VOLTAR

Eletrobrás promete retomar Belo Monte

O LIBERAL
Autor: Ronaldo Brasiliense
20 de Mai de 2007

'Por mais nobre que seja a questão indígena, é absurdo exigir dos investidores que reduzam pela metade a potência de energia prevista num projeto gigantesco como a hidrelétrica de Belo Monte porque doze índios cocorocós moram na região e um jesuíta quer publicar a gramática cocorocó em alemão'. Antônio Delfim Netto, ex-ministro de Estado.

A Eletrobrás decidiu retomar os estudos de viabilidade para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudeste do Pará, projetada para produzir - a plena carga - 11 mil megawatts de energia, o suficiente para livrar o País, no futuro, de um novo risco de apagão. A usina é uma das obras prioritárias do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo Lula.

Os novos estudos sobre Belo Monte foram autorizados pelo ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, com o sinal verde da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Roussef, entusiasta da usina no Xingu e que trava uma guerra aberta contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em torno da construção de novas barragens na Amazônia.

O projeto de Belo Monte, orçado inicialmente em US$ 3,7 bilhões, está agora diretamente subordinado à Eletrobrás, holding do sistema elétrico nacional, embora tenha sido concebido pela Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), que defende Belo Monte como um dos empreendimentos hidrelétricos com menor custo operacional do mundo.

O governo federal decidiu reinvestir em Belo Monte diante das incertezas que cercam a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, que ainda não obtiveram licença ambiental junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Belo Monte até hoje não deslanchou por problemas verificados em seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima). O procurador-chefe do Ministério Público Federal no Pará, Felício Pontes Junior, comanda as iniciativas que têm brecado judicialmente a continuidade da usina de Belo Monte.

Uma das alegações do Ministério Público para brecar a hidrelétrica no rio Xingu é o fato de as comunidades indígenas atingidas pelos impactos da barragem na terem sido ouvidas durante a execução do EIA-Rima.

Incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, se sair do papel, deverá ser interligada ao Sistema Elétrico Brasileiro por meio da construção de linhas de transmissão até Colinas, no Tocantins, que - orçadas em US$ 2 bilhões -, deverão ser licitadas separadamente da usina.

O governo Lula insistirá na construção de Belo Monte baseado numa sólida estratégia de argumentos, mostrando as vantagens comparativas da matriz energética brasileira. A começar pelo fato de que estudos técnicos realizados pela Eletronorte comprovaram que os rios da margem direita do Amazonas têm declividades propícias à geração de energia.

Dentre estes rios, o Xingu se destaca pela sua posição estratégica em relação às frentes de expansão econômica da região central do pPís. 'O desenho de Belo Monte foi revisto e os impactos reduzidos em relação à proposta da década de 80', afirma o engenheiro José Antônio Muniz Lopes, ex-presidente da Eletronorte, barragista convicto, que ganhou destaque internacional ao ser ameaçado com um facão pela índia kaiapó Tuíra no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira, em fevereiro de 1989. A imagem da índia Tuíra com o facão no rosto de Muniz Lopes correu o mundo e forçou o Banco Mundial (BIRD), sob pressão das organizações ambientalistas internacionais, a retirar seu apoio financeiro ao projeto.

UNIÃO

Para o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Mario Menel, as entidades do setor elétrico precisam sensibilizar o governo federal para que agilize a liberação dos licenciamentos ambientais das hidrelétricas na Amazônia. 'Estamos apreensivos com o que pode acontecer ao País caso os projetos estruturantes não avancem até a metade do ano', avisa o executivo.

No mesmo tom, o presidente da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Paulo Pedrosa, garante que o setor elétrico nacional está unido e com disposição para participar do PAC. 'Precisamos garantir a segurança da oferta de energia, a preços compatíveis, porque o Brasil precisa se desenvolver', analisa Pedrosa. No Pará, a construção da usina de Belo Monte é quase uma unanimidade.

Ministério Público Federal é a pedra no meio do caminho da obra

Numa cruzada inglória, como que para mostrar que o escritor Nélson Rodrigues estava certo ao afirmar que 'toda unanimidade é burra', o procurador-chefe do Ministério Público no Pará, Felício Pontes Júnior, tem sido incansável em sua luta para que a usina de Belo Monte, no rio Xingu, só saia do papel depois que todas as exigências constitucionais forem cumpridas.

