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Disputa ambiental

CB, Brasil, p. 10
26 de Mai de 2009

Disputa ambiental
Congresso começa a discutir série de projetos relacionados à biodiversidade. Enquanto ruralistas querem transferir poder de regulação a estados e municípios, ambientalistas pedem leis mais rígidas

Leonel Rocha

Ruralistas e ambientalistas recomeçam nesta semana uma antiga queda de braço no Congresso. De um lado, a Frente Parlamentar da Agropecuária, que vai apresentar amanhã uma emenda à Constituição transferindo a estados e até a prefeituras algumas das atribuições de regulação ambiental hoje só permitidas à União. De outro, parlamentares da Frente Ambientalista pretendem ampliar o poder do atual Código Florestal e restringir ao Legislativo federal o poder de alterar as leis que regem a utilização do potencial da biodiversidade brasileira. O raro consenso entre os dois grupos é a inclusão das áreas urbanas e seus moradores como corresponsáveis pela preservação de florestas, rios, lagos e nascentes, hoje sob responsabilidade do produtor rural.

A proposta a ser apresentada pela Frente da Agropecuária quer inserir no preço dos produtos agrícolas, por exemplo, o custo que representa destinar à reserva legal entre 20% e 80% das propriedades. "A preservação ambiental não compete apenas ao agricultor. Indústria, comércio e os moradores das cidades também devem ser cobrados pelos serviços ambientais que hoje só são prestados nas áreas rurais. Temos que dividir responsabilidades", argumenta Valdir Colatto (PMDB-SC), presidente da Frente Agropecuária. Os ruralistas consideram insuficientes as leis específicas que regulam a instalação e o funcionamento de outros empreendimentos econômicos.

Pela proposta dos ruralistas, o percentual das fazendas destinado à reserva legal não seria mais calculado separadamente, por cada propriedade. A ideia é estabelecer um índice por estado ou bioma, permitindo que, a depender do zoneamento econômico ecológico, um produtor possa aproveitar até 100% de suas terras para a produção de alimentos, desde que a compensação seja feita em outras fazendas do estado. Colatto cita o exemplo de Santa Catarina. Segundo ele, o código local prevê a preservação de 20% das propriedades, mas 41% das terras do estado estão preservadas. Na média, os catarinenses estariam preservando mais do que previsto em lei. No projeto defendido pela Frente Agropecuária, a área de restinga, mata ciliar e as medidas para a preservação das margens dos rios seriam definidas em leis estaduais.

Tramitam atualmente no Congresso cerca de 30 projetos de lei e de emendas à Constituição tratando da mudança no Código Florestal (veja quadro com as principais proposições). Uma proposta do deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), por exemplo, aumenta as penas para crimes ambientais e sugere a criação do Certificado de Reserva Florestal (CRF). Trata-se de um documento a ser emitido pela autoridade ambiental federal que poderá ser utilizado para remunerar o agricultor que mantiver florestas, nascentes ou matas ciliares preservadas.

Urbano
O projeto de lei de Monteiro reserva ainda um capitulo à questão ambiental urbana. O envolvimento das cidades no trabalho de preservação ambiental prevê que a utilização da água dos rios e a obrigatoriedade de cuidar de nascentes, florestas, rios, lagos e lagoas nas áreas urbanizadas passe a ser também das prefeituras. A mesma faixa de preservação das margens de lagos rurais, por exemplo, também será exigida no caso das cidades. "A atualização do Código Florestal é urgente para colocar o Brasil em sintonia com o debate mundial sobre a redução do efeito estufa", defende o deputado.

Também está tramitando na Câmara um projeto de lei do deputado Sarney Filho (PV-MA) que ordena as atribuições da União, estados e municípios no tratamento de questões ambientais. Presidente da Frente Ambientalista, o parlamentar é contra a transferência a estados das atribuições de elaboração de leis para regulamentar a utilização dos recursos ambientais.

