VOLTAR

Diferenca milionaria

CB, Brasil, p.6
17 de Out de 2005

Diferença milionária
Auditoria do TCU no edital de contratação de empresas que farão a transposição do Velho Chico revelou um sobrepreço de R$ 406 milhões. Se empreendimento já tivesse começado, repasse do dinheiro seria suspenso
Leonel Rocha
Da equipe do Correio
O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco ainda nem saiu do papel e já revelou graves irregularidades. Uma auditoria preventiva, realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no edital elaborado pelo governo federal para contratar as empreiteiras que vão executar as obras civis do projeto, detectou um sobrepreço de R$ 406 milhões. Isto representa quase 7% do valor total do megaempreendimento, orçado inicialmente em R$ 6,4 bilhões, para serem gastos ao longo de seis anos. Este é o prazo previsto para a construção de 700km de canais e instalação de motobombas que vão enviar água do Velho Chico aos rios do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
As irregularidades constatadas no edital vão desde erros grosseiros nos cálculos feitos pelos técnicos do Ministério da Integração, até previsão de margens de lucro das futuras construtoras muito acima dos praticados pelo mercado e das próprias referências oficiais para obras deste porte. Se as irregularidades classificadas de graves tivessem sido detectadas pelo tribunal com o empreendimento em andamento, obrigatoriamente o repasse de dinheiro do orçamento teria que ser suspenso, como manda a lei. O sobrepreço embutido no edital daria para construir 22 mil casas populares ou pagaria mais da metade de todo o orçamento anual do próprio TCU.
Somente com a adoção do percentual de 41,96% para o cálculo do Bônus de Despesa Indireta (BDI) das obras civis, onde estão embutidos os lucros das empreiteiras, o edital do governo elevou em R$ 320 milhões o custo para a construção dos canais, túneis, aquedutos, estações de bombeamento e sistema adutor com pistas laterais, passarelas para pedestres, pontes nos cruzamentos com estradas, barragens, diques e duas pequenas usinas hidrelétricas. O BDI previsto para a contratação de mão-de-obra era ainda maior — 56,29%. O TCU determinou ainda que o governo adotasse o preço máximo para a obra, limite que não havia no edital original.
Os erros nos cálculos para a projeção do preço de rodovias pavimentadas, que darão acesso aos canais e ao sistema de bombeamento das águas, inflaram o valor orçado em R$ 60 milhões. Por recomendação do TCU, a previsão para a construção destas estradas foi retirada do projeto original e o cálculo será refeito. Outro erro grosseiro constatado foi a adoção de preços incorretos para o fornecimento, preparo e transporte do concreto compactado que, se não fosse a fiscalização do tribunal, daria um prejuízo de R$ 20,5 milhões aos cofres públicos, engordando desnecessariamente os lucros das empreiteiras (veja quadro com as principais irregularidades).
Ajustes
Os editais para a compra e instalação das motobombas também foram analisados pelo TCU. Neste caso foi constatado um sobrepreço de R$ 13 milhões. As empresas interessadas na construção e instalação desses equipamentos alegaram que o preço do aço, principal matéria-prima das máquinas, tinha sido reajustado e solicitaram que os custos para a fabricação fossem elevados ainda no edital. Os construtores queriam que o governo adotasse novas referências levando em consideração o reajuste da matéria-prima praticado apenas pela Usiminas. O TCU não aceitou e adotou o reajuste dos preços com base nos cálculos feitos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Outro ajuste feito nos editais pelo tribunal foi quanto às exigências de comprovação, pelas empreiteiras, da capacidade de realização das obras. Inicialmente, as concorrentes às obras civis teriam que comprovar um capital social equivalente a 10% sobre o valor de cada um dos lotes que estava interessada. Este critério, segundo o TCU, poderia direcionar a concorrência apenas para as megaempreiteiras. Com a mudança, cada construtora terá que comprovar o capital mínimo em cada um dos lotes que vencer, e não mais em todos que concorrer.

O NÚMERO
R$ 6,4 Bilhões é o valor que a transposição está inicialmente orçada
O NÚMERO 22 mil casas populares poderiam ser construídas com o total das irregularidades

Fiscalização preventiva começou em 2001
A fiscalização preventiva das obras de transposição das águas do Velho Chico vem sendo feita pelo TCU desde 2001, ainda no governo FHC, com a análise da contratação de consultoria para a elaboração do projeto básico e dos estudos ambientais. Com a posse do presidente Lula, o novo ministro da Integração, Ciro Gomes, foi ao tribunal e solicitou uma cooperação entre os técnicos do governo e os auditores ao tribunal. Essa obra, pela sua dimensão e objetivos sociais, não pode ser tisnada pela mínima suspeição. Pedi preventivamente a colaboração do TCU que tem sido um parceiro importante no projeto”, comentou o ministro. Ele tem acatado todas as mudanças nos editais sugeridas pelo tribunal.
Além da fiscalização preventiva do TCU e da greve de fome feita pelo bispo da arquidiocese de Barra (BA), dom Luiz Cappio, contra a transposição das águas do São Francisco, o governo está enfrentando outros problemas para começar o empreendimento. A Advocacia Geral da União (AGU) está tentando derrubar a decisão de uma juíza federal baiana que impediu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) de emitir a licença para a instalação da obra que deve começar no município de Cabrobó (PE). A liminar terá que ser julgada pelo Tribunal Regional Federal da Bahia nos próximos dias.
Depois dos ajustes nos editais determinados pelo TCU, o governo vai republicar as normas para a licitação. Até agora 130 empresas se interessaram em concorrer. O novo prazo para a apresentação das propostas é 7 de novembro. A partir daí, o Ministério da Integração terá 45 dias para decidir quais as empreiteiras que vão participar em cada um dos 13 lotes em que a obra está dividida.
O governo tem pressa, mas ainda terá que responder algumas perguntas feitas pelo TCU e por várias entidades que estão debatendo a transposição. Serão destinados recursos suficientes para a revitalização do rio e garantir a conservação de suas águas? É realmente possível beneficiar uma população de 12 milhões de habitantes estimada para o ano de 2025 na região que vai receber as águas do São Francisco? Quem vai operar o sistema? Quem (e quanto) vai pagar pela água bombeada do velho Chico? Como serão amenizadas as 32 conseqüências negativas já detectadas no estudo de impactos ambientais com a execução das obras? Para aumentar ainda mais as dúvidas, até a semana passada a Agência Nacional de Águas (ANA) ainda não tinha elaborado o cadastro de usuários da água do Velho Chico. (LR)

Principais irregularidades
? Sobrepreço na escavação, carga e movimentação de terra
? Quantidade incorreta de areia, brita e cimento no traço (composição) do concreto
? Adoção do Bônus de Despesa Indireta (BDI) de 56,29% sobre o custo de mão-de-obra, índice superior ao bônus das obras e aos percentuais de mercado
? Percentual do BDI das obras civis projetado em 41,96% quando a referência para obras do governo é de 23,90%
? Composição do custo na contratação de pessoal para realização do projeto executivo com valores superiores aos de mercado
? Erros nos cálculos dos valores da construção de rodovias pavimentadas que darão acesso aos canais e ausência de projeto básico para estas obras
? Previsão de pagamento de custos administrativos sobre despesas reembolsáveis nos projetos executivos
? Duplicidade no cálculo do preço pelos serviços de execução de muretas laterais nos canais
? Preço exagerado do concreto de revestimento com proteção de geomembrana
? Falta de comprovação dos cálculos para se determinar o custo de terraplenagem

CB, 17/10/2005, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.