. 'Nada que leva brita nós estamos fazendo', contou o presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), José Alberto Pereira Ribeiro.

Esse é um exemplo de por que o atraso na execução de obras públicas não pode ser creditado só ao Executivo. Muitas vezes, é o TCU ou o Ministério Público ou o Judiciário que interfere e paralisa a execução. Essas interferências transformam o processo burocrático da obra, por si só bastante complicado, numa verdadeira corrida de obstáculos.

Levantamento feito pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) mostra que há pelo menos quatro grandes etapas (ler ao lado)a serem vencidas entre o momento em que o governo decide fazer uma obra e o trator começar a trabalhar. Não é possível estimar quanto tempo é gasto para cumpri-las, diz o presidente da Abdib, Paulo Godoy.

Depois de decidir o que fazer, o ministério precisa elaborar um projeto básico: que obra vai fazer, com que características, a que preço. O projeto pode ser feito por uma empresa, mas para contratá-la é preciso fazer uma licitação, o que demora cerca de três meses. A elaboração do projeto pode levar um ano.

Com o projeto em mãos, é preciso obter licença dos órgãos de defesa do meio ambiente. A empresa responsável pela obra ou o ministério responsável precisam elaborar um estudo de impacto ambiental, que por sua vez é submetido ao Ibama.

Uma pesquisa do Banco Mundial, ainda em fase preliminar, dá uma idéia de quanto pode ser demorado esse processo. A aprovação do estudo e do relatório de impacto ambiental deve demorar no máximo 180 dias, de acordo com a lei. Mas, nos 63 empreendimentos na área de energia pesquisados, a demora média foi de 576 dias. A emissão da licença prévia ambiental para iniciar a obra, que deveria demorar no máximo um ano, levou em média 1.188 dias.

Depois do licenciamento ambiental, é preciso fazer a licitação para contratar a empresa que fará a obra, obter outra licença nos órgãos ambientais (agora, para a instalação do projeto) e, finalmente, assinar os contratos. Em qualquer dessas fases, pode haver algum questionamento que paralise o processo.

Para Paulo Godoy, a lentidão nos investimentos precisa ser combatida com um pacto em torno de projetos que o Executivo e o Legislativo considerem prioritários. 'Esses projetos deveriam ter tramitação diferente, mais acelerada. Do contrário, vamos continuar como campeões das obras adiadas e inacabadas.' Na sua avaliação, o Brasil tem todas as condições de se transformar em canteiro de obras, mas há muito a fazer para atingir essa condição.

'Nós temos projetos identificados como sendo os que o Brasil precisa e, salvo se houver uma revolução financeira internacional, coisa que eu não acredito, há muita facilidade de captação de recursos para a infra-estrutura, principalmente pelo setor privado.'

Setor privado quer investir, mas faltam oportunidades
Sobra dinheiro em caixa e faltam projetos, diz a Abdib

Renée Pereira

A iniciativa privada está ansiosa para aumentar sua participação na infra-estrutura. Apesar de ter arrematado quase tudo que foi licitado pelo governo nos leilões de concessão, as empresas privadas estão ávidas por oportunidades de investimentos. 'O problema é que as concessões não ocorrem na dimensão e na constância necessária para atender à demanda', reclama o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy.

Segundo ele, o País tem de adotar a linha de entregar tudo que puder para a iniciativa privada e se concentrar em projetos sociais, como saúde e educação. 'Até aqui, a iniciativa privada tem cumprido tudo o que se propôs, como prazo e valores.' Godoy diz que acredita no potencial do modelo de concessão para angariar investimentos e diminuir boa parte dos gargalos que a falta de infra-estrutura impõe à economia. 'Mas não pode haver essa demora excessiva para tomar decisões.'

Levantamento da Abdib desde a criação da Lei de Concessão, em 1995, mostra que o apetite dos investidores nos leilões tem sido voraz. No setor de geração de energia elétrica, a iniciativa privada arrematou 80,3% (10.671 MW) da capacidade instalada oferecida entre 1999 e 2006. Vários investidores já deixaram claro que estão com dinheiro em caixa, mas não encontram projetos. Nesse grupo estão empresas como Suez, Energias do Brasil e grandes consumidores de eletricidade.

Os autoprodutores já anunciaram que têm cerca de R$ 3 bilhões para investir por ano no setor. O problema é que, depois de tantos anos sem planejamento, os estudos de viabilidade econômica e social de novas hidrelétricas só devem ficar prontos em 2008 e 2009. Hoje só tem disponível as usinas do Rio Madeira, de 6.500 MW, que começam a operar a partir de 2012. Na área de transmissão de energia elétrica, a iniciativa privada abocanhou 78,2% (15.794 km) das obras licitadas.

