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Estudante de direito, indígena que ganhou R$ 50 mil no 'Caldeirão' revela sonho em magistratura para ajudar povo: 'Futuro maior'

G1 - https://g1.globo.com/
10 de Ago de 2019

Marcos Davi é da etnia Pataxó. Jovem tem 19 anos e foi o 1o participante indígena do 'Quem Quer Ser Um Milionário?'. Parte do dinheiro será usado para montar sala de informática na comunidade.

Aos 19 anos, o estudante indígena Marcos Davi coleciona conquistas e grandes sonhos. Formado em técnico em informática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), o jovem atualmente cursa direito na Universidade Federal do estado (Ufba), com o objetivo de defender a causa indígena.

"A gente, quando faz parte de uma minoria assim, tipo indígena e quilombola, é incentivado a buscar áreas do conhecimento que, até então, nenhum da gente chegou. E o direito, há uns anos para cá, vem crescendo nas comunidades. O interesse da gente ter uma terra demarcada, todo o processo é legal. A gente tem que ter conhecimento jurídico e tudo mais", conta.

Neto de uma cacique, Marcos é da etnia Pataxó e vivia no extremo sul da Bahia até o início do ano, quando começou a estudar na Ufba e se mudou para Salvador. O jovem nasceu na cidade de Santa Cruz Cabrália, em Coroa Vermelha, mas morava em Porto Seguro, onde fica a comunidade de Juerana, liderada pela avó materna dele.

No último fim de semana, o Brasil conheceu parte da história de Marcos na TV, depois que a participação do estudante no quadro "Quem Quer Ser Um Milionário", do programa Caldeirão do Huck, foi ao ar. No jogo, o jovem ganhou R$ 50 mil. Na vida, mais oportunidades.

O dinheiro do programa será usado para montar uma sala de informática na escola indígena da comunidade de Marcos, e vai ajudá-lo a seguir os passos da carreira tão desejada. O foco: a magistratura.

"A advocacia é um caminho que eu tenho que seguir, mas não é o objetivo. Eu vislumbro um futuro maior, como a magistratura, porque nesse campo eu posso ajudar ainda mais."

Desde a participação no Caldeirão do Huck, gravada em maio deste ano, Marcos Davi já começou a tocar projetos.

Em entrevista ao G1, o jovem contou que alguns computadores e outros equipamentos já foram comprados para a sala de informática, e que, agora, busca parceria para instalação de internet por satélite na comunidade, porque, por ser mais afastada do centro da cidade, não tem cobertura de rede cabeada. A expectativa dele é que, até dezembro deste ano, tudo esteja pronto.

"Quando eu passei para o IFBA, eu via que os meus colegas que continuavam estudando em Porto Seguro tinham essa necessidade [de uma sala de informática]. Não era o principal motivo, mas contribuía para a perda de ano. Eu sempre dizia em sala que se eu tivesse a condição e o poder de levar um projeto desse para a minha comunidade, eu levaria. E chegou até cedo a oportunidade de levar esse projeto", brincou.

Além disso, Marcos deixou a casa de uma tia paterna, em Salvador, onde estava abrigado desde quando entrou na faculdade, e foi morar em um apartamento mais próximo da instituição, no centro da capital, com alguns amigos.

"É complicado viver aqui [em Salvador]. Querendo ou não, o custo é caro. Casa, transporte e tudo mais. A gente até recebe um auxílio do governo, da faculdade, só que não é suficiente", explica Marcos.

"Não dá, nesse momento, para conciliar trabalho e estudo. Aí eu recebi essa ajuda que acho que foi pra isso mesmo, para incentivar a concluir meus estudos."

O estudante começou recentemente o segundo semestre e a previsão é de que termine a graduação em 2024. No curso, o jovem diz que é destaque desde o primeiro período, quando foi admitido no Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CEPEJ), que é uma extensão da instituição.

"Foram mais de 100 candidatos e acabou que 20 e poucos acabaram sendo selecionados e eu estava no meio deles. Dentre esses, de primeiro semestre, eu acho que era o único a ter passado. Para mim, isso foi uma felicidade. Para minha família, ainda mais. Isso antes de programa e tudo mais. Já estava muito realizado", descreveu.

Atualmente, Marcos convive com a saudade da família, que visita sempre que pode. O estudante conta que são 12h de viagem de ônibus até a comunidade da avó, que fica a cerca de 700 km de Salvador.

"Está sendo um pouco difícil [morar em Salvador] por questão da família morar longe. Minha avó é muito apegada a mim. Minha avó, minha mãe... toda vez que venho pra cá é um 'chororô'. Mas é isso, tem que estudar. Tô me adaptando bem aqui".

Luta e orgulho

Com mãe e avó na liderança indígena e pai professor do ensino fundamental na comunidade, Marcos conta que sempre recebeu apoio e orientação da família para buscar um futuro melhor.

A infância de minha mãe foi extremamente dura. Ela lutou bastante, ela e meu pai, para que a gente [ele e os irmãos] tivesse tudo. Então, eu sou muito grato a eles.

O estudante, que é o mais velho de cinco irmãos, diz que os ensinamentos costumam ser os mesmos para todos os jovens nas comunidades indígenas, principalmente nos últimos anos, com a interferência da criminalidade.

"Hoje, querendo ou não, chegou a questão da violência, do tráfico [nas comunidades]. E acabam muitos jovens indígenas morrendo por causa disso. As lideranças tentam incentivar a gente [a estudar], mas nem todo mundo segue esse conselho", explica.

Segundo Marcos, diante dessas barreiras, há o dever moral entre os jovens indígenas do retorno para a comunidade.

"Todo cacique, liderança, fala: 'A gente brigou para que cada estudante indígena estivesse na faculdade, para que ele, depois de formado, voltasse para cá e ajudasse a gente'. É meio que um dever, uma obrigação nossa, voltar", conta.

O jovem também ressalta a importância dos estudos. "Ter essa oportunidade de estar na faculdade, que é uma coisa bem difícil hoje no Brasil para um estudante que até mesmo tem condição, imagina para os indígenas que vêm lá de baixo? É gratificante. É inenarrável o sentimento".

No caldeirão

Marcos conta que passou por várias fases até chegar à gravação do Caldeirão do Huck, no Rio de Janeiro. O jovem participou da atração acompanhado da mãe, Claudiene.

"Minha mãe, até o momento da gente chegar no Rio de Janeiro para gravar, não estava acreditando. Ela pensou que era golpe. Quando ela chegou lá dentro, que ela viu, foi que ela se tocou: 'É verdade'".

Antes mesmo da gravação, a torcida pelo jovem já era grande.

"O assunto do momento [na comunidade] era: 'Tem um indígena lá. Vamos torcer pelo indígena'. Aí foram os dois municípios, tanto Cabrália, quanto Porto, as comunidades torcendo. Saía na rua e as pessoas falavam: 'Tô torcendo por você'", conta.

No último fim de semana, Marcos assistiu ao programa na casa da avó, na companhia da família. Ele conta que foi grande a festa, mesmo com todos já sabendo o resultado do jogo.

"Não deu nem para ouvir direito o programa por causa da gritaria, mas foi muito emocionante".

Após aparecer na TV, o estudante até teve alguns minutos de fama na faculdade.

"Teve uma menina que tirou foto até comigo. Ela falou: 'Você que passou no programa no sábado? Eu posso tirar foto com você? Eu gostei muito do programa. Parabéns'. Eu achei até engraçado", disse Marcos.

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/08/10/estudante-de-direito-i…

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