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Empreendimentos ameaçam emparedar Parque Burle Marx e cortar 5 mil árvores

OESP, Metrópole, p. A17-A19
09 de Mar de 2014

Empreendimentos ameaçam emparedar Parque Burle Marx e cortar 5 mil árvores
Última reserva de Mata Atlântica às margens do Rio Pinheiros já tem plantas com marcação para derrubada

BRUNO RIBEIRO, DIEGO ZANCHETTA - O Estado de S.Paulo

A última reserva de Mata Atlântica às margens do Rio Pinheiros, na zona sul de São Paulo, está marcada para morrer. São cerca de 5 mil árvores, numeradas uma a uma, com placas de ferro, em uma área de proteção ambiental de 717 mil metros quadrados, vizinha do Parque Burle Marx, no Panamby.
Um dos terrenos com mata fechada ainda abriga cursos d'água e espécies raras de árvores, algumas com mais de 50 anos. Segundo representação feita por moradores da região ao Ministério Público Estadual (MPE), esse respiro verde vai dar lugar a dois empreendimentos com 16 torres, criando um paredão ao redor do parque, tombado pelo patrimônio histórico desde 1994.
O promotor do Meio Ambiente José Roberto Rochel instaurou inquérito civil para apurar denúncia de que o desmatamento teve início no mês passado. A área pertencia ao Fundo Imobiliário Panamby, gerido pelo Banco Brascan, e foi fatiada em duas partes: uma delas foi vendida para a Cyrela e outra para a Camargo Corrêa.
Um alvará para nova construção na parte do terreno que pertence à Camargo Corrêa já tramita na Prefeitura. Em julho de 2013, o governo indeferiu um pedido para obras na área, mas a empresa continua tentando obter a licença.
As duas incorporadoras confirmam a intenção de ocupar os terrenos, mas garantem que vão respeitar a legislação ambiental.
Os terrenos estão em área inundável de várzea e eram parte da bacia do Rio Pinheiros. Os registros do Departamento de Áreas Verdes (Depave) da Prefeitura apontam os terrenos como de proteção permanente. Mesmo assim, em 2003 o governo municipal concedeu uma autorização para a edificação da área. No caso da Camargo Corrêa, são necessárias ainda as licenças ambientais para o início do desmatamento.
A Cyrela ainda não fez o pedido de licença para construção no terreno que fica bem na frente do Parque Burle Marx. Mas moradores vizinhos da área relatam ao MPE, com fotos e vídeos, um suposto desmatamento que teria sido iniciado em fevereiro pela empresa Agrotexas Ambiental, que nega a acusação.
Roberto Delmanto, advogado que representa três associações de moradores da região e morador do Panamby, conseguiu fotos e plantas do megaempreendimento planejado na área - seriam torres e também um shopping center.
"Quem entra na floresta do terreno observa claramente que estão abrindo clareiras, para tentar descaracterizar a Mata Atlântica. Isso é uma prática comum do mercado antes de fazer o pedido de licença. Aí, quando vier alguém da Prefeitura fazer o laudo das espécies, vão ver bem menos árvores", afirma o advogado.
Ameaça. Moradores do Morumbi temem os riscos do corte de mais de 5 mil árvores em uma área onde já foi autorizado, em junho do ano passado, a retirada de 1.787 árvores para a construção do Condomínio Parque Global, empreendimento da empresa Bueno Neto. Eles estão enviando à Prefeitura laudos feitos por botânicos e geólogos que apontam a impermeabilização de uma área inundável às margens do Rio Pinheiros.
"Essa é a última faixa de mata nativa que existe entre a Represa do Guarapiranga e o Rio Pinheiros. É uma floresta que pertence a todos, que não pode ser transformada em jardins particulares", alega a urbanista Helena Caldeira, da Associação Morumbi Melhor.
"A Prefeitura não pode permitir que o mercado imobiliário traga para esse lado do Pinheiros, em uma área de preservação, o mesmo adensamento que foi feito do outro lado, ao longo da Avenida Chucre Zaidan", diz a urbanista.
As outras duas entidades que tentam barrar os empreendimentos no entorno do Parque Burle Marx são o Defenda São Paulo e a Associação Amigos do Panamby. Para frear a autorização aos novos prédios, elas ainda apontam como agravante o fato de a região do Panamby ter liderado o desmatamento autorizado em São Paulo na última década - o distrito da Vila Andrade, onde está o bairro, perdeu milhares de árvores para dar lugar a novos prédios desde janeiro de 2005.

Áreas preservam fauna e flora de Mata Atlântica
Laudos feitos a pedido de moradores revelam existência de vasta biodiversidade; há suspeita até de alteração de cursos d'água

Bruno Ribeiro e Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

Uma curta caminhada pela área de mata virgem localizada entre a entrada do Parque Burle Marx, na zona sul de São Paulo, e a Marginal do Pinheiros, em um dos terrenos ameaçados pelos megaempreendimentos, já permite esquecer que se está no coração da maior cidade do País. O barulho do curso da água, dos pássaros e dos insetos combina com a abundância de árvores, indicando que ali há uma rica diversidade de fauna e flora - isso tudo a menos de 200 metros do trânsito da Marginal do Pinheiros.

