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Empreendimentos tropeçam no meio ambiente

OESP, Economia, p. B4
14 de Mar de 2004

Empreendimentos tropeçam no meio ambiente
Vários projetos importantes estão parados, por falta de licença ambiental

RENÉE PEREIRA

Os problemas ambientais têm tirado o sono dos investidores. Grandes empreendimentos de infra-estrutura, de suma importância para o País e que representariam bilhões de reais para a economia, não conseguem sair do papel por causa de entraves ambientais. Alguns estão praticamente abandonados, como o caso da Hidrelétrica Santa Isabel, do consórcio formado por Votorantim e Companhia Vale do Rio Doce. Outros dependem de decisões judiciais para terem as obras retomadas ou de novos estudos que atendam as exigências dos órgãos ambientais. Com isso, inúmeros projetos estão paralisados.
Uma situação preocupante para o País, que há anos não recebe investimento de peso em infra-estrutura. Oportunidades não faltam, mas empresas nacionais e estrangeiras não estão dispostas a injetar dinheiro no setor diante de tanta incerteza regulatória. Elas aguardam as novas regulamentações, como o modelo do setor elétrico e as diretrizes das Parcerias Público-Privadas (PPP) para tomarem alguma decisão. Junta-se a isso o baixo desempenho da economia brasileira, com retração do mercado interno.
Mas a perspectiva de crescimento econômico traz a preocupação de o setor não suportar o aumento da demanda e entrar em colapso por falta de investimento.
O que eleva a importância de retomar os projetos já licenciados pelo governo. Por isso, a disputa entre empreendedores, órgãos ambientais e Ministério Público esquentou nos últimos meses. Segundo as empresas, além da demora, as licenças ambientais se tornaram instrumento político de alguns governos.
Um exemplo é a briga entre a Petrobrás e o governo do Rio de Janeiro. O Estado estaria dificultando a concessão da licença ambiental para a construção de um oleoduto que escoará petróleo da Bacia de Campos até São Paulo. Essas barreiras seriam uma forma de pressão para a companhia construir uma refinaria no Rio. O projeto prevê investimentos de cerca de R$ 4,65 bilhões e vai gerar 34 mil empregos durante a obra.
Problema semelhante atinge a Vale do Rio Doce. Segundo o diretor de meio ambiente da companhia, Maurício Reis, há um ano e meio a empresa tenta obter licença ambiental para a implantação do projeto da exploração da jazida de bauxita de Paragominas, no Pará, cujo investimento está estimado em US$ 271 milhões. "Infelizmente o governo está usando o licenciamento para barganhar outras medidas compensatórias não ligadas ao projeto. Isso é a politização do processo ambiental."
Em São Paulo, as obras dos trechos do Rodoanel Leste, Sul e Norte, importantes para desafogar o tráfego da capital, também estão paradas.
Várias liminares impediram a realização de audiências públicas para avaliar a obra. Além disso, há uma discussão judicial sobre quem deve avaliar o projeto, se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), ou a secretaria estadual, que vinha dando andamento ao processo. Segundo o secretário de Estado do Transporte de São Paulo, Dario Rais Lopes, um novo estudo ambiental do trecho Sul será apresentado nos próximos meses.
No Porto de Santos, dois terminais também aguardam o licenciamento ambiental. Um será voltado para veículos com destino à exportação e outro para grãos. O atraso no processo poderá representar problemas graves para as montadoras e empresas de agrobusiness. Segundo fontes, o projeto precisa ser concluído até o início do ano que vem para atender, por exemplo, a exportação do Fox.
Outra obra importante é a duplicação da BR-116, a Régis Bittencourt, cujo processo de licenciamento foi prejudicado por decisão judicial. O Ibama conseguiu derrubar a liminar, mas a ação continua tramitando. Segundo o diretor-substituto de licenciamento e qualidade ambiental do Ibama, Luiz Felipe Kunz Jr., a viabilidade do projeto já foi aceita.
Energia - Os maiores entraves no processo ambiental, no entanto, estão no setor de energia. As hidrelétricas são as mais afetadas pela demora no licenciamento. Das 31 usinas com o cronograma atrasado, 17 têm algum impedimento ambiental, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Além do aspecto ambiental, a inundação de grandes áreas também tem impacto social. Na maioria dos casos, as empresas precisam deslocar comunidades inteiras para construírem barragens e represas. Por isso, o objetivo do Ministério de Minas e Energia é dar a concessão de usinas com licença prévia.
Na avaliação do responsável pelo meio ambiente da Alusa, Ruddi Pereira de Souza, hoje o maior desafio é conseguir encontrar um equilíbrio entre o progresso e a preservação do meio ambiente. "Com a escassez de recursos, a obtenção de licenças ambientais está cada vez mais difícil." A tarefa, no entanto, não é fácil. Alguns grupos estão praticamente desistindo de projetos por causa das dificuldades ambientais.
O consórcio Gesai, formado por Votorantim, Camargo Corrêa, Alcoa, BHP Billiton e Vale, por exemplo, já pediu a devolução da concessão da hidrelétrica Santa Isabel, com capacidade para gerar 1.080 megawatts (MW) de energia. Licitada em dezembro de 2001, até hoje a usina não conseguiu nenhuma licença ambiental.
O projeto de Santa Isabel é bastante complexo. A usina foi originalmente planejada para produzir 2.245 MW, mas acabou dividida em duas para diminuir os impactos ambientais. Apesar disso, a região inundada afeta áreas do parque estadual Serra dos Martírios. Segundo Kunz Jr., o projeto apresentado pelo consórcio não foi suficiente e, por isso, o órgão solicitou novos estudos.
A Alcan também está com problemas de licenciamento. As obras da usina Candonga foram concluídas há dois meses, mas a empresa não consegue autorização para operação. Segundo o diretor de energia da Alcan, Cláudio Campos, o Ibama fez uma lista de exigências para encher o lago da usina.
Para os órgãos ambientais, parte da culpa dos atrasos nas licenças é das empresas, que não preparam estudos com cautela. Segundo Kunz, os órgãos estão mudando suas estruturas para atender aos pedidos sem atrasos. "Mas a agilidade não pode sobrepor os cuidados diante dos impactos ambientais e sociais." As secretarias estaduais também estão melhorando seus sistemas para diminuir os prazos de licenciamento.
Em meio aos inúmeros problemas, na quinta-feira a Justiça Federal conseguiu derrubar decisão judicial que impedia a continuidade das obras para a construção de duas barragens no Sistema Alto Tietê, na região de Mogi das Cruzes.

OESP, 14/03/2004, Economia, p. B4

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