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Diários do pioneiro Paulo Nogueira Neto

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Autor: Bernardo Camara
25 de Jan de 2011

Numa noite de 2003, uma pilha de cadernos azuis amarrados por cordões de algodão parou no colo da advogada Flávia Frangetto. "Quero que você me ajude a transformá-los em livro", pediu Paulo Nogueira-Neto, dono dos papéis amarelados pelo tempo. Flávia passou aquela madrugada em claro, encantada com os diários do homem que inaugurou o primeiro órgão ambiental federal do Brasil, na década de 1970: a Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema). Algum tempo depois, ligou para ele avisando: "Isso aqui é tão fascinante que o livro já está pronto".

Pronto mesmo, o "Diário de Paulo Nogueira-Neto - Uma trajetória ambientalista" só ficou agora, no finalzinho de 2010, pela editora Empresa das Artes. Afinal, eram quase 15 mil páginas manuscritas contando os bastidores de uma carreira ambiental tão vasta quanto frutífera. "Comecei a escrever no primeiro dia que assumi o cargo. É coisa de família, meu pai e meu avô também fizeram diários. É uma família de diaristas", brinca.

Não é para menos. Nas veias de Nogueira-Neto corre o sangue de José Bonifácio, Domenico Vandelli e Campos Salles. História para contar, portanto, não falta. E alguns dos capítulos mais importantes da trajetória ambiental brasileira estão ali, nas mais de 800 páginas que resultaram o livro. Tudo com um olhar franco, sensível, crítico. E de dentro dos corredores oficiais.

Partindo do zero

Criada na esteira da Conferência de Estolcomo, em 1972, a Sema nasceu modesta. "Eu tinha exatamente cinco funcionários e três salas pra resolver os problemas do meio ambiente do Brasil inteiro", recorda o pioneiro, que à época lecionava no Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em Direito e História Natural.

Muitas passagens do diário evidenciam como a missão foi árdua. Ainda mais num tempo em que o desenvolvimento era tocado no estilo custe o que custar. "Hoje me sinto muito cansado, quase exausto. O serviço na Sema é ininterrupto, pesado e tensionante", escreveu em julho de 1979, sem perder, porém, as estribeiras: "Mas me fascina".

"Quando Paulo saiu da Sema, deixou muita coisa bem estruturada. Ele partiu do nada", lembra o almirante Ibsen de Gusmão Câmara, antigo militante da conservação marinha e amigo de Nogueira-Neto. E o almirante não exagera. Além da micro equipe que o ex-secretário especial de Meio Ambiente tinha, o orçamento para a pasta não chegava a 1% dos recursos do Ministério do Interior, ao qual pertencia a Sema. "Nossa carência de recursos é aguda", escreveu o ex-secretário à época.

O jeito foi tentar ecoar a importância da secretaria e ir cavando apoio, o que Nogueira-Neto fazia como ninguém. Em pleno governo militar, ele não abraçou partidos ou ideologias. A única coisa que abraçava era a causa ambiental. "Fui duas vezes convidado a me filiar ao partido do governo e rejeitei. Eu procurava fazer serviço público, para todos", diz, o que confirma Ibsen Câmara: "O Paulo nunca se meteu em política. Ele administrava a Sema de maneira puramente técnica, profissional. Isso fez com que atravessasse várias anos".

Os frutos

Foram 12 os anos à frente do órgão que mais tarde se tornou Ibama e foi embrião do Ministério do Meio Ambiente. Tempo suficiente para que sua estrutura engordasse e Nogueira-Neto deixasse um legado generoso. "Ele deixou uma legislação ambiental avançada, começou com os licenciamentos ambientais e criou as primeiras Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (APAs)", recorda o engenheiro agrônomo Alceo Magnanini, que à época era diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), subordinado ao Ministério da Agricultura.

Volta e meia os dois se encontravam para trocar palpites sobre a criação de novas áreas protegidas. Um total de 3,2 milhões de hectares viraram unidades de conservação na gestão do ex-secretário. "A presença de Paulo possibilitou que a área ambiental saísse do marasmo", afirma Magnanini.

Quando deixou a Sema, o caminho de Nogueira-Neto parecia estar só começando. Além de ter ajudado a fundar o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e outros conselhos, ele passou por ONGs, criou fundações, ganhou prêmios e homenagens e representou, com mais um membro, a América Latina na Comissão Brundtland, o famoso grupo internacional de onde saiu a expressão "desenvolvimento sustentável".

De 1984 a 1987, ele rodou o mundo com os outros 22 membros da comissão, em debates amplos e complexos sobre os problemas ambientais do mundo inteiro. Em seus diários, conta como discussões atuais já eram levantadas naquela época, como as conseqüências do desmatamento: "Desaparecendo as árvores, rompe-se o ciclo hidrológico (evaporação, chuvas etc.) e a agricultura é muito atingida", escreveu, em 1985.

Os `causos` também entravam nas anotações. Como na ocasião em que a comissão foi visitar a Amazônia poucos dias depois que o governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho, havia feito um discurso dizendo ser pura bobagem proteger a floresta da região, que "não acabaria nem com mil anos". Irritados, alguns membros se recusaram a ir ao jantar oficial em que estaria o governador. Nogueira-Neto teve que atacar de diplomata e conseguiu acalmar os ânimos: "Mantive a conversação entre a doutora Brundtland, eu e o governador a mais animada possível para criar uma boa atmosfera", escreveu. E o jantar terminou em paz.

Assim, equilibrado e conciliador, Nogueira-Neto foi atravessando, um a um, os obstáculos que a carreira ambiental lhe jogava na frente. Cansava, mostram seus registros. Mas seguia com a missão. "É preciso preparar o terreno para o dia em que a conservação da natureza não seja relegada ao último plano na organização administrativa do país", tomou nota, em 1972.

Quase 40 anos mais tarde, ele diz que valeu a pena. "Naquela época, os interessados em meio ambiente cabiam numa Kombi. Hoje já há uma consciência não só brasileira mas mundial", acredita. "Antes nós íamos à imprensa dar as notícias da área. Hoje, olha só, foi você quem me ligou para isso".

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