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Discurso do Mércio na Comissão de Agricultura da Câmara

Site da Funai (Especial)
19 de Nov de 2003

Presidente da Funai, Mércio Gomes, defende demarcação e homologação das terras indígenas ao participar da audiência Pública realizada na Comissão de Agricultura da Câmara do Deputados, para discutir a questão fundiária de Roraima

Sr. Governador de Roraima, Flamarion Portela, Sr. Leôncio Brito, Sr. Márcio de Freitas, Srs. Deputados, Sras. Deputadas.

Estou muito honrado com o convite feito pelo Deputado Roca, para estar aqui presente, para compor a mesa. Como ele mesmo já falou, eu me sentiria, também, muito honrado em participar de um debate específico da questão indígena no Brasil.

Esta é uma questão de caráter nacional, está no centro de nossa nacionalidade, é uma coisa permanente; não é mais uma questão passageira.

Então, nós temos que encarar isso, diante do Brasil e diante do futuro. Meus comentários aqui serão, portanto exclusivos à questão de Roraima, que é o principal item desta reunião.

Eu quero, em primeiro lugar, como é a primeira vez que venho a uma Comissão no Congresso, agradecer a muitos deputados os votos de boas vindas na Funai, os votos de sucesso.

Muitos têm me falado, a grande maioria das pessoas tem me falado quão árdua é a presidência da Funai, um dos cargos mais árduos que há no País, no Governo Federal.

De fato, a minha presença não tem mais que 70 dias na casa. Sou antropólogo de longa data, tenho trabalhado com índios há muitos anos, tenho escrito livros sobre a questão indígena no Brasil. De modo que eu sabia o que ira acontecer, e tinha conhecimento de causa. De fato, quando você senta na cadeira, e começa a dialogar com as várias partes que fazem parte da questão indígena, você vê que a intensidade do trabalho é muito grande.

Eu me coloquei ao Ministro Márcio Tomás Bastos como um soldado da causa indígena, como uma pessoa dedicada e digo a todos que é, para mim, uma honra ser presidente da Funai. Eu não temo o trabalho, a discussão, não temo as controvérsias que existem dentro do trabalho.

Uma coisa que eu quero dizer, em termos gerais, é o seguinte: durante muitos anos a política indigenista brasileira, que já veio do império, veja bem, nós não estamos aqui só com o SPI e o com o positivismo brasileiro, a política brasileira vem do império, vem de José Bonifácio, o primeiro que escreveu sobre a necessidade de ter uma política específica para os povos indígenas.

Gonçalves Dias, que muitos dizem ser só um indianista, um grande poeta que fantasiou os índios, escreveu uma das coisas mais lúcidas sobre a questão indígena brasileira: "a coroa da prosperidade do índio do Brasil será o dia da reabilitação dos índios".

Então, o Brasil tem dentro da sua causa maior, mais profunda, no cerne da sua nacionalidade, a questão indígena. Não podemos fugir a isso. Os índios estão aqui no Brasil, foram a raiz, a nossa raiz, e durante muito tempo, toda política brasileira foi feita no sentido de que os índios iriam se acabar.

Antropólogos, indigenistas, sertanistas, políticos, grandes estadistas brasileiros sempre achavam que os índios iriam se acabar, seja por morte morrida, seja por morte matada. Seja pelo processo de aculturação, ou seja pelo processo de exclusão de suas terras, seja pelo processo caboclisação.

Mas a questão, senhoras e senhores, é que desde a década de 70 os índios vêm crescendo em população. E esse crescimento é sustentável, não é um crescimento provocado por uma melhoria rápida das condições de saúde, que existe no Brasil, do crescimento de defesas imunológicas contra as doenças; é um crescimento sustentável. E esse crescimento tem a ver, também, com a nacionalidade brasileira, com a aceitação, pelo povos, dos índios como parte do Brasil. Os índios são o presente. E digo mais, os índios são o futuro do Brasil.

Nós temos a certeza que essas grandes áreas indígenas que foram demarcadas, que estão sendo demarcadas, e que serão demarcadas e homologadas, o sejam nesse governo. É o que esperamos. Mas se não for neste, que seja no próximo governo, ou seja no governo seguinte. O que nós temos que ter certeza, como brasileiros, é que as terras indígenas serão inexoravelmente demarcadas. Não há saída diferente dessa. Esse é um processo que faz parte da consciência nacional; não é uma questão simplesmente de governo. É uma questão da nacionalidade brasileira, e nós não podemos fugir dela.

