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E o Ibama virou dois...

OESP, Aliás, p. J6
Autor: SANTILLI, Márcio
06 de Mai de 2007

E o Ibama virou dois...
Divisão do órgão não é solução, avalia especialista, mas se vier com mais estrutura é um passo certo

Pedro Doria

Os tempos têm sido atribulados para o Ministério do Meio Ambiente. Nos bastidores do governo, reclama-se que sua burocracia emperra obras fundamentais para o crescimento do País. No noticiário recente, esteve a licença do Ibama para a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira, que empacou no órgão. A ministra Marina Silva não arreda o pé: se não há condições de aprová-la, não o será.

Com o objetivo de dar agilidade ao órgão, ele foi dividido em duas entidades. O braço Ibama se dedicará às licenças e fiscalização, o outro, batizado de Instituto Chico Mendes, cuidará das áreas de preservação. Fica de olho nas florestas. Para Márcio Santilli, ex-deputado federal, ex-presidente da Funai, atualmente diretor em Brasília do Instituto Socioambiental (ISA), é um passo na direção certa.

"A expectativa é que um instituto criado para tratar apenas das áreas de preservação faça com que o governo produza uma estrutura para tirá-las do papel", ele diz. "Mas é evidente que não basta um decreto", ele ressalta. A seguir, os principais trechos de sua entrevista para o Aliás:

Crescimento

"No Brasil, cada órgão do governo dita a sua política ignorando o vizinho e, muitas vezes, isso gera contradições entre um ministério e outro. Os choques entre a área de desenvolvimento e o meio ambiente são sinal disso. Agora, com a questão da mudança climática, isto se agravou. Mas não é a política ambiental que interfere no crescimento. É a crise ambiental que interfere no mundo. Muitas vezes, grandes obras não são realizadas e a culpa é debitada em empecilhos da área ambiental. É o caso da pavimentação da BR-163, Cuiabá-Santarém. Foi anunciada em 2003 e, até agora, nem sequer começou. Não há qualquer pendência, nenhum questionamento na Justiça, nada. O consórcio de plantadores de soja que ia financiá-la se diluiu, o governo não destina recursos, ela não sai do papel. Dentro de todo o pacote de obras pretendidas pelo governo federal, a maioria das pendências nada tem a ver com a política ambiental.

Ibama

"O Ministério do Meio Ambiente vem do governo Itamar para cá. O Ibama foi criado no final do governo Sarney. É uma área muito recente. O Estado brasileiro não tem estrutura adequada para atender a saúde, educação, responde mal a quase todas as demandas colocadas. A falta de estrutura para aprovar licenças ambientais não é peculiar do Ibama, o País é assim.

Solução

"Nos últimos anos, houve uma melhoria estrutural da área do Ibama que concede licenciamentos. Mas ela continua sujeita a forte pressão, a uma demanda grande. É importante enfatizar que os empreendedores precisam melhorar a qualidade dos projetos. No caso dessa usina do Rio Madeira, o projeto veio sem detalhes suficientes. Não informa o tamanho da área inundável, os níveis de sedimentação. Aí, não adianta botar um batalhão de pessoas na área de licenciamento, não adianta nomear uma pessoa que se disponha a assinar licenças sem fundamentação necessária, porque o Ministério Público vai recorrer à Justiça se sair. Muitos projetos chegam incompletos.

Divisão

"Dividir o Ibama em dois, por si, não funciona. Mas é uma medida que vem no sentido correto. A extensão total das áreas de conservação passou de 15 milhões de hectares, em 2002, para 60 milhões, hoje. Sempre se criticou que essas unidades existem no papel, mas nunca se investiu para implementá-las. A expectativa é de que a existência de um instituto leve o Estado brasileiro a dotar-se dos meios necessários para isso. Aquilo que fica no Ibama, fiscalização, licenciamento, autorizações de exploração, também poderá ser mais bem executado por um órgão especializado. Antes, essas funções concorriam entre si. Agora, baixa uma medida provisória e tudo está resolvido? Não. A decisão da ministra de nomear diretores interinos é um caminho para tentar botar tudo para funcionar o quanto antes. A questão é: que condições o ministério terá para implementar o instituto?

Diretor para o Ibama?

"O Paulo Lacerda está sendo disputado por diferentes órgãos. O trabalho dele, como diretor da Polícia Federal, foi importante por dar mais peso para a área de inteligência. É o que deu eficácia a todas as operações recentes. Essa característica do trabalho dele é que está sendo pretendida por outras áreas e por isso a ministra Marina gostaria de tê-lo dirigindo o Ibama: para fortalecer o lado da inteligência no processo da fiscalização ambiental. Ao invés de fazer operações a esmo, dispor de uma base mais profissional de inteligência que permita ações mais contundentes e eficazes na ponta.

Instituto Chico Mendes

"É inadequado colocar nome de gente em órgão público. Mas também não é motivo para montar um cavalo de batalha, como fazem muitos críticos. O órgão tem suas funções definidas e deve ser cobrado pela realização. Se ele acusar uma preferência pela Floresta Amazônica em detrimento dos demais biomas do País, é ruim.

Relação com ONGs

"O governo Lula incorporou alguns dos principais nomes que estavam nas ONGs. Ao mesmo tempo, reduziu os recursos destinados às entidades ambientalistas. A relação entre as organizações e essas pessoas que estiveram em suas diretorias ficou tensa. Reclama-se muito de quem acabou dentro do governo no que se refere à participação da sociedade civil organizada. Isso ou reflete uma determinação política do ministério ou é um reflexo de medidas restritivas a esse tipo de parceria que vem sendo adotada pela administração pública.

Biodiversidade

"Não é difícil roubar diversidade biológica do Brasil. As matas estão escancaradas. E não é com mero poder de polícia que você vai conter esse processo. O País não pesquisa o que tem. A prioridade está no que estivermos dispostos a investir para produzir conhecimento. Hoje, é muito pouco em relação às nossas necessidades biotecnológicas e ao ritmo em que patentes biológicas têm sido registradas no mundo todo."

Quinta, 3 de Maio
Quem manda nas matas

Apesar de negar choque com Dilma Rousseff em torno da escolha de nomes para a presidência do Ibama e do Instituto Chico Mendes, a ministra Marina Silva apresenta titulares interinos para os cargos: Bazileu Margarido Neto e João Paulo Capobianco, respectivamente.

OESP, 06/05/2007, Aliás, p. J6

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