O Estado fez uma visita ao terreno na quinta-feira passada, guiado pelo advogado Roberto Delmanto, autor da representação feita em nome de três associações de moradores dos bairros da região ao Ministério Público Estadual (MPE) sobre o caso. "Construíram um muro aqui, ninguém sabe quem, para represar a água. A presença de nascentes e cursos d'água é um dos pontos que pode inviabilizar a destruição do terreno", diz o advogado.

Há um muro de concreto nas bordas de um dos lotes do terreno. A área atrás dele tem nível maior do que a parte da frente. "Aterraram tudo", afirma Delmanto. Mas, logo depois dessa área mais alta, há um brejo, com água limpa e vegetação, cercada por árvores marcadas com plaquinhas metálicas.

"Impressiona a sobrevivência de fauna típica das formações alagáveis, como a presença de moluscos, pequenos peixes e até aves aquáticas nidificando como a marreca-caneleira, ainda mais levando em consideração a presença das poluídas Marginais com seu tráfego pesado e o morto Rio Pinheiros", escreveu o botânico Ricardo Cardim, autor de um laudo pericial sobre a vegetação da área anexada à representação feita pelos moradores ao MPE.

O laudo tem fotos de macrófitas, vegetação aquática que sobrevive ali porque há água limpa, e chega a ter imagens de um ninho com 11 ovos de uma espécie de pato que ainda sobrevive na região. Há até imagens de "pequenos peixes" que estão na água selvagem. Mas o trabalho é focado nas espécies de Mata Atlântica do local: jacatirãos, copaíbas, paus-violas, orquídeas nativas (uma raridade, segundo o laudo), jerivás, línguas-de-tucano mirins e figueiras-bravas, só para citar alguns exemplos.

"A área avaliada contempla diversos elementos importantes de uma biodiversidade original da cidade de São Paulo. Entretanto, dentre esses elementos, um deles apresenta imenso valor ambiental e histórico para os paulistanos: os trechos remanescentes das várzeas e florestas inundáveis do Rio Pinheiros, únicos sobreviventes dessa formação ecológica tão dilapidada", diz a conclusão do laudo. "Preservar tal área, em sua totalidade, é de suma importância", diz o botânico.

Ocupação. O outro terreno ameaçado é menos conservado. Ali, já não há vegetação rasteira ao redor das árvores marcadas com medalhas numeradas. Também não há sinal de água correndo por ali.

Quem passa pela Avenida Dona Helena Pereira de Morais, que liga a Marginal do Pinheiros ao Panamby, tem a falsa impressão de que a área é preservada. Isso porque a mata nas bordas do terreno foi mantida intacta - a vegetação foi retirada no miolo do terreno.

Hidrografia. Além do laudo botânico assinado por Ricardo Cardim, as associações contrataram um estudo hidrográfico da região, feito pelo geólogo Sergio Kleinfelder Rodriguez.

O estudo afirma que o terreno foi alterado para ocultar cursos d'água. "Pela topografia da região, há cursos d'água nesse terreno. Mas há talures e tubos ali que indicam que as nascentes ali foram aterradas", diz o pesquisador.
O laudo detalhado do terreno deve ficar pronto na semana que vem.

Prefeitura diz que ainda não autorizou derrubada no local
Mas administração não afasta possibilidade de liberar obras e já pediu informações ao Ministério Público

Bruno Ribeiro e Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente afirma que não há nenhuma autorização concedida pelo poder público que permita a derrubada de árvores nos terrenos citados nesta reportagem. Segundo a Pasta, a Prefeitura já enviou ao Ministério Público Estadual (MPE) informações solicitadas pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente para o inquérito que apura o caso. O MPE afirma que as informações ainda não chegaram ao órgão.

A secretaria, entretanto, não afasta a possibilidade de liberar obras no local. "Referente à construção das duas torres em frente ao Parque Burle Marx (empreendimento da Camargo Corrêa), foi emitido comunique-se no qual solicitamos adequar as plantas para nova análise da emissão do parecer técnico. Portanto, até o momento, não existe autorização nenhuma para o corte de árvores no terreno, assim como não foi constatado córrego ou nascente no local", afirma a pasta.

Sobre o terreno do projeto da Cyrela, a Prefeitura informou que "existe um processo administrativo, que atualmente está em análise. Até o momento, não foi emitida nenhuma autorização de manejo arbóreo para esta área", diz a Prefeitura.

Construtoras. As duas construtoras citadas confirmam a intenção de construir torres nas áreas. Ambas, no entanto, afirmam que vão respeitar a legislação ambiental.

A Cyrela informa, também em nota, que o Fundo Panamby pretende empreender "em apenas três dos lotes e que serão inteiramente preservados os quatro demais lotes nos quais está localizado o curso de água existente".