Aguardando as propostas de emendas ao Código Florestal e à Constituição está outro grupo de projetos que tratam de legislação específica. A senadora Marina Silva (PT-AC) aponta quatro proposições em discussão na Câmara desde 1995 e outras três no Senado como prioridades para o Congresso. Entre elas, está a que regulamenta o acesso à biodiversidade e a que compensa os estados que tiverem unidades de conservação e terras indígenas com o aumento da parcela do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O que está em discussão
Veja o que cada um dos principais grupos interessados na questão ambiental defende no Congresso Nacional

Ruralistas

Alterar o Artigo 24 da Constituição para transferir a estados e municípios as competências que definem o papel dos três níveis de governo da legislação ambiental. À União, caberia aplicar uma legislação genérica, sem as especificações hoje previstas no Código Florestal

Criação de outro Código Ambiental em substituição ao atual, de 1965, que trata apenas de áreas rurais. O objetivo é incluir na legislação as responsabilidades e atribuições das prefeituras, dos estados e das populações de áreas urbanas na preservação do meio ambiente. O saneamento básico passaria a ser considerado importante elemento na preservação ambiental

Considerar a Área de Preservação Permanente (APP) de cada fazenda no cálculo da Reserva Legal de cada propriedade. Os atuais percentuais de reserva em cada fazenda (80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% nos demais biomas) serão alterados se houver recomendação técnica no Zoneamento Econômico Ecológico

Definir por bioma ou por estado o tamanho da reserva legal das fazendas. Pela proposta, o percentual mínimo de área destinada à preservação deixaria de ser medido por fazenda e passaria a ser calculado pela média das áreas preservadas de todas as propriedades do estado ou do bioma

Ambientalistas

Manter as atuais atribuições da União e do Congresso Nacional na definição da legislação ambiental, sem transferir esse papel aos estados e municípios. O atual Código Florestal seria revisto para incluir um rigor maior na punição de crimes ambientais

Pagamento por serviço ambiental para remunerar fazendeiros que mantiveram florestas em pé ou reservas de água preservadas. Atualmente, esses pagamentos estão previstos na legislação, mas depende das decisões de cada prefeitura e dos agricultores, com a anuência dos órgãos federais do setor

Criação do Certificado de Reserva Legal (CRL), que serviria como ativo ambiental incluído no patrimônio negociável do fazendeiro. O certificado poderia possibilitar a cobrança pelos serviços ambientais como manutenção de mananciais, nascentes e florestas e o financiamento para a manutenção de áreas consideradas importantes para a preservação

Controle na fabricação, comercialização e uso de motosserras que precisariam de licenças emitidas pelos órgãos ambientais para serem utilizadas

Alteração no Código Florestal

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pretende alterar o Código Florestal para possibilitar um tratamento diferenciado aos pequenos produtores rurais. Duas medidas estão na mira do governo. Uma é a regulamentação nacional do pagamento pelos serviços ambientais a quem preservar florestas, nascentes e outras áreas de importância para a biodiversidade. A outra é a mudança dos critérios de cálculo para a identificação da reserva legal e áreas de preservação permanente, que seriam consideradas uma só. O objetivo é flexibilizar a regra que prevê a manutenção de área intacta e permitir um ganho maior ao agricultor familiar.

A aliança do ministro com a agricultura familiar tem como objetivo enfrentar no Congresso os ruralistas, que estão propondo mudanças nas atribuições da União e dos estados na aplicação do Código Florestal. A ideia é aceita pelos grandes produtores rurais que defendem a extensão dos benefícios do novo cálculo a todas as fazendas, independentemente do tamanho. Esse será um dos pontos de polêmica entre ambientalistas e produtores rurais, que vão aprofundar a disputa legislativa a partir dos próximos dias.

As propostas de mudança no Código Florestal já provocaram a reação das organizações não governamentais. A SOS Mata Atlântica inicia na próxima semana uma campanha nacional pela manutenção da lei que rege a exploração das florestas. O receio dos "verdes" é que as pressões da área econômica e dos exportadores possam alterar leis como a que pune os crimes ambientais com suspensão de financiamento e de autorizações para novos desmatamentos. (LR)

CB, 26/05/2009, Brasil, p. 10

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