No setor de transportes, o potencial é enorme, seja em rodovias, hidrovias, ferrovias e portos. Todas as áreas são carentes de investimentos e são grandes gargalos ao desenvolvimento do País. Há anos não se faz nenhuma licitação do governo federal ou mesmo estaduais. Na malha rodoviária brasileira, as concessionárias privadas respondem por apenas 6,1% das estradas pavimentadas.

ESTRADAS

De acordo com o levantamento da Abdib há, pelo menos, 15.000 km de estradas federais com viabilidade econômica para serem transferidas à iniciativa privada. O número inclui os 2.600 km que devem ser concedidos em outubro de 2007, emperrados desde 1999. Além desses trechos, o governo do Estado de São Paulo também vai licitar o trecho oeste do Rodoanel.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Servilha Duarte, há dinheiro e vontade para desenvolver projetos rodoviários no País. Mas o governo demorou muito para decidir-se pelo leilão. Hoje, diz ele, tem de concorrer com licitações no mundo todo, especialmente nos Estados Unidos, México e França.

No setor ferroviário, quase tudo está nas mãos da iniciativa privada. Mas a malha é muito pequena pelo tamanho do País. Há uma enorme necessidade de expansão, o que deve ocorrer com a construção da Transnordestina e a Norte-Sul.

A primeira está sendo construída pela Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), que tem como acionista a CSN. Já a segunda está sendo construída pelo governo federal, mas haverá uma subconcessão para ser explorada pela iniciativa privada por 30 anos. Mas ninguém sabe dizer quando. O leilão já foi suspenso várias vezes.

Outro importante setor que merece atenção é o sistema portuário brasileiro. Os terminais foram privatizados, mas a administração ficou com o Estado. Isso significa que toda a infra-estrutura dos portos precisa ser feita pelo governo. Mas os investidores reclamam que há falta de licitação de novas áreas nos portos brasileiros.

Para Paulo Godoy, da Abdib, a participação da iniciativa privada na infra-estrutura proporciona benefícios em várias frentes. Dá mais competitividade ao setor produtivo e permite melhores serviços à população.

Périplo do investimento

1ª etapa - Elaborar projeto

Projeto Básico: o ministério reserva dinheiro para elaborar um projeto. No caso de uma estrada, por exemplo, esse projeto dirá quantos quilômetros serão feitos, qual o método de trabalho a ser empregado e qual o orçamento. Isso se chama Projeto Básico, posteriormente detalhado no chamado Projeto Executivo

Licitação: o ministério faz uma licitação para contratar uma empresa que faça os projetos

Análise: o ministério recebe os projetos e pede ajustes. Se a obra for uma concessão, é preciso fazer estudos de viabilidade econômica.

O que pode dar errado: o projeto pode ter problemas de qualidade e precisar ser refeito; podem faltar técnicos para acompanhar o trabalho; o ministério pode não ter reservado dinheiro para os projetos; a contratação da empresa pode ser questionada na Justiça por alguma concorrente derrotada

2ª etapa - Obter licenciamento ambiental

Licença: o ministério emite um Termo de Referência para iniciar o processo de licenciamento ambiental. Esse termo é aprovado pelo órgão ambiental

Impacto: o ministério ou a empresa responsável pela obra fazem um Estudo de Impacto Ambiental e um Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) que é aprovado pelo órgão ambiental

Audiências: é preciso realizar audiências públicas para discutir o projeto com a população local e outros interessados

Ajustes: o órgão ambiental emite licença prévia. Nessa etapa, podem ser feitas exigências a serem atendidas antes do início da obra

O que pode dar errado: o Ministério Público pode parar a obra com decisão da Justiça de primeira instância; os órgãos de defesa ambiental podem pedir informações complementares antes de emitir a licença; dependendo da área, pode haver desentendimentos entre o autor do estudo de impacto ambiental e órgãos como Funai e Iphan

3ª etapa - Escolher quem faça a obra

Edital: o ministério ou agência reguladora (se for concessão) faz um edital. O edital é submetido a uma audiência pública

Licitação: com base no edital, a obra vai a licitação (uma espécie de leilão para escolher a empresa vencedora)

O que pode dar errado: o processo pode ser paralisado na Justiça por várias razões - uma empresa que saia derrotada da licitação e não concorde com o resultado; o Ministério Público, desconfiado de alguma falha no processo de licitação; o TCU, por discordar de alguma questão regulatória; o governo pode desistir da obra

4ª etapa - Assinar o contrato

Contrato: o ministério assina o contrato com o vencedor

Licença: é preciso obter a licença ambiental de instalação, emitida depois que o órgão de defesa ambiental se certifica que as exigências feitas foram cumpridas

O que pode dar errado: podem ser feitas novas exigências para a proteção do meio ambiente; Ministério Público pode novamente paralisar a obra; TCU pode parar a obra; pode faltar dinheiro no Orçamento; o marco regulatório pode mudar, obrigando uma revisão no contrato; a empreiteira pode falir

OESP, 12/08/2007, Economia, p. B4

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