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Dia Internacional dos Povos Indígenas: em pauta no STF, demarcação de territórios motiva jornada do movimento indígena

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09 de Ago de 2022

Dia Internacional dos Povos Indígenas: em pauta no STF, demarcação de territórios motiva jornada do movimento indígena
Neste 9 de agosto, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) propõe debate sobre a tese do marco temporal sobre terras indígenas, que deve voltar a ser analisada neste segundo semestre

Guilherme Justino

09/08/2022

"Nossa história não nasceu em 1988." O alerta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) motiva uma grande jornada nacional de lutas que ganha reforço neste 9 de agosto, que marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A instituição busca chamar a atenção para a "demarcação dos territórios e direito à vida", em referência a uma discussão sobre terras indígenas que está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

O chamado "marco temporal" pretende resolver uma divergência histórica entre ruralistas e lideranças indígenas e questiona: em que momento os índios passam a ter direito a um território? O julgamento, que ainda não foi concluído pelo STF, vai definir os critérios de demarcação de novas terras indígenas. Se as demarcações seguirem o marco temporal, indígenas só podem reivindicar terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

"Vamos reagir nas ruas, nas grandes capitais, nos territórios e nas redes sociais. Organizados, ecoaremos mais uma vez nossa resistência, reafirmando que nossa história não nasceu em 1988", defende a Apib. A decisão pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. A demarcação destes territórios é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado "direito originário" sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados por lei os primeiros e naturais donos dessas terras, sendo obrigação da União demarcar todas aquelas que foram ocupadas originariamente por esses povos.

O Brasil tem hoje 487 terras indígenas homologadas e reservadas e outras 724 em diferentes fases do processo de demarcação. O governo Bolsonaro não demarcou nenhuma terra indígena e ainda devolveu 27 processos em andamento para enquadrá-los na exigência do marco temporal. O presidente já se manifestou várias vezes contra novas demarcações: assim como ruralistas, Jair Bolsonaro é favorável à tese do marco temporal.

Nos últimos três anos, os alertas de desmatamento dentro de terras indígenas na Amazônia subiu de 730 km² para 1.370 km², ou 88%, segundo dados do sistema Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Especialistas apontam que a precarização da infraestrutura de fiscalização e de proteção desses territórios, com menos verba e menos pessoal, deixa as áreas teoricamente protegidas mais vulneráveis a ação de atividades ilegais como o garimpo, a grilagem e a extração ilegal de madeira.

Mesmo assim, as TIs ainda estão entre os territórios mais preservados do país e são até hoje consideradas verdadeiras barreiras contra o avanço da destruição da floresta. Um levantamento do MapBiomas mostra que somente 1,6% de todo o desmatamento que aconteceu no Brasil nos últimos 30 anos aconteceu em terras indígenas.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), uma organização não governamental, a tese do marco temporal vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos nativos temem que demarcações de terras já feitas sejam revogadas caso o STF valide o marco temporal.

Já proprietários rurais argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica e apontam o risco de desapropriações caso a tese seja derrubada.

Se o marco temporal for aceito pelo STF, indígenas poderão ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não se comprove que estivessem lá antes de 1988 e sem que se considerem os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem anteriormente. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastam por anos, poderão ser suspensos.

O marco temporal também pode facilitar que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, possam ser privatizadas e comercializadas. A comercialização responde ao interesse do setor ruralista.

Paralelamente a tese do marco temporal, outra proposta de mudança nesses territórios vem esquentando o debate no país. É o Projeto de Lei (PL) 191, que permite a mineração e o garimpo em terras indígenas e chegou a obter aprovação para tramitar com urgência no Congresso. O autor do pedido, deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na casa, afirma que o PL "apenas consolida" uma questão constitucional, já que esta regulamentação estaria prevista na Carta de 88. Para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), a proposta é inconstitucional e tanto a mineração quanto as obras de aproveitamento hidrelétrico em TIs estão presentes no texto de 1988 "justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura desses povos".

Para a Apib, a principal bandeira do movimento indígena brasileiro é a histórica luta pela terra. "A demarcação é uma urgência para romper o genocídio em curso. Precisamos da derrubada do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal", explica a articulação.

Um estudo feito por pesquisadores brasileiros e publicado no periódico Land Use Policy compara o tamanho das terras dos maiores fazendeiros do Brasil com o das reservas indígenas. Segundo o estudo, apenas 97 mil proprietários rurais são donos de 21,5% do território brasileiro, enquanto 572 mil índios ocupam pouco menos da metade dessa área, cerca 13% do território.

O estudo mostra também que 16% do território brasileiro ainda são de terras públicas sem destinação. As chamadas florestas públicas não destinadas vêm sendo alvo de grileiros, de queimadas e desmatamento ilegal e se tornaram recentemente alvo de uma campanha da ONG Nossas, que lançou o Projeto de Lei de iniciativa popular (Plip) "Amazônia de Pé", cobrando do governo federal a proteção dessas terras. A ideia é que elas sejam convertidas em Unidades de Conservação da Natureza ou em territórios indígenas e quilombolas, para garantir sua preservação.

"Estamos intensamente mobilizados desde o início do ano e nossas pautas precisam ser ouvidas e apoiadas pela sociedade, com imediata ação efetiva do estado brasileiro. Sabemos que esse projeto de morte é bancado e protagonizado pelo sistema do agrobanditismo, a união entre o agronegócio e milícias rurais. Não são só ameaças de ataques aos nossos territórios, são ações diretas. São balas que sangram nossos corpos", afirma, em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2022/08/09/dia-internac…

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