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Estratégia de empresas aposta no ambientalmente responsável

ComCiência
01 de Set de 2006

Estratégia de empresas aposta no ambientalmente responsável

Por Luiza Bragion

A biodiversidade alcança crescente relevância não só para equilíbrio e conservação ambiental, mas também como estratégia econômica e política. Nesse contexto, empresas privadas apostam na incorporação de modelos ambientalmente responsáveis, visando vantagens competitivas, e participam de debates e conflitos em torno da legislação de recursos genéticos. Esse foi um dos pontos abordados na pesquisa da bióloga Ana Flávia Ferro, desenvolvida junto ao Instituto de Geociências da Unicamp.

Nas quatro empresas nacionais analisadas, Ybios, Natura, Orsa Florestal e Centroflora, a incorporação do desenvolvimento sustentável no uso da biodiversidade é uma tendência cada vez mais forte, principalmente em setores altamente dependentes de matéria-prima advinda da biodiversidade, como fitoterápicos, cosméticos, extratos naturais e manejo florestal.

A Natura, uma das empresas analisadas na pesquisa, é um dos exemplos mais claros dessa forma de atuação no mercado, que relaciona a imagem da empresa com a sustentabilidade. Líder do mercado brasileiro de cosméticos, a empresa responde por 18,9% desse setor e suas vendas cresceram 117% nos últimos três anos. Com relação à legislação de acesso aos recursos genéticos, a Natura foi a primeira empresa privada a ter aprovado, em 2005, um processo no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) relacionado ao acesso a recursos genéticos. Na opinião da pesquisadora, a aprovação deste processo ensinou a empresa a lidar com a legislação e a solicitar autorização para o acesso aos demais recursos utilizados pela empresa.

Na pesquisa de Ana Flávia Ferro, todas as empresas foram contra a forma como a legislação de acesso a recursos genéticos vem sendo implementada no Brasil, embora concordem que se trata de uma legislação necessária para garantir os direitos do país sobre seus recursos. As empresas alegam que muitos conceitos são confusos, não há a diferenciação no tratamento para recursos da fauna nacional e internacional e ainda não há a regulamentação de muitos pontos da medida provisória (MP) 2.186-16, de 2001, dificultando a elaboração de contratos de repartição de benefícios.

De acordo com a pesquisadora, os argumentos das empresas são que as exigências são muitas ao longo do processo, impossibilitando que se faça tudo num curto espaço de tempo. "Elas ainda ressaltam a importância dos prazos no meio empresarial, em que é inviável esperar até dois anos por uma autorização, período em que a empresa poderia estar gerando um produto e colocando-o no mercado. Uma das empresas afirma que já perdeu duas amostras porque ficou esperando autorização para pesquisá-las", explica ela.

Maria Beatriz Bonacelli, pesquisadora do Instituto de Geociências da Unicamp que orientou a pesquisa, afirma que desde o início de suas atividades, o CGEN vem lidando com esses questionamentos de setores da academia e da indústria sobre os instrumentos legais adotados para fazer valer a legislação: "A burocracia atual de formulários e relatórios é tão grande que muitos cientistas que dependem das autorizações do órgão para trabalhar simplesmente ignoram a legislação", afirma.

A pesquisa de Ana Flávia Ferro, orientada por Maria Beatriz Bonacelli, foi apresentada como dissertação de mestrado ao Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências, em fevereiro deste ano. Veja a dissertação na íntegra.

Não regular é argumento inválido

De acordo com Fernando Mathias, advogado do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), a crítica das empresas sobre a legislação de acesso tem, apenas em parte, fundamento: "A MP 2.186-16/01 tem muitas lacunas, e o processo de regulamentação dessas lacunas pelo CGEN se dá em um ambiente de disputa entre ministérios que compõem o conselho, que tem como alvo a nova legislação de acesso e repartição de benefícios, em discussão a portas fechadas na Casa Civil", explica ele.

Ainda segundo o advogado do ISA, a crítica das empresas perde a razão quando passa simplesmente a sustentar a não-regulação do tema, pois é necessário discutir a repartição dos benefícios derivados do acesso à biodiversidade para fins industriais a toda a sociedade, e isso deve se traduzir em um marco legal. "Obviamente qualquer marco regulatório tem ônus, diante de uma situação de total descontrole sobre o uso e apropriação de recursos genéticos nacional e internacionalmente", diz ele.

Para o ISA, a legislação atual incorre em muita burocracia, o que dificulta a negociação entre empresas, comunidades e o governo. "A próxima legislação deveria privilegiar mecanismos tributários dirigidos ao setor da bioindústria que pudessem, sem aumentar a carga tributária, canalizar recursos para iniciativas de interesse público, que beneficiem não apenas comunidades diretamente envolvidas na cadeia de produção, mas também revertam em políticas públicas de incentivo à conservação e uso sustentável da biodiversidade", conclui Mathias.

Para saber mais veja:
Proposta do Ibama para descaracterizar algumas pesquisas científicas como acesso ao patrimônio genético.

ComCiência, 01/09/2006

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