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É difícil mudar

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ATALLA, Dráusio
16 de Fev de 2010

É difícil mudar

Dráusio Atalla

Embora cada vez mais a opinião pública demonstre a preferência por fontes renováveis de energia, fatos demonstram que esse desejo está longe de se transformar em realidade. Energia fóssil proveniente de gás, petróleo e carvão, juntamente com a nuclear, serão os fundamentos energéticos no futuro, em proporções ainda não dimensionáveis.

A visão de que renováveis, tais como solar e eólica, terão um papel fundamental com a gradual redução no consumo de energia e menores consequências ambientais é cativante tanto quanto irreal. Pelo menos até a metade do século. Notícias diárias sobre novas e melhores fontes e sobre saltos tecnológicos, tais como carros elétricos ou híbridos e energia dos oceanos ajudam a moldar essa visão coletiva. Porém, não modificam a realidade, pois alteração no perfil energético ocorre muito lentamente. Por exemplo, nos últimos 50 anos do século XX, a energia nuclear foi a única novidade em larga escala.

Conservação e eficiência são propaladas, porém uma analise mais detida de suas consequências demonstra alcance limitado. Conservação significa uma real redução na quantidade de energia consumida por uma população ou nação. Considerando que os países em desenvolvimento cada vez se desenvolvem mais rapidamente, principalmente o Brasil, a Índia e a China, é utópico esperar que estes países reduzam os atuais níveis de consumo. Nós, brasileiros, consumimos cerca de 25% do consumo dos cidadãos de países desenvolvidos e, talvez, explique o fato de ainda estarmos em desenvolvimento. A população, mesmo em épocas de crise, mantém seus níveis de consumo, até que haja racionamento, quer forçado pelo governo ou por aumento de preço.

Ambos agridem posturas políticas. Portanto, esperar muito de conservação pode ser um excesso de otimismo.

Eficiência, que tanto consiste no aumento de quilometragem de um carro por litro de combustível, ou na quantidade de energia usada por unidade de PIB de um país, está intrinsecamente ligada a um fenômeno perverso. O impacto econômico positivo de um carro, com menor consumo, representa uma maior demanda por carros que, no cômputo geral, causam um maior consumo global. Similarmente, um aumento de PIB por unidade de energia consumida alavanca a economia. Economizar num país desenvolvido e próspero é mais fácil do que num país pobre ou miserável. Repartir ou economizar na miséria é mais difícil.

Renováveis - solar, eólica, hidrelétrica e geotérmica - farão parte do portfólio de energia no futuro; entretanto, algumas serão apenas uma pequena parte da solução. Hidroeletricidade e geotérmica, por poderem ser estocadas, não contribuem para a volatilidade dos sistemas elétricos e podem ser parte da solução de energia de base. Outras, como eólica, biomassa e solar, não são contínuas ou não podem ser estocadas, e representam risco à confiabilidade dos sistemas, a menos que sejam suportadas por sistemas convencionais como carvão e nuclear. Como consequência, apesar de não apresentarem custos de combustível, o custo total destes sistemas renováveis e seus back ups é maior do que dos sistemas convencionais. Como se percebeu no recente blecaute no país, características fundamentais de sistemas elétricos são produção contínua e confiabilidade. Energia renovável está intimamente ligada aos processos naturais que, por sua vez, são altamente variáveis. Sem os devidos back ups ela pode ser parte do problema mais do que da solução.

Quanto ao petróleo, uma das fontes de energia que suportarão a humanidade ainda por muitas décadas, as previsões também são de grande crescimento na demanda. McKibben, o escritor e ambientalista americano cujas especialidades são aquecimento global e energia alternativa, prevê que em 2057 existirão dois bilhões de carros. Apesar do aumento na eficiência dos carros, este número de automóveis exigirá uma enorme quantidade de óleo, que sobrepujará o efeito da eficiência.

O fluxo diário de notícias sobre novas formas de energia e de saltos tecnológicos acaba por moldar o consciente coletivo e leva o público a pensar que as fontes tradicionais de energia estão rapidamente diminuindo e quase desaparecerão num futuro próximo. Lamentavelmente, isto está longe da verdade. As fontes tradicionais - carvão, nuclear e petróleo (e também hidráulica no Brasil) - seguirão dominantes por muitos anos no portfólio do planeta. As renováveis, por muitos consideradas as formas favoritas de energia, contribuirão minoritariamente.

Dráusio Atalla é engenheiro nuclear.

O Globo, 16/02/2010, Opinião, p. 7

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