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06 de Fev de 2025
Entidades indígenas e ambientais criticam aval de Lula para pesquisa na Margem Equatorial: 'Impactos irreversíveis'
Compromisso foi firmado pelo presidente com o recém-eleito presidente do Senado, Davi Alcolumbre
Luis Felipe Azevedo
06/02/2025
Diferentes entidades ambientais e indígenas se manifestaram contra a sinalização por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que vai destravar a proibição de pesquisas na região da Foz do Amazonas, que integra a Margem Equatorial. O compromisso foi firmado pelo petista com o recém-eleito presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.
O tema enfrenta resistência entre especialistas e até da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, além de dividir alas do próprio governo às vésperas de o país sediar a COP-30, em novembro. Estima-se que na Margem Equatorial, que se estende por mais de 2,2 mil km, do Rio Grande do Norte até o Amapá, estado de Alcolumbre, existam reservas de 30 bilhões de barris de petróleo.
- Queremos o petróleo, porque ele ainda vai existir por muito tempo. Temos que utilizar o petróleo para fazer a nossa transição energética, que vai precisar de muito dinheiro. A gente tem perto de nós a Guiana e o Suriname pesquisando o petróleo muito próximo a nossa Margem Equatorial - disse Lula esta semana.
A intenção do governo, porém, passou a ser criticada por vários órgãos desde então. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por exemplo, afirmou que projetos como esse "não só ameaçam a vida dos povos originários, mas também causam danos ambientais irreversíveis, destruindo florestas, contaminando rios e comprometendo o futuro das próximas gerações".
- A luta pelos direitos indígenas e pela preservação da Amazônia não pode ser minada por interesses que ignoram a vida e a dignidade dos povos originários - disse Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab.
Já a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp) avaliou que "é contraditório apoiar o empreendimento que mais emite gases poluentes no mundo e acelera a crise climática após o Brasil ter apresentado na COP29 a NDC que, pela primeira vez, cita a eliminação total do uso de combustíveis fósseis no país".
- É contraditório também, nesse processo, não garantir o direito dos povos indígenas à consulta prévia e o diálogo direto; nos preocupa, pois a base que vai dar apoio a possíveis desastres desse projeto não está localizada e nem abrange o estado do Amapá - frisou Luene Karipuna, coordenadora-executiva da entidade.
A Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) afirmou, por sua vez, reclamou que a Petrobras "estuda a região há pelo menos dois anos, mas até o momento não consultou os quilombolas e demais povos que vivem próximo ao local e temem que suas comunidades sejam prejudicadas". "A biodiversidade e as vidas humanas que ali vivem podem sofrer impactos irreversíveis", acrescentou a Conaq.
Presidente da Iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis, Kumi Naidoo classificou os movimentos do governo como "um escárnio" e "uma decisão que está pingando óleo sujo", por entregar "à indústria petrolífera uma das áreas mais importantes do mundo para a proteção climática". Ele também opinou que "líderes progressistas como Lula devem se levantar e honrar em casa a imagem que desejam projetar internacionalmente".
- É desrespeitoso com os cidadãos brasileiros e ultrajante com as comunidades tradicionais locais e povos indígenas em todo o país, na Amazônia e no mundo, que têm sido consistentes e claros de que a expansão de indústrias extrativas como esses projetos de petróleo ameaça sua soberania, seus territórios, suas culturas e, de fato, toda a vida na Terra - reforçou Naidoo.
Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe, seguiu caminho semelhante e afirmou que "o governo brasileiro precisa decidir se vai trabalhar para a sobrevivência do planeta e daqueles que são mais vulneráveis à emergência climática, ou vai continuar com discursos e ações contraditórias".
- Abrir as portas da Amazônia para a exploração de combustíveis fósseis, além de colocar em risco as comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, vai contra o próprio discurso de preservar a Amazônia para ajudar a regular o clima do planeta - argumentou.
Veja abaixo outros posicionamentos de entidades ambientes e indígenas
Ricardo Fujii, especialista em Conservação da WWF-Brasil
"Avançar na exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um erro estratégico pois desvia o país de suas vantagens competitivas em energias renováveis, de baixo custo e baixo impacto ambiental, priorizando a produção de petróleo para exportação num mercado já saturado e no qual há competidores capazes de produzir a custos menores e com menor pegada de carbono, como é o caso da Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes. Isso fará com que esses investimentos não se paguem e que seja desperdiçada a chance do Brasil liderar a transição energética em nível mundial. Além disso, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas é desnecessária para atender às necessidades energéticas do Brasil dentro de uma trajetória alinhada ao limite de 1,5oC de aquecimento global. Investir na Margem Equatorial pode acarretar significativos impactos socioambientais na região, inclusive sobre a atividade de pesca artesanal e industrial, importante para a economia da costa norte do país".
