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Ex-governador de Roraima e mais 40 são presos

O Globo, O País, p. 8
27 de Nov de 2003

Ex-governador de Roraima e mais 40 são presos

Jailton de Carvalho

Numa das maiores operações dos últimos anos, a Polícia Federal prendeu ontem o ex-governador de Roraima Neudo Campos e mais 40 pessoas acusadas de envolvimento com um esquema de fraude na folha de pagamento do estado. Neudo Campos (PP) foi preso no Lago Sul, em Brasília. Os demais foram detidos em Boa Vista. No fim da tarde, na chamada Operação Praga no Egito, a PF ainda estava caçando mais 14 supostos beneficiários do golpe responsável pelo desvio de aproximadamente R$ 500 milhões de verbas federais e estaduais.
Na lista de presos ou procurados estão também parentes e funcionários de gabinetes de 18 dos 24 deputados estaduais. Entre os detidos está Darbilene Rufino Vale, mulher do presidente da Assembléia Legislativa, Antônio Messias Pereira de Jesus. São acusados de pertencer à organização criminosa vários ex-parlamentares, funcionários do Tribunal de Contas do Estado e até o diretor da Polícia Civil de Boa Vista, Ângelo Paiva de Moura. Paiva está na relação dos que estão com a prisão decretada.
Contratações de até R$ 48 mil
Neudo é acusado de chefiar um grupo de parlamentares, ex-parlamentares e funcionários públicos que forjaram contratações e estavam recebendo salários mensais em nome de aproximadamente seis mil servidores laranjas ou fantasmas, conhecidos no estado como gafanhotos. Pelo relatório da PF, cada parlamentar tinha direito de simular a contratação de servidores em valores que iam de R$ 21 mil a R$ 48 mil. Na fase final do golpe, alguns parlamentares chegaram a receber R$ 250 mil mensais. Os salários eram sacados, com uso de procurações, por testas-de-ferro de políticos.
O ex-governador e os demais acusados também tiveram seus bens bloqueados por ordem do juiz Helder Barreto, da 2 Vara Federal de Roraima. Segundo a PF, o bloqueio é uma medida preventiva para garantir o ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos, caso os integrantes da organização sejam condenados.
Depois de preso, Neudo foi levado para a superintendência da PF e, em seguida, levado para Roraima. Na chegada à PF, em companhia da mulher, a deputada federal Sylvia Campos (PFL- RR), Neudo negou que ter cometido os crimes atribuídos a ele pela PF e pelo Ministério Público.
- Vou me defender de peito aberto. Não tenho nada a esconder - disse.
Na megaoperação, a PF deslocou para Roraima 250 policiais de vários estados. Dois aviões da FAB foram usados para transportar os policiais que participaram das operações de busca e apreensão de documentos e também das prisões em Boa Vista.
Até índios foram cooptados
Alguns laranjas recebiam salários de até R$ 4 mil para emprestar seus nomes para a fraude, que também contava com funcionários fantasmas. Segundo a PF, os seis mil laranjas que o grupo chegou a incluir na folha de pagamento representam 2% da população do estado. Até índios que vivem reclusos em aldeias foram cooptados pela organização. O esquema teria funcionado a todo vapor entre 1988 e 2002.
Um dos advogados do ex-governador recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) numa tentativa de desqualificar a investigação. O advogado alega que, como ex-governador, Neudo tem foro privilegiado. Neste caso, qualquer investigação sobre seus atos teria que ser autorizada pelo STJ e não pela Justiça Federal. O procurador da República em Roraima Carlos Fernando Mazzoco confirma a existência da lei que confere tratamento especial para ex-governadores e ex-parlamentares, aprovada no fim do governo Fernando Henrique.
- Mas é uma lei inconstitucional. Uma lei ordinária não pode modificar a Constituição - disse o procurador.
A operação da PF ontem em Boa Vista apreendeu documentos, computadores, agendas, cofre e uma grande quantidade de documentos na casa do ex-governador. O material encheu 30 sacos. O governador Flamarion Portela (PT), em pronunciamento oficial, negou que tivesse conhecimento prévio da operação e disse que os servidores estaduais envolvidos nas denúncias serão afastados.
Ontem mesmo foram exonerados o ex-deputado Ângelo Paiva, que ocupava cargo na Secretaria de Segurança, e o deputado Berinho Bantim, que dirigia o Instituto de Pesos e Medidas.
- Esta é uma ação da Justiça e o Executivo não tem interferência- disse Portela.