Para o Ministério Público, além de o primeiro EIA-Rima realizado na área não contemplar as comunidades indígenas que sofrerão os impactos da barragem, há claros indícios de irregularidades no que está sendo chamado de 'Revisão dos Estudos de Inventário do Rio Xingu'. O principal problema, que suscitou a investigação da Procuradoria da República, seria a total ausência de controle social no projeto.

O MPF ressalta que há indícios de irregularidades também na assinatura de um convênio de cooperação técnica entre a Eletrobrás e as empresas Camargo Correa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez para concluir estudos de viabilidade da obra. 'Esse consórcio de empreiteiras chegou a contratar uma consultoria que desenvolve estratégias para tornar tais estudos justificáveis à opinião pública', afirma um procurador da República envolvido no processo. As suspeitas do MPF deram origem a dois procedimentos de investigação, em Altamira e Belém.

Em Altamira, o procurador Marco Antônio Delfino de Almeida já confirmou que a empresa de consultoria ambiental contratada, a E-labore, recomenda ao consórcio interessado em Belo Monte uma adequação do discurso 'para tornar a hidrelétrica mais palatável'. Em documento, a E-labore propõe 'mudar, devido às circunstâncias emergenciais, o escopo do discurso estratégico, se provocados pela mídia ou sociedade, para explicar a realização dos atuais estudos, antes da consolidação do termo de referência.

'O trecho mostra uma tentativa de mascarar a pressa do consórcio em iniciar estudos na região mesmo sem qualquer processo legal que os embase. O termo de referência é o documento inicial de qualquer licenciamento ambiental, emitido pelo órgão licenciador - no caso, o Ibama - para orientar a elaboração do EIA-Rima. O projeto Belo Monte, como não foi aprovado, não tem termo de referência nenhum', assegurou o MPF, em nota.

Outra falha apontada pelo Ministério Público no projeto de Belo Monte seria a própria presença das empresas do consórcio no financiamento do inventário do rio Xingu. 'Tais estudos são coordenados por empresas que teoricamente seriam responsáveis pela futura construção do Complexo de Belo Monte', afirma o procurador Marco Antônio de Almeida.

A situação - as empresas que fazem o estudo são também as maiores interessadas na realização da obra - é ilegal, segundo o Ministério Público, e representa risco concreto de erros na avaliação da viabilidade da usina. O procurador Marcelo Ribeiro de Oliveira, de Belém, abriu procedimento para averiguar a autorização dada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a contratação das três construtoras para fazer os estudos.

As empresas podem, inclusive, ser judicialmente excluídas de uma futura licitação para Belo Monte se, comprovadamente, estiverem participando da elaboração do projeto, opina o MPF. (R. B.)

Programa de Lula era contra a barragem

No caderno temático 'O lugar da Amazônia no desenvolvimento do Brasil', parte do Programa de Governo do então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, alertava para os riscos que projetos desenvolvimentistas poderiam trazer à Amazônia: 'Dois projetos vêm sendo objeto de intensos debates: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o de Gás de Urucu, no Amazonas. Além desses, também preocupam as 18 barragens propostas na Bacia do Rio Araguaia e Tocantins', afirma.

Segundo o programa de Lula, 'a matriz energética brasileira, que se apóia basicamente na hidroeletricidade, com megaobras de represamento de rios, tem afetado a Bacia Amazônica. Considerando as especificidades da Amazônia, o conhecimento fragmentado e insuficiente que se acumulou sobre as diversas formas de reação da natureza em relação ao represamento em suas bacias, não é recomendável a reprodução cega da receita de barragens que vem sendo colocada em prática pela Eletronorte'.

O caderno aponta como 'exemplos infelizes' a construção das usinas hidrelétricas de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará, e Balbina, no rio Uatumã, Amazonas, as últimas construídas na Amazônia, nas décadas de 1970 e 1980. 'Desalojaram comunidades, inundaram enormes extensões de terra e destruíram a fauna e flora daquelas regiões', acusam os autores do programa de governo de Lula.

A construção de Balbina, a 146 quilômetros de Manaus, segundo o caderno, significou 'a inundação da reserva indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes, escassez de alimentos e fome para as populações locais'. E completa: 'A contrapartida, que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi cumprida.'

O desastre foi tal, segundo o caderno temático do então candidato Lula que, em 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), depois de analisar a situação do rio Uatumã, onde a hidrelétrica fora construída, concluiu por sua morte biológica. (R. B.)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.