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Estradas liberadas: turistas amazonenses comecam a voltar

A Critica, Cidades, p.C1
10 de Jan de 2004

Estradas liberadas
Turistas amazonenses começam a voltar
Um total de 500 pessoas estavam retidas na barreira
Gerson Severo Dantas
Os turistas amazonenses que estavam retidos desde segunda-feira nas estradas de Roraima, fechadas em protesto pela decisão do Governo Federal de homologar a reserva indígena de Raposa/Serra do Sol, no noroeste do Estado, já podem voltar para casa, haja vista que as estrada foram desbloqueadas ontem.
Eram aproximadamente 500 amazonenses retidos em barreiras montadas por agricultores e índios, nas entradas e saídas de Boa Vista e o município de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela.
A liberação em Pacaraima aconteceu por volta de 9h e fez com que os amazonenses retidos no muniu pio e em Santa Elena do Uairén, na Venezuela, imediatamente pegassem a estrada, pois havia o risco dos manifestantes voltarem a bloquear a BR-174 após o encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva á com políticos de Roraima. Detida em Santa Elena desde segunda-feira, 30 integrantes da família Rosseti chegaram a Boa Vista por volta de 12h, almoçaram e voltaram para a estrada. Eles esperavam chegar na madrugada de hoje a Manaus, de onde partiram para uma alegre excursão a Margarita, onde passaram o reveillon. Espécie de porta-voz do grupo familiar, o empresário Ricardo Rosseti, 43, disse que passaram muitas dificuldades em Santa Elena, onde foi difícil arrumar hotel para acomodar a todos. Ele revelou também que as despesas não previstas com a parada inesperada de quatro dias na viagem foram "rachadas" por todos que ainda tiveram de usar cartões de crédito; "Alugamos um ônibus, passamos bons dias em Margarita, mas a situação ficou ruim na volta, pois estávamos com muitas crianças e idosos, que sempre sofrem mais nestes momentos", disse Rosseti. Uma integrante da excursão, que não quis se identificar, revelou que estavam parados na região pelo menos dez ônibus de excursão e um número grande de carros, cujos passageiros tiveram dificuldades para arrumar alimentação e, principalmente, água. "Era um Deus nos acuda", resumiu.
Apesar das dificuldades vividas na volta, os integrantes das famílias prometem que vão voltar a ilha venezuelana. "0 passeio foi bom e eles não têm culpa do que aconteceu", disse Ricardo Rosseti. Quem também aproveitou a liberação da estrada, fechou a conta no hotel rapidinho e partiu correndo com medo de novo desbloqueio foram os integrantes da família Moura, de Santarém, no Pará. Eles estavam indo para Santa Elena do Uairén quando foram detidos na barreira montada na ponte de saída de Boa Vista. A solução foi se hospedar num hotel da cidade e passar o dia dentro da piscina e saindo para comer. "Foi uma folga frustrada, pois passamos quatro dias dentro de um hotel, saindo apenas para passear na Praça das Águas", disse o aviador Rozivaldo Moura, que desistiu de seguir até o destino traçado porque tem que estar hoje na cidade natal dele. "Vamos tocar rápido porque senão podemos não chegar em tempo para atravessar a reserva dos Waimiris-Atroaris", disse.

Manifestantes mudam de estratégia
0 sojicultor José Dirceu Vinhal, 46, disse que os agricultores e indígenas contrários a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol, uma área contínua de 1,78 milhão de hectares, decidiram reabriras estradas e buscar novas formas de protesto. Comandando o desbloqueio na ponte sobre o rio Cauamé, no sentido Boa Vista-Pacaraima, Dirceu Vinhal cobrou uma posição democrática do Governo Federal na administração da crise. Ele defendeu a homologação da reserva em terras descontínuas, cobrou uma definição fundiária e garantiu que agricultores e outros segmentos da sociedade civil de Roraima vão ficar em vigília permanente em defesa do que chamou de interesses do Estado.
"Hoje nós somos um Estado virtual, onde 75% dos índios são contrários à homologação por causa do que aconteceu em outras áreas, onde eles ficam abandonados", disse. Com o desbloqueio, as máquinas e tratores usados no protesto foram levados para a Praça das Águas, onde a Associação Comercial de Roraima organizou uma carreata no final da tarde e promoveu shows musicais à noite.
Religiosos
Apesar das frentes de atuação dos manifestantes terem ficado resumidas apenas a ocupação do prédio da Funai por cerca de 200 índios Macuxi, os defensores da homologação ainda vivem em estado de tensão. Os religiosos do Instituto Missionário da Consolata, ordem religiosa que administra a Diocese de Boa Vista, estão com medo e pouco saem da sede do instituto. Ontem, os padres Ronildo França, amazonense, César Avellaneda, colombiano, e o irmão João Carlos Martinez, espanhol, deram uma entrevista na sede da Diocese, para falar sobre os três dias que passaram como reféns de índios Macuxi da aldeia Contão, em Pacaraima. Quem mais sofreu com os dias de tensão foi Avellaneda, que tem úlcera e foi abatido por uma crise. "Tivemos que comprar remédios e mandar para ele pelos agentes federais", disse a estudante amazonense Andreza Resende, que estava na Missão São José do Surumu, em Vila Pereira, Pacaraima, no dia do seqüestro dos três religiosos e ficou, junto com mais seis colegas de um Cube de jovens, presa por aproximadamente cinco horas em poder dos Macuxi. O exame de corpo de delito feito nos padres comprovou que os religiosos não sofreram violência.

Federal garante homologação
Walter Sotomayor
Ao final de quase cinco horas de negociação no Ministério da Justiça e no Palácio do Planalto o impasse continuava, pois o governo permaneceu firme na sua decisão de homologar a área indígena Raposa/Serra do Sol apesar da declaração dos invasores de que não deixarão essas terras ocupadas ilegalmente. 0 governo federal decidiu, no velho estilo muito criticado pelo PT, de criar mais uma comissão para estudar uma solução para o assunto, isto é, para definir alguma forma de compensação aos que desocuparão terras indígenas.
0 governador de Roraima, Flamarion Portela, chegou atrasado quinze minutos ao encontro com o Ministro da justiça, Márcio Thomas Bastos, e ainda teve que esperar meia hora, junto a sua comitiva de assessores e de quase toda a bancada de Roraima no Congresso, para iniciar as negociações.
Do lado do governo federal, além do ministro da justiça estavam lá o Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles; o Diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda; o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, o diretor executivo do Incra, Roberto Kiel, além de funcionários da Casa Civil e assessores jurídicos.
Depois de duas horas e meia, o Ministro e o Governador de Roraima foram até o Palácio do Planalto para um encontro com o Presidente Lula, enquanto as equipes do governo federal e a bancada parlamentar de Roraima aguardavam na mesma sala.
A conversa no Ministério da Justiça concentrou-se nas compensações para os agricultores que deverão sair das terras indígenas diante da decisão de homologá-las, última etapa de um processo de legalização dessa reserva no extremo norte do País, na fronteira com a Venezuela e a Guiana.

A Crítica, 10/01/2004, p. C1

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