Cobras, insetos, cavalos e outros bichos

Aydano André Motta

Se a Polícia Federal aplicar, na sua atividade-fim, a criatividade usada para batizar as operações que deflagra, não vai sobrar bandido solto pela rua. A última, que prendeu o ex-governador de Roraima Neudo Campos e outras 40 pessoas, foi a Praga no Egito. A referência de mastodôntica sutileza inspira-se - rezam as investigações - na própria quadrilha, que chamava de "gafanhotos" o que a crônica da bandidagem nacional batizou, faz tempo, de laranjas. Gafanhoto, Praga no Egito... Captou?
Não? Sem problema. Uma visita à página de notícias da Polícia Federal na internet expõe toda a força criativa da corporação num gráfico em forma de organograma que tem os gafanhotos - verdes e muitos, como convém - na base. Obra de "Michele, policial federal", como informa o crédito, que ainda divulga o telefone de contato. A Praga, aliás, vem de longe, começou em setembro, ouviu mais de 600 pessoas, e vai adiante. Tanta inventividade merece uma continuação.
Melhor para a coleção de ações da Polícia Federal, catálogo a cada dia mais eficiente no resultado - as prisões contam-se às dezenas - e surpreendente na nomenclatura. Seus primeiros verbetes foram burocráticos, quase envergonhados, como a Operação Mosaico (de 87, que desmontou a quadrilha de Toninho Turco, bandidão do subúrbio carioca); ou óbvios, como o evento seguinte, a Operação Bandeja, que, um ano depois, prendeu um punhado de, ora, traficantes, e estourou um cassino no pé da Serra de Petrópolis.
A imaginação foi voando cada vez mais alto e, atualmente, se supera a cada ação. No fim de 2002, Leonardo Dias Mendonça, "o maior distribuidor de cocaína em toda a região amazônica" - rótulo da própria PF - apareceu na lista de presos da Operação Diamante. Era, afinal, "valioso" na estrutura do tráfico - e duro à beça de prender.
Como se vê, ainda está para nascer o marginal que vai debelar a fértil imaginação dos agentes. Desde o início do mês, eles prenderam 33 hackers que se espalhavam por quatro estados do Norte e do Nordeste, fraudando sites de bancos. Informática, espionagem virtual, internet... Que tal Cavalo de Tróia, o famoso vírus de computador? Como dizem os próprios policiais - os americanos do cinema, pelo menos - bingo!
Mas o povo da PF está obrigado a caprichar, devido ao último sucesso de público e de crítica: a Operação Anaconda. A megainvestigação que engaiolou juízes, delegados, advogados e policiais participantes de um esquema de venda de sentenças levou o nome da cobra gigante da Amazônia, também conhecida como sucuri.
Momento ecologicamente correto dos nossos engenhosos homens da lei.

O desvio das bolachas
Não é a primeira vez que o ex-governador Neudo Campos é alvo de investigações envolvendo denúncias de desvio de recursos do estado. Em 1998, então candidato à reeleição, Neudo Campos teve sua campanha abalada pela divulgação de escutas telefônicas clandestinas que revelavam detalhes de como parentes e integrantes do primeiro escalão de seu governo montaram suposto esquema para usar dinheiro público na eleição.
O escândalo foi investigado pelo Ministério Público Federal, mas Neudo Campos acabou conseguindo se reeleger. O desvio denunciado na época seria por intermédio da Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima). Um dos envolvidos era o então secretário de Fazenda, Roberto Leonel, e a chefe do Gabinete Civil, Cilene Salomão, acusada de articular operações de triangulação e distribuição do dinheiro para a campanha.
- Estou meio perplexo! É verdade isso mesmo? Não entendo, por que, meu Deus do céu? - espantou-se Leonel, numa gravação, ao saber que teria que captar recursos públicos para a campanha de Neudo Campos.
-- Nessa parte, passa tudo por ele direto, né? - respondeu Cilene Salomão, uma das chefes do grupo.
- Tiro da folha, o que é que eu faço? O problema é que estamos tirando dinheiro da folha... Estive com o governador, ele estava chateado e disse: "Arruma dinheiro no banco". Eu disse: "Como é que faz aval? Se você visse a folha..." - comentou o então secretário de Fazenda.
Segundo as conversas, a Codesaima repassava todo mês R$ 200 mil para a campanha de Neudo Campos.
- O governador me disse que ficaria com pelo menos R$ 200 mil por mês - afirmou Vilson Mulinari, concunhado de Neudo e então presidente da Codesaima, ao falar do repasse para o fundo.
O dinheiro teria sido usado para pagamentos de empresas que atuaram na campanha de Neudo. Em algumas conversas, os assessores do governador usavam códigos para se referir ao dinheiro desviado. Ora o termo usado era "folhas de compensado", ora "bolachas" ou ainda "documento com tantas páginas".
O ex-governador também foi envolvido em outra denúncia de irregularidade na Codesaima. O esquema foi revelado por um testa-de-ferro, Ronald Jorge Pereira Santos Filho, que, sentindo-se traído, denunciou o caso ao Ministério Público. Notas frias eram usadas para desviar recursos destinados à compra de alimentos para a merenda escolar. Esse esquema teria funcionado de 1995 até junho de 1998. Uma das empresas fornecedoras tinha como endereço a casa da sogra de Neudo Campos, América Meneses.

