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Empresa de criptomoedas fez parceria com indígenas para crédito de carbono, e Funai viu riscos

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/07
18 de Jul de 2023

Empresa de criptomoedas fez parceria com indígenas para crédito de carbono, e Funai viu riscos
Empreendimento queria converter créditos em criptoativos a serem vendidos a pessoas físicas; 'decidimos paralisar o projeto', diz sócio

Vinicius Sassine
Manaus
18.jul.2023 às 9h00

Um documento da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), obtido pela Folha, aponta a atuação de uma empresa do mercado de criptomoedas em uma terra indígena no Pará, o que envolveu a elaboração de uma minuta de contrato para geração de créditos de carbono no território. Esses créditos seriam convertidos em criptoativos a serem colocados à venda.
No documento, a Funai recomendou que o contrato não fosse levado adiante e que os suruís aikewaras, da Terra Indígena Sororó, fossem orientados sobre "os riscos inerentes em assumirem tal compromisso", em razão principalmente "do histórico da empresa e de seu representante legal".
A empresa é a Green Forever -com razão social Green Tecnologia Ambiental-, sediada em Parauapebas (PA). Ela integra o grupo a Green Forever Coin, que atua no mercado de criptomoedas, um ativo restrito a ambientes digitais.
A Green Forever Coin lançou um ativo digital -um token utilitário, segundo a empresa- chamado GFCO2, que foi colocado à venda tanto em site da empresa quanto numa campanha de arrecadação. Esse ativo serviria para compensar pegadas de carbono, segundo a divulgação feita.
Após o contato feito pela reportagem, o site da Green Forever Coin, com a oferta do GFCO2, foi retirado do ar. A campanha para venda do ativo, com meta de arrecadação de R$ 1,5 milhão, permanecia no ar até o meio da tarde da última sexta-feira (14).
O contrato com os indígenas foi suspenso, segundo João Álvaro Dias, um dos donos da Green Forever. O território fica em São Geraldo do Araguaia (PA), na divisa com o Tocantins. A cidade está a 185 km de Parauapebas, onde fica a empresa.
"O token utilitário é um bilhete, um cupom. Só tem valor de troca. O que ocorreria é uma tokenização do crédito de carbono. O token ficaria acessível ao varejo, a pessoas físicas, que comprariam para compensar suas pegadas de carbono", disse Dias.
Pelo contrato discutido, os indígenas ficariam com 50% da venda de créditos de carbono; a empresa ficaria com 30%; e outros 20% seriam investidos em ações sociais no território.
Segundo o empresário, o contrato foi apresentado ao MPF (Ministério Público Federal) em Marabá. "Decidimos paralisar o projeto a pedido da comunidade, ainda no ano passado", disse um dos donos da Green Forever.
Créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado. Empresas atuam no mercado voluntário, no qual créditos de carbono são vendidos a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
O que a Green Forever pretendia era vender esses créditos na forma de tokens, a pessoas físicas, com o anúncio de compensação de pegadas de carbono.
"A empresa Green Forever mantém uma página na web onde oferece o que seriam moedas digitais, denominada Green Forever Coin, associada a captação de criptoativo referente ao mercado de crédito de carbono", cita o documento da Funai, de março de 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro (PL). O documento foi encaminhado ao MPF em março deste ano.
O mercado de crédito de carbono ainda não tem uma regulamentação no país. A Funai apontou esse fato como outra razão para o contrato entre Green Forever e aikewaras não ser levado adiante.
"Fizemos várias reuniões para explicar a tokenização de crédito de carbono aos indígenas. E foram feitas consultas públicas. O que ocorre é que a certificação desse crédito é muito demorada", disse Dias, um dos sócios.
O governo Lula (PT) prepara uma regulação, proposta que já existe em projetos em tramitação no Congresso, e quer criar um sistema de mensuração nacional para emitir seus próprios certificados de carbono, a cargo hoje de entidades estrangeiras.
Enquanto regras não são definidas, diversas empresas multiplicaram suas tratativas por geração de créditos de carbono em comunidades tradicionais.
Um documento da Funai de março deste ano, revelado pela Folha em reportagem publicada no último dia 28, apontou um aumento expressivo de processos de comercialização de créditos de carbono no mercado voluntário a partir de 2022.
"As comunidades e lideranças indígenas de várias localidades do país vêm sendo procuradas por empresas e escritórios de advocacia com interesse em apresentar projetos e, em alguns dos casos, chegam a firmar contratos", cita o documento.
No último dia 7, MPF e MP (Ministério Público) do Pará elaboraram uma nota técnica em que afirmam que o mercado de crédito de carbono altera o modo de vida de comunidades tradicionais. No texto, são citadas propostas "ilusórias" de melhora de vida, cláusulas abusivas ou ilegais e negociação de créditos em terras supostamente griladas.
Quinze procuradores da República e sete promotores de Justiça recomendam uma "necessária intervenção estatal" em contratos que envolvam comunidades tradicionais, como reservas extrativistas e terras indígenas. Pelo menos 14 procedimentos no MPF e no MP investigam parcerias do tipo.
Na Terra Indígena Kayapó, por exemplo, o território com mais garimpos ilegais no Brasil, a empresa Carbonext prometeu "milhões de reais" aos indígenas em contrato de geração de crédito de carbono.
A empresa assinou um distrato em seguida, o que frustrou os indígenas. Segundo a Carbonext, não houve promessas e consultas livres foram asseguradas, "com o mais absoluto respeito aos povos originários e às leis".
Empresas do mercado de crédito de carbono seguem buscando comunidades tradicionais. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), na região da fronteira com Colômbia e Venezuela, o secretário municipal do Meio Ambiente, Cleudimar Saldanha, convocou uma assembleia para apresentação de projeto de crédito de carbono neste sábado (15).
A apresentação seria feita por "Eduardo representante do Bank", segundo o convite feito pela Associação Indígena Oca Verde, presidida por Saldanha. Segundo o secretário, a reunião não vai mais ocorrer. Ele não soube dizer que "bank" (banco, em inglês) empreenderia o projeto.
Na região de São Gabriel da Cachoeira estão 23 etnias indígenas. "Não tem uma empresa ainda. Quem vai administrar mesmo é a associação. Vamos adiar a reunião", disse Saldanha. "Estamos nos informando para que não haja violência aos indígenas."

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