Suely Araujo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima
"Não deveria haver emissão de qualquer licença ambiental no grito. O Ibama já emitiu mais de 2 mil licenças de perfuração offshore. Está negando uma e ela virou bandeira para um 'liberou geral' na Margem Equatorial. A região do bloco 59 é ambientalmente muito sensível e com correntes fortíssimas. Os técnicos do Ibama têm apontado há anos os problemas associados a essas condições. Se o governo fizesse avaliações ambientais das áreas sedimentares, previstas desde 2012, a bacia da Foz do Amazonas já teria sido qualificada como inapta para a produção de petróleo".
Mauro Armelin, diretor-executivo da Amigos da Terra-Amazônia Brasileira
"Recebemos com preocupação a notícia de que a Foz do Amazonas pode ser usada como moeda na reforma política, jogando para o fundo do poço todas as regras do licenciamento estabelecidas. A decisão de acelerar esse processo sem seguir os devidos trâmites legais e pareceres técnicos do IBAMA enfraquece o sistema de regras e normas de licenciamento ambiental. Em um ano em que o Brasil recebe o mundo para rever as metas de emissões globais, o país sede arrisca a biodiversidade para emitir mais carbono".
Valma Teles, diretora-executiva do Observatório do Marajó
"A exploração de petróleo na foz do Amazonas é um desrespeito aos direitos humanos das comunidades locais, incluindo o direito à terra, à água e à saúde. A Petrobrás querer apressar a aprovação de um projeto cheio de riscos socioambientais e que não tem legitimidade popular nos territórios para evitar se queimar na COP30 é querer fazer nós, povos das florestas e águas, e também o mundo todo de bobo. Cadê o investimento em outra matriz energética? Cadê as soluções descentralizadas? Não queremos assumir os riscos das promessas que não se cumprem e continuar adiando as políticas adequadas para uma verdadeira transição energética."
Sila Mesquita, coordenadora nacional da Rede de Trabalho Amazônico (GTA)
"A liberação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um grave retrocesso para a agenda socioambiental do Brasil. O bioma amazônico e as populações que 4 dele dependem não podem ser sacrificados em nome de interesses econômicos que acentuam os problemas socioambientais e trazem mais concentração de renda para poucos. A Rede GTA se posiciona veementemente contra essa decisão e reforça a necessidade de investimentos em uma economia sustentável, que respeite a biodiversidade e os direitos das comunidades tradicionais".
André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
"É inconcebível dar aval a iniciativas que irão piorar o colapso climático da Terra e, assim, ceifar milhões de vidas. O Brasil já liderou a valorização de florestas como parte da resposta para o equilíbrio do planeta, junto à transição para longe dos combustíveis fósseis. Portanto, podemos liderar, também, a criação de 'royalties verdes' visando a compensação financeira de Estados nacionais e subnacionais para não mais explorar o petróleo que está, pelas mãos da natureza, em seus subsolos, em prol desta mesma natureza, da nossa e das futuras gerações".
Rosana Santos, diretora-executiva do think tank Instituto E+ Transição Energética
"A possibilidade de o país iniciar novos ciclos de investimentos na produção de petróleo e gás vai na contramão das necessidades impostas pelo cenário climático, na medida em que prolongaria a expansão de uma infraestrutura de longa vida útil associada a uma alta taxa de emissão de poluentes, tornando ainda mais difícil uma transição efetiva para infraestruturas e uso de fontes de energia menos carbono-intensivas. Além disso, decisões de investimentos tomadas hoje tendem a se concretizar apenas em médio prazo, quando as fontes fósseis devem estar perdendo espaço em favor do protagonismo da energia limpa e de outras soluções de descarbonização. Tais decisões, portanto, acabariam por acentuar nosso lock in tecnológico em investimentos que dificilmente serão recuperados. Pelo contrário, além do phase-out gradativo da exploração e produção de combustíveis fósseis, precisamos justamente seguir em direção a esse protagonismo climático, pois, para o Brasil, riquíssimo em recursos naturais e humanos, o protagonismo climático é, além de correto em termos de salvação do planeta, uma oportunidade de início de um novo ciclo de desenvolvimento, baseado na economia verde e na conquista de mercados demandantes por produtos de baixas emissões de gases de efeito estufa".