A lista dos acusados
A lista dos que foram presos pela Operação Praga no Egito ou que estão com prisão decretada:

Neudo Campos: ex-governador de Roraima
Itelvina da Costa Padilha: mãe do deputado estadual Jaelson Renier
Elisângela Silva Lopes: secretária do deputado Jaelson
Herbson Jairo Bantim: deputado estadual licenciado
Homero de Souza Cruz Neto: ex-deputado estadual
Sebastião da Silva: ex-deputado estadual
Jeane Severiano dos Santos: mulher de Sebastião da Silva
Suzete Macedo de Oliveira: ex-deputada estadual
Barac da Silva Bento: ex-deputado estadual
Edlamar Pereira: irmã do ex-deputado estadual Gelb Pereira
Fátima Regina Macedo: mulher do ex-deputado estadual Francisco de Assis da Silveira
Nirlia de Fátima Filgueiras: mulher do deputado estadual Paulo Sérgio
Jucilene Braga da Silva: testa-de-ferro de deputado
Bernardino Alves Cirqueira: ex-deputado estadual
Vitor Soares Neto: sogro do presidente da Assembléia estadual
Afonso Rodrigues do Vale: cunhado do presidente da Assembléia
Danilvon Rufino do Vale
Maria Neusa Leal Costa: testa-de-ferro
Rita de Cássia de Moraes
Vânia Silva Siqueira: funcionária do TCE
Nadia Maria Santos Cunha
Even Keila Sales Rebouças: assessora parlamentar
Maria do Socorro Andrade: assessora parlamentar
Maria do Perpétuo de Souza Cruz: assessora parlamentar
Maria Joelma Silva Guerra
Inara Patrícia da Silva
João de Medeiros Neto
Carlos Vitor Vilhena: testa-de-ferro
Viriato Serejo Souza Cruz Filho testa-de-ferro
Gustavo Oliveira Castro: cunhado de ex-deputado estadual
Lize da Rocha Pereira: assessora parlamentar
Lúcia Stock Medina: assessora parlamentar
Nair Araújo Soares: assessora parlamentar
Aline Helen de Sequeira
Joaquim Estevam de Araújo Neto
Heloisa Helena Tajuja: primo de ex-deputado estadual
Washington de Farias Júnior
Darbilene Rufino Vale: mulher do presidente da Assembléia estadual
Angelo Paiva de Moura: diretor da Polícia Judiciária
Francisca de Medeiros Lima: ex-deputada estadual
Gelb Pereira: ex-deputado estadual
Havany Pereira: irmã de Gelb
Francisco de Assis da Silveira: ex-deputado estadual
Alcinira Magalhães Freitas: mulher de deputado estadual Urzenir Freitas Filho
Rosilda de Oliveira: filha do deputado Urzenir
Dulcilene Wanderley: mulher do conselheiro do TCE Henrique Machado
Maria Neusa Costa: testa-de-ferro
Olivia Paiva Moura: irmã do ex-deputado Angelo de Moura
Vagna Isaias de Lima: assessora parlamentar
Evandro Rodrigues Silva: PM
Elândia Gomes de Araújo: ex-assessora parlamentar
Alysson Mota Ferreira: vereador de Amajari
Francisco Alderi de Medeiros: irmão de ex-deputada Francisca Aurelina
Henrique Alves Tajuja
Sorânia Vieira: namorada do deputado Alceste Madeira
Rubelmar de Souza

O Globo, 27/11/2003, O País, p. 8

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