Segundo a empresa, as plaquinhas que tanto assustam os moradores da região fazem parte do catálogo que está sendo feito das espécies da região. "A única atividade que (a Cyrela) realizou no local foi catalogar os exemplares arbóreos, o que implica somente levantamento e cadastramento das espécies existentes, relatório este que é exigido pela Prefeitura no processo de aprovação do empreendimento em curso. É importante ressaltar que até o momento não houve intervenção no terreno, incluindo corte ou remoção da área verde", diz a empresa. Na nota, a Cyrela "reafirma sua postura ética e reforça que aguarda os trâmites legais para dar andamento ao processo dentro da lei".

Sem enviar nota por escrito, a Camargo Corrêa disse que, como o alvará de construção pleiteado pela empresa no local foi indeferido pela Prefeitura, a construção das duas torres foi suspensa, mas que o projeto será readequado. A empresa também nega que tenha derrubado árvores no local, mas confirma que também faz catálogo da vegetação.

Aval de loteamento ignorou nascente de água e mata nativa
Terrenos foram vendidos por fundo imobiliário após autorização, em 2003, do Departamento de Proteção a Áreas Verdes

Bruno Ribeiro e Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

O projeto de criar loteamentos na área de Mata Atlântica ao lado do Parque Burle Marx teve seu embrião no início dos anos 1990. Em 1995, o Fundo Imobiliário Panamby, gerido pelo Banco Brascan, comprou de proprietários particulares os dois terrenos lindeiros ao parque, onde hoje está o pouco que restou de mata na várzea do Rio Pinheiros.
No entanto, por causa das restrições de construção na área, o fundo manteve o plano de criar condomínios no local congelado. No fim de 2003, o fundo finalmente obteve uma autorização do Departamento de Proteção a Áreas Verdes (Depave) para edificar o local.
Com essa autorização, o mesmo fundo vendeu um dos terrenos, no dia 17 de agosto de em 2004, para a Cyrela, por R$ 78,385 milhões. Quase dois anos depois, no dia 14 de junho de 2006, o fundo vendeu a outra metade para a Camargo Corrêa Investimentos Imobiliários, por R$ 131 milhões.
Apesar de ter de obter novas licenças com a Prefeitura, as empresas donas das terras podem agora usar a autorização do Depave de 2003 como trunfo para viabilizar os empreendimentos. "Na autorização que foi concedida em 2003 existe uma suposta suspeita de fraude. O Depave usou uma planta para aprovar a obra que ignorou a nascente e a mata nativa que existiam ali", afirma o advogado Roberto Delmanto, que representa as associações de moradores do Morumbi que lutam para barrar os empreendimentos.
O advogado mostra plantas do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), do governo do Estado, que apontam a existência da mata e dos cursos d'água, também de 2003, no mesmo local onde o Depave autorizou a edificação. Outra restrição alegada pelos moradores da região na representação feita ao Ministério Público Estadual é o tombamento do Parque Burle Marx e de seu entorno, de 1994, feito pelo próprio Condephaat.
Investigação. A venda dos terrenos era mantida sob sigilo e só foi descoberta pelos moradores do Morumbi quando o Fundo Imobiliário Panamby publicou, no fim de 2012, um balancete de suas transações imobiliárias na capital paulista, feita pela auditoria Crowe Horwath. Os moradores também conseguiram no cartório de Santo Amaro escrituras de contratos que comprovam a venda dos terrenos para a Cyrela e para a Camargo Corrêa.
Em um verdadeiro trabalho de investigação, os moradores ainda descobriram, em documentos de 2007 do Fundo Imobiliário Panamby, a apresentação de um condomínio com 14 torres e shopping center na área adquirida pela Cyrela três anos antes - o novo complexo residencial e comercial, caso aprovado pela Prefeitura, vai engolir até o espaço hoje usado como estacionamento do Parque Burle Marx.

MPE investiga autorizações para corte de árvores
Inquéritos civis abertos apuram o desmatamento dos terrenos ao redor do Parque Burle Marx

Bruno Ribeiro e Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

Os dois inquéritos civis abertos pelo Ministério Público Estadual (MPE) para apurar o desmatamento dos terrenos ao redor do Parque Burle Marx investigam se as eventuais autorizações "que existem ou venham a existir" no local são legais ou não. É um inquérito para cada terreno.
"Que tem um projeto para construção de várias torres ali, o projeto existe. Agora, se o projeto foi encaminhado para os órgãos públicos competentes e se houve aprovação, nós ainda não temos resposta", diz o promotor do Meio Ambiente José Roberto Rachel de Oliveira.
"É fato que existe ali uma questão ambiental bem séria. Além da vegetação a ser preservada, há a questão das nascentes e dos cursos de água. Eles existem. Partindo da premissa de que as empresas pediram autorização e ela foi emitida, temos de verificar como essa autorização foi emitida e se ela pode ter sido emitida", afirma o promotor. "É nesse passo que estamos", diz Rochel.
O outro inquérito é presidido pelo promotor Luis Roberto Proença.

OESP, 09/03/2014, Metrópole, p. A17-A19

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