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa
"A decisão de liberar a exploração de petróleo na foz do Amazonas é inaceitável e coloca o Brasil no rumo errado da história. O governo precisa abandonar de uma vez por todas a política de expansão de combustíveis fósseis e focar na transição para uma economia de baixo carbono. Não há mais espaço para esse tipo de aposta suja e arriscada-nem para o clima, nem para a biodiversidade, nem para 5 as comunidades locais. O Brasil tem tudo para liderar a revolução energética global, mas só conseguirá se parar de ceder ao lobby do petróleo e assumir de fato um compromisso com o futuro"
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA)
"No ano em que o mundo celebra uma década do Acordo de Paris e a ciência aponta que a única forma de cumprir as metas climáticas globais é abandonar a exploração de combustíveis fósseis, o anúncio do governo brasileiro de confirmar a exploração de petróleo na foz do Amazonas é, no mínimo, contraditório e alarmante. Essa decisão não apenas desconsidera o consenso científico, mas também coloca em risco a credibilidade do Brasil como líder da COP. É importante destacar que o licenciamento ambiental não pode ter ingerência política. O Ibama, baseado em análises técnicas robustas, já alertou sobre a extrema sensibilidade ambiental da região. A foz do Amazonas abriga ecossistemas críticos, como manguezais, áreas úmidas e restingas, além de ser território de povos indígenas que dependem desses ecossistemas para sua sobrevivência e cultura. Ignorar esses alertas é um retrocesso inaceitável em um momento em que o país deveria dar exemplo de compromisso com a sustentabilidade".
Mariana Andrade, coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil
"Ao insistir na exploração de petróleo na Foz do Amazonas, o presidente Lula defende um projeto econômico insustentável, baseado em um modelo extrativista ultrapassado, socialmente excludente e ambientalmente predatório. Apostar no petróleo como motor da transição energética não apenas contradiz os compromissos climáticos do Brasil, mas também coloca em risco ecossistemas marinhos e costeiros de valor inestimável. Ainda que a região da Foz do Amazonas seja alvo da exploração de petróleo e gás há anos, a extração de petróleo na Margem Equatorial ampliaria as emissões de gás carbônico, distanciando o Brasil do protagonismo climático global em um momento decisivo para a agenda ambiental. E para isso, ao contrário do que Lula afirmou, não há um acordo, pois é um verdadeiro contrassenso que um país que detenha posição tão vantajosa na agenda ambiental como o Brasil se preste a defender a exploração inconsequente de uma área de tamanha sensibilidade socioambiental".
Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional
"A exploração de petróleo na Foz do Amazonas contraria a vocação do Brasil como líder na construção de uma estratégia global contra as crises climática e da biodiversidade, na qual as soluções baseadas na natureza devem ser protagonistas. Os manguezais da Amazônia brasileira armazenam até quatro vezes mais carbono que a floresta tropical, desempenhando um papel crucial na 6 regulação do clima. Além disso, as populações tradicionais dependem desse bioma para sua subsistência e são peças-chave na sua conservação. Os riscos dessa exploração superam qualquer possível benefício econômico. Combustíveis fósseis estão no centro da crise climática, e novas explorações impulsionam ainda mais o aquecimento global, ultrapassando pontos de não retorno. Eventos climáticos extremos já custaram ao mundo US$ 94 trilhões em infraestrutura nos últimos 20 anos, e a tendência é de agravamento. Até 2030, o número de pessoas impactadas por enchentes pode dobrar, enquanto as áreas urbanas atingidas por chuvas extremas devem triplicar. Além disso, a área privada afetada pelo aumento do nível do mar poderá ser até dez vezes maior. Os benefícios coletivos são esvaziados nesse novo cenário. Enfrentaremos eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes, com impactos econômicos e sociais severos, à medida que afetam infraestruturas, a agricultura, a biodiversidade, a saúde da população - e, acima de tudo, colocando vidas em risco".
Carolina Marçal, coordenadora de projetos Instituto ClimaInfo
"O Brasil tem o potencial de moldar a agenda climática global. No entanto, enquanto o mundo precisa de um acordo global para eliminação dos fósseis, o país avança na abertura de um novo poço na Amazônia, uma área sensível para o clima e a biodiversidade que, diante do agravamento da crise climática, deveria se tornar uma zona de proteção. Ao contrário do prometido, a exploração de petróleo não traz desenvolvimento local, essa é uma atividade que historicamente concentra renda, é ambientalmente predatória e socialmente excludente. O Brasil pode ser gigante sem precisar desse óleo e se tornar uma superpotência verde ao direcionar investimentos e políticas públicas para viabilizar a expansão das renováveis de forma justa e o desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis." Lideranças da sociedade civil e de organizações indígenas se manifestaram nesta quarta-feira, 5/2, sobre a inviabilidade e a contradição de explorar petróleo na chamada Margem Equatorial, região que abrange as bacias sedimentares de Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar".
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/02/06/entida…
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