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Estou sob a ira dos movimentos sociais, diz juiz

OESP, Nacional, p.A12
02 de Mar de 2005

Estou sob a ira dos movimentos sociais, diz juiz
Decisões polêmicas levaram Castro Junior, da Justiça Federal em Marabá a enfrentar representação
Do alto de seu poder, que não é pequeno - é o único juiz federal no sul-sudeste do Pará, uma conflitada região de 39 municípios, com mais de 500 mortes por questões de terra nos últimos 20 anos - o maranhense Francisco de Assis Garcês Castro Junior, 36 anos, que não se deixa fotografar, é um ferrenho defensor da letra fria da lei, independentemente da dura realidade que o cerca. "Dizem que eu sou legalista, mas eu prefiro dizer que sou normalista", diz, temo e gravata impecáveis.
No caso dele, o cerco da realidade é literal. Exatamente em frente à sua porta de entrada da Justiça Federal de Marabá, onde despacha no conforto de um bom gabinete com ar condicionado, espraia-se, há mais de dois anos, um miserável acampamento de trabalhadores rurais que querem terra. São 300 famílias. Por ironia, seu outro vizinho é o Incra. "É uma vergonha nós estarmos passando essa necessidade toda bem na cara deles", diz Felintro Pereira, coordenador de um dos grupos de famílias.
Raimundo Nonato Alves, Ozeas Heliotério Silva, e Oníssimo Ferreira de Medeiros, também coordenadores de outros grupos acampados, fazem desabafos semelhantes. São todos ligados à Fetagri de Marabá.
Mesmo vendo aquilo todo dia, o juiz federal substituto, que já foi oficial de justiça e promotor, não se deixa influenciar. "A reforma agrária não é um direito, mas apenas um benefício; direito, e fundamental, é o da propriedade", afirma, achando que "essa reforma agrária está toda errada". Para ele, o problema está no cadastramento dos acampados e assentados e não nos latifúndios improdutivos.
Seus 15 minutos de holofote foram acesos com as investigações sobre o assassinato da irmã Dorothy Stang, quando veio a público que se declarou incompetente para decretar a prisão do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, pedida pela Polícia Federal em julho do ano passado, por provadas e comprovadas acusações de trabalho escravo e crimes ambientais.
Decisões
A seu entendimento jurídico, o caso não era com a Justiça Federal, e sim com a Justiça estadual. É questão discutível, já que há decisões diametralmente opostas inclusive do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região, ao qual está jurisdicionado- mas assim ele entendeu. Bida ficou solto. Agora, foragido, é apontado pela polícia como suposto mandante do assassinato da irmã.
Castro Junior tomou outra decisão polêmica em relação a Anapu, a cidade onde Dorothy foi assassinada; em 30 de janeiro de 2004, revogou, parcialmente, ex-officio, ou seja, sem ninguém pedir, uma decisão judicial que autorizava o Incra a imitir-se na posse de imóveis da União em mãos de grileiros. Em uma das áreas em que o Incra foi proibido de tomar posse estava sendo instalado o primeiro Projeto de Desenvolvimento Sustentado administrado por trabalhadores rurais. À época, o bispo do Xingu, d. Erwin Krautler fez a seguinte declaração: "Escancaram-se mais uma vez as portas para os conflitos, não excluindo a possibilidade de ocorrerem outras mortes." O juiz defende as duas decisões. "Eu cumpri a lei, dentro das minhas convicções pessoais, e estou absolutamente tranqüilo", diz.
Representação
Por essas e outras decisões polêmicas, Castro Junior é alvo de representação na corregedoria geral do TRF- 1. Ela foi protocolada em outubro do ano passado pelas organizações não-governamentais Justiça Global, de São Paulo, e Terra de Direitos, de Curitiba. Assinada pelos respectivos coordenadores, Andressa Caldas e Darci Frigo, está nas mãos da desembargadora-corregedora Assussete Dumont Reis Magalhães.
Segundo a representação, decisões proferidas pelo magistrado "têm contribuído de forma decisiva no acirramento dos conflitos na região", além de demonstrarem, vistas em conjunto, "profundo sentimento de parcialidade no que se refere as ações ligadas à questão agrária". As ONGs apontam, no documento, que as decisões do juiz "têm afetado a questão agrária em três aspectos fundamentais: impunidade de mandantes de assassinatos de trabalhadores rurais, acirramento dos conflitos ante o deferimento de liminares em situações graves e, ainda, pelo estabelecimento de entraves necessários aos processos de desapropriação ou outros relacionados à arrecadação de terras para fins de reforma agrária".
"Essa representação, à qual já apresentei a minha defesa, é uma represália desses chamados movimentos sociais locais, que usam o nome dessas ONGs porque não querem aparecer", diz o juiz. "Estou sob a ira desses movimentos, porque não se conformam com decisões que tomei, das quais não me arrependo, nem daquelas que foram reformadas pelo tribunal". Luiz Maklouf Carvalho

Denúncias foram entregues a relator da ONU
Ao contrário do que diz o juiz federal substituto Francisco de Assis Garcês Castro Junior, as entidades locais que o atacam não só querem aparecer, como aparecem. Em outubro do ano passado, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos e Federação dos Trabalhadores na Agricultura distribuíram uma nota pública informando que as denúncias contra o juiz seriam entregues, como foram, ao relator da Organização das Nações Unidas, o argentino Leandro Despouy, à época em Belém para participar de reunião com membros Poder Judiciário e do Ministério Público. "O magistrado tem uma postura deliberadamente contrária à luta dos movimentos sociais e a favor dos interesses do latifúndio", diz a nota.
Mais recentemente, em 17 de fevereiro último, frei Xavier Plassat e o advogado José Batista Gonçalves Afonso, das CPTs de Araguaína e Marabá, ambos ameaçados de morte, denunciaram o juiz à Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo (Conatrae), por "decisões que têm contribuído para o retrocesso no combate a esta chaga que envergonha o País". Batista, um dos integrantes da lista de ameaçados de morte, está sendo processado pela Justiça Federal de Marabá sob a acusação de ter invadido a sede do Incra. "Eu estava lá como advogado, para defender os trabalhadores", diz. O processo havia sido suspenso, mas Castro Junior revogou a decisão. o L.M.C.
OESP, 02/03/2005, p. A12

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