FSP, Poder, p. A12
05 de Nov de 2010
Desigualdade tira pontos do Brasil em ranking do IDH
Índice perde 27,2% quando ajustado pela distribuição de renda, educação e saúde
Brasil ocupa 73ª posição entre 169 países em lista divulgada pela ONU, atrás de Chile e Peru; Noruega lidera
Claudia Antunes
Do Rio
Larissa Guimarães
De Brasília
O Brasil perde mais de um quarto de sua pontuação no Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, quando o indicador é ajustado para contabilizar a desigualdade na distribuição de renda, educação e saúde.
Segundo o relatório 2010 do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o IDH brasileiro é de 0,699 -quanto mais próximo de 1, melhor. No entanto, o índice ajustado pela desigualdade, chamado de IDH-D, é de 0,509 -uma redução de 27,2%.
O relatório, o 20 da série, foi intitulado "A Verdadeira Riqueza das Nações" -referência irônica à obra de Adam Smith (1723-1790) sobre o livre mercado.
Levando em conta o IDH sem desconto da desigualdade, o Brasil fica na 73ª posição num ranking de 169 países, liderado pela Noruega e com o Zimbábue em último. É classificado entre os 42 países com "desenvolvimento humano elevado", mas fica atrás de sete latino-americanos, entre eles Chile e Peru.
O relatório não traz um ranking do IDH-D, calculado só para 139 dos 169 países, mas projeta que o Brasil perderia 15 pontos em sua colocação na lista do IDH se desigualdade fosse considerada.
"NOVO IDH"
Variáveis de cálculo do IDH foram modificadas. Foi mantida a expectativa de vida como variável de saúde, mas, na educação, taxas de alfabetização e matrícula foram substituídas por anos médios de estudo de pessoas com 25 anos ou mais e anos esperados de escolaridade.
Na renda, o PIB per capita foi trocado pela Renda Nacional Bruta per capita, que leva em conta remessas e ajuda ao desenvolvimento. Portanto, o IDH deste ano não é comparável aos anteriores.
Usando a metodologia do "novo IDH", foi calculado o índice do Brasil a partir de 2000. No período, o país teve avanço anual de 0,73%, superior ao da maioria.
Em relação a 2009, o Brasil subiu quatro pontos, mais do que qualquer outro dos 169 países -a maioria ficou estagnada. Mas sua 73ª posição é a mesma de 2005, o que mostra a flutuação na lista.
O IDH brasileiro levou em conta 7,2 anos médios de estudo, 13,8 anos esperados de escolaridade, expectativa de vida de 72,9 anos e Renda Nacional Bruta per capita de US$ 10.607 ajustados pelo poder de compra. Flávio Comim, coordenador do relatório no Brasil, defendeu atenção à educação.
A perda brasileira entre o IDH e o IDH-D, de 27,2%, é maior do que a média mundial (21,7%) e latino-americana (25,1%), mas inferior às do sul da Ásia (30,2%) e da África subsaariana (32,8%).
O relatório afirma, no entanto, que a queda no IDH brasileiro quando a desigualdade é considerada vem caindo -era de 31% em 2000 e de 28,5% em 2005.
Entre os 42 países de "desenvolvimento humano muito alto", EUA, Coreia do Sul e Israel estão entre os que mais perdem na proporção entre o IDH e o IDH-D, e a República Tcheca é a mais igualitária. A China, no grupo de "desenvolvimento humano médio", perde 23%. Namíbia e Moçambique lideram perdas.
GÊNERO
O relatório também traz o IDG (Índice de Desigualdade de Gênero). Apesar de ter mais mulheres (48,8%) que homens (46,3%) adultos com ensino médio completo, o Brasil perde 63% do IDH geral devido a itens como mortalidade no parto e presença feminina no Legislativo.
No IDG, o país está em 80 lugar entre 138 países.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0511201022.htm
Análise
Índice é útil, mas se baseia em simplificações arbitrárias
Hélio Schwartsman
Articulista da Folha
Índices compósitos a exemplo do IDH funcionam como uma droga, capaz de viciar economistas, jornalistas e burocratas. São mesmo tentadores: ao traduzir num único número diferentes aspectos do que quer que se pretenda avaliar, eles permitem comparar os elementos, estabelecer rankings e acompanhar a evolução de cada unidade ao longo do tempo.
Para além do uso recreativo, tais índices podem ser uma ferramenta útil na hora de definir políticas públicas e decidir investimentos. Não se pode esquecer, porém, de que eles exprimem modelos, que encerram grande dose de arbitrariedade e são necessariamente uma simplificação grosseira da realidade.
A moda dos índices compósitos começou nos anos 90, depois que, a pedido da ONU, um grupo de economistas, entre os quais o indiano Amartya Sen, elaborou o IDH. A ideia era reduzir o peso excessivo que se dava à economia -o principal indicador usado era o PIB "per capita"- e incluir também outras dimensões. Assim, o IDH leva em conta, além do PIB, a saúde e a educação.
De lá para cá, foi uma verdadeira febre. Surgiram índices para medir democracia, sustentabilidade, "felicidade nacional bruta" e até qualidade de morte. Só o relatório do IDH deste ano agrega mais três indicadores (IDH-D, desigualdade de gênero e pobreza multidimensional).
O problema com essas estatísticas compósitas é que elas são, por natureza, muito vulneráveis. Para cada item que incluem, deixam de fora um número muito maior de variáveis que poderiam ser consideradas uma medida de desenvolvimento. O IDH, por exemplo, é censurado por não trazer nenhum dado da dimensão ambiental.
Mesmo os tópicos que constam da fórmula podem ser contestados. Para representar a saúde, o IDH utiliza a expectativa de vida ao nascer. Não há dúvida de que esse indicador reflete as condições sanitárias de um país, mas ele embute também características geográficas (propensão a enchentes, terremotos), sociais (violência) e até mesmo genéticas.
Tal gênero de dificuldade parece ser uma limitação do próprio método. Como o economista Bryan Caplan jocosamente escreveu sobre o IDH: "Isso significa que um país com imortais e PIB infinito teria nota de 0,666 (menor que a do Equador e do Turcomenistão), se sua população fosse analfabeta e não frequentasse a escola". Países escandinavos vêm sempre no topo, conclui o autor, "porque o IDH é basicamente uma medida de quão escandinavos são os países".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0511201024.htm
Ministérios contestam o relatório
De Brasília
Do Rio
Os ministérios da Saúde e da Educação contestaram pontos do relatório.
A Saúde apontou defasagem nas bases de dados da Unicef (fundo da ONU para a infância) e do Undesa (Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU).
Disse que a expectativa de vida hoje, segundo o IBGE, é de 73,4 anos -e não 72,9-, e que a taxa de mortalidade materna é de 75 óbitos por 100 mil nascidos vivos -e não de 110.
A Educação disse que os novos indicadores propostos -média de anos de escolaridade de quem tem 25 anos ou mais e anos de estudo esperados- precisam ser mais esclarecidos para que o IDH mantenha "simplicidade, transparência e popularidade".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0511201025.htm
FSP, 05/11/2010, Poder, p. A12
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