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Dissecando o clima de Trump

Valor Econômico, Opinião, p. A11
Autor: JUNIOR WATANABE, Shigueo; RODRIGUES, Délcio
25 de Abr de 2017

Dissecando o clima de Trump

Shigueo Watanabe Jr e Délcio Rodrigues

Veio à luz o bicho feio que é a política anticlimática embutida no decreto assinado pelo presidente Donald Trump. Com um coro de mineiros de carvão à sua volta, Trump lhes dedicou a obra, falando pela enésima vez que, agora, seus empregos voltarão. Os principais comentaristas analisaram o decreto apontando os retrocessos em relação à política coesa para o clima e a energia deixada por Obama.
Mas poucos apontaram os obstáculos e campos minados que sua implantação terá que atravessar.
Sem pretender minimizar o impacto sobre o clima que pode vir por aí, vale a pena esmiuçar o documento para entender melhor seu alcance e os vários entraves que encontrará até sua completa execução.
O primeiro ponto que chama a atenção é que só uma das suas seções tem consequência imediata, rescindindo a validade de documentos que orientavam a política climática de Obama. Mesmo assim, o único decreto ceifado estava num limbo legal desde que Scott Pruitt, o atual diretor da EPA (Agência de Proteção Ambiental) entrou com ações contra a agência que agora dirige. As outras seções são instruções para agências e outras partes da administração federal. Uma das seções define um prazo de seis meses para que as regulações existentes sejam revisitadas e que se proponham ações para reescrever, suspender ou rescindir partes ou o todo. Este processo abre flancos para contestações judiciais e negociações no Congresso. E Trump vem de duas derrotas, o controle da imigração e o Obamacare, uma nas cortes e outra no Congresso.
As outras quatro seções são a carne do documento.
A EPA recebeu a tarefa de revisitar as regulações que constituem o Plano de Energia Limpa no tocante às emissões dos gases causadores do efeito estufa. É a grande promessa feita por Trump: liberar o petróleo e carvão dos grilhões das regulações climáticas. Mas o espectro de ação da EPA está limitado por uma decisão da Suprema Corte que colocou estes gases na categoria de 'poluentes' e, portanto, sob responsabilidade direta da Agência. Ela não pode simplesmente revogar as regulações. E toda revisão que for proposta terá que passar pelo crivo do Judiciário.
As agências todas terão que rever cálculos que contabilizaram o Custo Social do Carbono (e dos outros gases de efeito estufa), desconsiderando as metodologias desenvolvidas durante o mandato de Obama. Mas também não podem simplesmente ignorar estas externalidades. O decreto remete a um documento da época de Bush filho, no qual nada impede que este Custo Social do Carbono fique no patamar atual. À primeira vista, não vai ser simples reduzir significativamente estes valores.
Outra seção é dirigida ao Departamento do Interior e o instrui a revisar ou retirar a moratória que Obama instituiu em relação a novas concessões para a exploração de carvão para usinas térmicas em terras públicas e reserva indígenas. Isto será de pouca ajuda ao coro de mineiros que aplaudiu Trump. Eles vieram da costa Leste, dos Apalaches, onde as minas são propriedade das mineradoras. As terras públicas onde há carvão ficam nos Estados do Oeste, em minas a céu aberto, altamente mecanizadas.
Junto com as duas anteriores, estas são as apostas de Trump para dar emprego a seus mineiros. E quanto a isto, analistas apontam que, mesmo retirando as regulações, o preço do carvão dificilmente voltará a ser competitivo frente ao gás natural e ao gás de folhelho. Poderá talvez ser mais competitivo o carvão das minas mais produtivas do Oeste. Mas será menos competitivo o das minas subterrâneas dos Apalaches, de onde vieram os surpreendentes votos para Trump.
A última seção também instrui o Secretário do Interior e a EPA a revisitarem a regulação da exploração de óleo e gás, especialmente vindos da extração de folhelho. De todo o documento, esta parte é a que pode trazer um aumento expressivo das emissões de gases de efeito estufa. Mas a redução das regulações sobre a extração do gás de folhelho e a dos gasodutos que o transporta terá um efeito negativo para o carvão, vai torná-lo ainda menos competitivo que hoje.
Ao final do discurso que fez na cerimônia de assinatura, Trump falou que o decreto devolvia o poder de legislar sobre o ambiente para os Estados. Mas o documento, em si, não menciona os Estados sequer uma vez. O decreto recebeu o nome de "Independência Energética e Crescimento Econômico", temas que só aparecem no começo da primeira seção, como premissa.
E tem mais um problema: em meados de março, Trump enviou seu primeiro orçamento ao Congresso dando um aumento significativo ao já imenso orçamento militar. Para fechar as contas, cortou tudo quanto foi possível, principalmente em programas sociais. Os cortes afetaram programas de treinamento e recolocação que estavam aliviando a situação de muitos mineiros. Se os empregos não aparecerem rapidamente e os programas sociais de apoio sumirem, a visibilidade que Trump deu aos mineiros se voltará contra ele na forma de pressão direta sobre os congressistas republicanos. Hoje, os republicanos têm maioria nas duas Casas, mas não por uma margem folgada.
O jogo pode mudar com a adesão de somente três senadores republicanos à bancada democrata. Na Câmara, a margem republicana é maior, mas os representantes são bem mais suscetíveis às pressões diretas dos seus eleitores. Parece que serão batalhas, pedaço por pedaço, com decisões por margens pequenas de votos, ora para um lado, ora para o outro.
Enfim, embora as consequências no longo prazo possam ser terríveis para o clima do planeta, o decreto não muda nada, simplesmente estabelece um processo para revisar as regras promulgadas por Obama. Mas já se vislumbra à frente muitas batalhas encarniçadas para o próprio Trump.

Shigueo Watanabe Jr é físico e especialista no mercado de carbono.
Délcio Rodrigues é físico e consultor em mudanças climáticas.

Valor Econômico, 25/04/2017, Opinião, p. A11

http://www.valor.com.br/opiniao/4947608/dissecando-o-clima-de-trump

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