Os índios estão aqui para ficar. Eles têm um desenvolvimento sustentável, estão crescendo a um índice de mais de 4,5% da população brasileira. Têm carências imensas de readaptação às condições brasileiras em que vivemos, têm problemas de interação social com o Brasil e têm problemas de interação econômica.

Desenvolver a economia indígena não é fácil, porque todos nós sabemos, nós que somos marxistas, nós que não somos marxistas, que para desenvolver uma economia, sempre se necessita de uma "mais valia", e a "mais valia" surge pela exploração. Como, então, desenvolver uma economia, sem causar uma exploração, mantendo o princípio de igualdade, que é o que prevalece entre as populações indígenas? Esta é uma questão que nem antropólogos, nem teóricos da sociologia e da ciência política ainda sabem. Por isso, esta é uma questão que faz parte do desafio maior da sociedade brasileira: como estabelecer a permanência dos povos indígenas, a sua continuidade, a defesa dos seus territórios, dentro do princípio em que mantenha o seu valor principal, que é o valor do igualitarismo social.

E cabe a nós, da Funai, nós, do Estado brasileiro, nós, da sociedade brasileira, nós, do mundo, pensarmos a questão indígena, porque não é só no Brasil que isso esta acontecendo, são em todos os povos, em todos lugares onde a expansão da civilização ocidental deixou bolsões de resistência, que está na Austrália, com os aborígenes australianos, que existe no Canadá, que mais de 30% do seu território demarcado e reservados para os povos indígenas, nos Estados Unidos, onde os índios foram derrotados, estão em crescimento - são mais de dois milhões atualmente - na Colômbia, no Peru, enfim, em todos os lugares o processo de crescimento dos povos indígenas é permanente.

A civilização nossa, graças a Deus, é uma civilização mestiça, não só no sangue, mas na cultura e isto é o que vai dar a cara principal do Brasil no futuro. Nessa época de globalização, em que as culturas estão sendo homogeinizadas, destruídas pela força de uma cultura que domina a terra, uma sociedade como a brasileira, que vai investir contra isso, é que vai dar a nossa característica, o nosso modo de ser, a nossa capacidade de resistir e enfrentar esse período grave de globalização e de homogeinização cultural.

A presença dos índios, a presença de territórios indígenas, a presença de 12 a 13% do território brasileiro como sendo terra indígena, é uma reserva, uma garantia para o futuro do País. Defender terras indígenas é defender o futuro do País. Aqui, esta Casa é responsável, não só pelo presente, pelas necessidades, pelos processos sócio-econômicos atuais, mas é responsável pelo futuro. E quando nós virmos o mapa do Brasil, saberemos onde é que ainda tem floresta amazônica, onde é que tem cerrado, caatinga, onde é que ainda tem pantanal. Poderão ver os senhores que será nas terras indígenas. Então, não se iludam com a necessidade atual. Nós temos que pensar, também no nosso futuro. Esta é uma casa que deve saber que o futuro do Brasil está na preservação de terras, está na preservação de culturas diferenciadas, está na constituição de uma idéia de mestiçagem, que é uma idéia nobre que nós temos dentro da nossa cultura.

Estas minhas palavras são palavras gerais. Se for preciso debateremos casos específicos, os casos que acham injustiça, os casos em que há conflito. Nós temos certeza que esses casos serão resolvidos, mas serão resolvidos com a certeza de que o Brasil necessita concluir a demarcação das terras indígenas.

Nós faremos o nosso esforço, nesse governo. Nós acreditamos nesse Governo, no esforço desse governo. Se não der nesse, será no próximo e, se não der no próximo, será no que virá em seguida. Mas todos o governos brasileiros, que fazem parte da nacionalidade brasileira, não deixarão de cumprir essa tarefa, que é uma tarefa que vem sendo realizada desde Rondon, desde D. Pedro II. Há algum tempo, como se esperava que o índio fosse morrer, dava-se um pedacinho de terra. E falam muito do Mato Grosso do Sul. Tem 9.550 índios vivendo em Dourados em apenas 3.470 hectares, enquanto existem outras áreas que foram demarcadas posteriormente, que tem mais solidez de consolidação de território, de defesa de patrimônio genético brasileiro, de defesa do meio ambiente brasileiro. Essas terras indígenas são patrimônio da cultura brasileira, do Estado brasileiro, da sociedade brasileira. Então, não podemos nos afunilar no pensamento da atualidade. Nós, desta Casa, que é uma casa do povo brasileiro, temos que pensar no futuro do Brasil.

Muito Obrigado.

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