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Energia - o desprezo pela experiência

O Estado de São Paulo, Espaço Aberto, p. A2 (São Paulo - SP)
Autor: NOVAES, Washington
24 de Ago de 2001

Não há nada mais frustrante e cansativo que os sistemáticos desprezo pela experiência e a conseqüente repetição de erros, sempre com altíssimos custos, que a sociedade tem de pagar. Com a chamada "crise de energia", continua a ser assim.
Aproveitam-se a emergência e o susto da sociedade, por exemplo, para afrouxar as legislações ambientais no licenciamento de novas unidades produtoras, como se essas exigências tivessem alguma culpa pelo que aconteceu. Ou para tentar autorizar bem depressinha as obras de Angra 3, no momento em que quase o mundo todo renuncia à energia nuclear. Ou ainda para a Eletronorte anunciar que no fim deste ano estará pronto, para ser "iniciado rapidamente" (Estado, 31/7), o projeto de construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, com 11 mil MW e investimento de US$ 6 bilhões.
Segundo os técnicos da empresa, já "é esperada a oposição de grupos ambientalistas, porque não há uma legislação no País pertinente à questão".
Ora, vejam! O Congresso perde tanto tempo preparando leis, o Conselho Nacional do Meio Ambiente discute durante anos os regulamentos, o Ibama implanta complexas estruturas para examinar estudos de impacto ambiental e agora se fica sabendo que não há uma "legislação pertinente"! Por que, então, se cuidou há poucas semanas de afrouxá-la?
Belo Monte tem história antiga. E já precisou até mudar de nome - chamava-se Kararaô -, na tentativa de vencer a resistência que provocou desde que foi anunciada, na década de 1980, prevendo - todo o complexo projetado para o rio - a inundação de 18 mil km2 de terras indígenas. A oposição foi muito forte. Um estudo coordenado pela Comissão Pró-Índio, de São Paulo, com a colaboração de uns 20 especialistas, mostrou que "toda a bacia do Xingu sofrerá modificações ecológicas, demográficas e econômicas que estão sendo subestimadas, ignoradas ou ocultadas".
Agora, o que virá no novo projeto, que ainda não se conhece?
Já naquela ocasião, fim da década de 1980, muitos especialistas recomendavam que o Brasil abandonasse seus projetos megalomaníacos e se dedicasse com afinco a uma revisão de sua matriz energética. Principalmente, que olhasse para o exemplo dos EUA.
O autor destas linhas mesmo, em artigo no Jornal do Brasil (10/7/1988), mencionava estudo dos cientistas Arthur D. Rosenfeld e David Hafemeister, publicado na Scientific American de abril daquele ano, mostrando que após o choque do petróleo de 1973, nos 15 anos que se seguiram, os EUA viram seu PIB crescer 35% sem aumentar em um só kilowatt o consumo de energia - economizando US$ 150 bilhões/ano, aos quais julgavam possível acrescentar mais US$ 50 bilhões anuais. E como se fez isso? Mudando a matriz energética.
E introduzindo equipamentos industriais e domésticos mais eficientes, produzindo veículos mais econômicos, por aí. Os autores concluíam haverem os EUA descoberto que economizar um kilowatt podia custar até sete vezes menos que produzir um kilowatt "novo".
Mas, enquanto isso, o que planejava o Brasil? Expandir sua potência instalada, de 47 mil para 160 mil MW em 2010, investindo quase US$ 200 bilhões. Coisa de rico, não de pobre como os norte-americanos. Não adiantou um consultor da Eletrobrás - Howard Geller, já mencionado neste espaço - advertir pouco depois que a prioridade deveria ser a conservação, não a expansão (para a qual faltariam recursos, alertou).
Que essa conservação era possível - e muito - a atual crise está demonstrando, com a economia já verificada. Mas nem por isso se cuida a sério de uma revisão profunda da matriz energética, que tantos especialistas estão recomendando. Tirante o anúncio de que a Petrobrás se transformará em empresa energética (e não tem como fugir, com as mudanças climáticas e o esgotamento dos combustíveis fósseis no horizonte) e investirá em outras fontes (eólica e biomassa), pouco se ouve falar.
Isso na hora em que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente sustenta que as fontes alternativas - biomassa, geotérmica, solar, eólica e hidrelétrica de pequenas fontes - já podem suprir 24% de toda a atual demanda mundial e de 15% a 20% da nova demanda prevista.
O Brasil já tem tecnologia para usinas eólicas, mostrou este jornal há poucas semanas. A biomassa pode ser uma de nossas grandes possibilidades, inclusive por meio do reflorestamento em áreas degradadas. Energia solar não nos falta.
Mas em que estamos pensando? Em tarifaços a serem pagos por todos os consumidores para remunerar o que as distribuidoras deixaram de faturar com a redução do consumo (R$ 12 bilhões, fala-se) ou no atrelamento dos contratos à variação cambial. Em deixar de exportar para vender ao Mercado Atacadista de Energia (MAE), por até dez vezes mais que o preço pago, parte da energia que era consumida pelos setores eletrointensivos (esquecendo que boa parcela deles recebe, nas baixas tarifas que paga, subsídios bancados por toda a sociedade).
Como assinalou neste jornal o diretor do Ilumina, Roberto Pereira D'Araújo, o cidadão comum tem de economizar 20% e ainda corre o risco de pagar sobretarifas. Outros podem vender por até dez vezes mais o que economizaram.
E a Aneel ainda tem de intervir para obrigar a que os agentes do MAE devolvam aos consumidores em geral R$ 150 milhões que lhes foram cobrados durante dois anos para custear a implantação desse sistema - sem que quase nada fosse feito.
Já é abusar da paciência da sociedade.
P. S. - No artigo de sexta-feira passada, houve um engano na parte dos cálculos sobre o consumo de água por suínos. Os números mencionados referem-se ao período de crescimento dos suínos, não ao consumo diário. Peço desculpas aos leitores e ao dr. Cícero Bley Jr. , mencionado no artigo.

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