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Documentos provam que o governo do Acre não tem florestas para apresentar ao BID

A Gazeta-Rio Branco-AC
Autor: JAIME MOREIRA
06 de Mai de 2003

O Ministério Público do Acre começa a investigar o pedido de empréstimo feito pelo governo do Estado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 48 horas após a divulgação em A GAZETA, de informações exclusivas que revelam a proposta de concessão de quatro florestas acreanas para exploração de madeiras nobres, em troca de US$ 79,2 milhões. A decisão é da promotora de Defesa do Meio Ambiente, Meri Cristina do Amaral, que admite haver conveniência na abertura de inquérito.

O engenheiro florestal Jorge Viana, governador do Estado, negou-se a prestar quaisquer esclarecimentos. Incumbiu quatro assessores para oferecer as explicações oficiais: Gilberto Siqueira (Planejamento), Carlos Vicente (Florestas e Extrativismo), José Fernandes do Rego (Produção) e Edgard de Deus (Meio Ambiente). Siqueira considerou a reportagem "tendenciosa" e disse que o jornalista estava "equivocado". Nega a oferta de concessões de florestas, mas não explica a razão pela qual ela consta do protocolo de intenções fornecido pelo BID ao repórter.

Criação de reservas biológicas gera impasse

Em agosto de 200l chega ao Acre outra consultora do BID. Uma economista colombiana, que se faz acompanhar por Raimundo Lima, ex-superintendente do Incra no Estado do Tocantins e conhecido no Acre como "Sabonete". Lima se apresenta como representante do governo acreano. A missão manifesta o desejo de negociar com o Incra a transferência das terras já citadas, para o Estado.Tem pressa, mas esbarra numa dificuldade intransponível: a superintendência local do Incra, para resgatar o passivo ambiental decorrente dos seus vários projetos de assentamento, já havia repassado as quatro glebas ao Ibama, para formalizar a criação de duas reservas biológicas: a do Chamdless e a de Santa Rosa do Purus. O primeiro decreto que lhes dá origem é de julho de 2001. O segundo, por questões burocráticas, acabou saindo em novembro do mesmo ano.

A partir desse momento o governo do Acre tenta reverter, em Brasília, aquela decisão. Como isso não tem sido possível, o governador é colocado em situação delicada perante o BID. Vai a Washington, regressa e embarca dias depois para Fortaleza (CE) onde volta a se encontrar com o presidente do BID, Enrique Iglezias. É pressionado, promete sanar os problemas e no dia nove deste mês, já em Rio Branco, anuncia que o empréstimo "está aprovado" e que dentro de poucas semanas Iglezias virá assinar o acordo na capital do Acre. Promete a presença na cerimônia do presidente Fernando Henrique. (J.M.)

Interesse suspeito dos consultores

O superintendente do Incra no Acre, Aldenor Fernandes, não quer comentar o assunto. Explica, porém, que o Estado não possui grandes áreas de terras. Diz:

"As terras são da União ou do Incra. Dividem-se em terras desapropriadas ou terras arrecadadas. As primeiras destinam-se exclusivamente à reforma agrária. As segundas só podem ser disponibilizadas para parques ecológicos, reservas ambientais ou áreas preservadas. O Incra não transferiu a posse de nenhuma gleba ou floresta para o domínio do Estado do Acre, capaz de atender às exigências da negociação com o BID".

Informações obtidas junto a diversos técnicos federais do Ibama e do Incra permitem reconstituir e revelar como o governo do Acre fez crer a um organismo internacional ser "dono" de florestas que não lhe pertencem. A trama foi descoberta em abril de 2001, pelo Ibama e pela Ong SOS Amazônia, quando três consultores do BID vieram ao Acre. Eram dois franceses e um chileno. Buscavam dados precisos sobre quatro áreas indicadas pelo governo estadual, como aptas a se transformarem em outras tantas florestas estatais para posterior concessão de manejo. São elas: a Gleba Chamdless, a Gleba Oito, a Gleba Nove e a Gleba Santa Helena. Totalizam 1.072.000 hectares de terra.

Recorda um dos técnicos ouvidos pela reportagem, que despertou atenção o interesse, quase exclusivo, dos consultores, sobre as riquezas madeireiras das áreas. "Exultaram quando souberam das potencialidades, que eram e são da ordem de 85,760 milhões de metros cúbicos de madeira, com valor de mercado oscilando entre quatro a sete bilhões e meio de dólares, conforme a cotação das 152 espécies catalogadas", diz o técnico. (J.M.)

Governo tenta último recurso

O secretário Siqueira nega a existência de dificuldades: "O processo não tem falhas; o governo atendeu todas as exigências do BID e o acordo para garantir o empréstimo será assinado no final do próximo mês", disse na noite de quarta-feira, ao ser entrevistado por um repórter da TV GAZETA, repetidora local da programação da Rede Record.

A realidade é outra. A GAZETA teve acesso, em Brasília, ao ofício OF/G. A./No 038/2002, com data de 12 de março de 2002, através do qual o governador Jorge Viana solicita ao presidente do Incra, Sebastião Azevedo, "aceleração do Processo de Desapropriação da Gleba Paranacre e posterior transferência ao governo do Estado, por se tratar de imóvel localizado fora da Faixa de Fronteira de 150 km, e de fundamental importância para atendermos compromissos assumidos com o BID".

O teor do documento evidencia que o Estado do Acre não possui as quatro florestas que se compromete ceder para concessões de exploração madeireira. (J.M.)

Cobiça multinacional

Setores da indústria madeireira no Acre temem que o acordo com o BID venha facilitar a entrada de grupos internacionais no Estado, para exploração intensa das reservas existentes. Fala-se até na movimentação de duas madeireiras da Coréia do Sul, mais duas da Malásia, uma do Canadá e uma da África do Sul, em áreas bolivianas próximas à fronteira com o Acre, para se aproveitar das concessões prometidas.

Pequenas empresas de fachada, com bandeira da Bolívia, seriam usadas para esse fim. Afinal está em jogo um negócio de bilhões de dólares. O suficiente para justificar o aporte discreto do valor da contrapartida de US$ 52,8 milhões a que se obriga o governo do Acre perante o BID. (J.M.)

Outro lado

"Informações são tendenciosas", diz Siqueira

Gilberto Siqueira aceitou falar à reportagem de A GAZETA. Assumiu posição agressiva e negou "qualquer veracidade" à informação de que o governo propõe trocar quatro florestas por US$ 79,2 milhões do BID. Na íntegra, o seu depoimento:

"As informações prestadas na matéria são tendenciosas e para mim podem ser vistas sob dois aspectos: a matéria tem caráter político e a intenção de inviabilizar o contrato com o BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento. O jornalista foi equivocado e ignorava as informações sobre o assunto.

Todo o processo é legal e está amparado em lei estadual aprovada pela Assembléia Legislativa, em dezembro passado, que autoriza o Poder Executivo a contratar operações de crédito e a abrir créditos adicionais para o programa de Desenvolvimento sustentável do Estado do Acre junto ao BID.

Estas notícias não vão atrapalhar as negociações com o banco. Não oferecemos nenhum milímetro de floresta como garantia. Todas as normas que temos que cumprir para dar garantia ao empréstimo foram apresentadas por nós. O governo federal é nosso avalista no programa

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