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Desigualdade global avança em 190 anos

O Globo, Economia, p. 28
02 de Out de 2014

Desigualdade global avança em 190 anos
Qualidade de vida, no entanto, melhorou, aponta estudo da OCDE sobre 25 países entre 1820 e 2010

Lucianne Carneiro

Um estudo inédito que reúne estatísticas de quase dois séculos - de 1820 a 2010 - mostra que a desigualdade de renda cresceu no mundo nesses 190 anos. O relatório "Como era a vida? Bem-estar global desde 1820", produzido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que houve um salto na desigualdade entre os países, mais do que dentro das nações. O assunto esteve em destaque este ano com "O capital no século XXI", livro em que o economistas francês Thomas Piketty chama atenção para o aumento da desigualdade nas últimas décadas. O estudo da OCDE ainda traz dados sobre a melhoria na qualidade de vida, como educação e expectativa de vida, além de algumas curiosidades. A Argentina, por exemplo, tinha no século XIX um Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos em um país) per capita superior ao da Suécia, situação bem diferente da atual.
O documento de quase 300 páginas reúne, pela primeira vez, indicadores de quase dois séculos que ajudam a explicar a qualidade de vida da população, como desigualdade de renda, PIB per capita, educação, expectativa de vida e altura da população e desigualdade de gêneros, entre outros aspectos.

O índice de Gini (que mede a desigualdade e varia entre zero e 100 - quanto maior, pior é a distribuição de renda) que compara os países entre si aponta um aumento expressivo entre 1820 e 2010, passando de 16 para 54. Se for considerada a desigualdade dentro dos países, o índice oscila ao longo das décadas, mas chega a 2010 em 45, mesmo nível de 1820. "O aumento na desigualdade de renda vivido entre 1820 e os anos 2000 foi fortemente causado pelo crescimento na desigualdade entre os países, mais do que na desigualdade dentro dos países", aponta o documento.

O comportamento da desigualdade de renda variou entre os países ao longo das décadas. Na Grã-Bretanha, o índice de Gini estava em 59 nos anos 1820 e recuou para 40 nos anos 2000, considerando a desigualdade dentro dos países. Nos Estados Unidos, a taxa passou de 57 em 1820 a 44 na primeira década do século XXI. Já no Brasil, o índice de Gini avançou de 47 nos anos 1820 para 61 nos anos 2000. No Sudeste Asiático, foi de 35 para 48, na mesma comparação.

PIB PER CAPITA DISPARA

Nas últimas três décadas, no entanto, houve aumento da desigualdade dentro dos países. O índice de Gini mundial, que considera a desigualdade intrapaíses, passou de 36 nos anos 1980 para 39 nos 1990 e 45 na década de 2000. Essa tendência também pode ser observada nos indicadores das regiões. Segundo a OCDE, esse crescimento da desigualdade está ligado ao processo de globalização.

A pesquisa também aponta aumento de mais de dez vezes no PIB per capita mundial entre os séculos XIX e XXI, passando de US$ 605 para US$ 7.890. Os números consideram dólares americanos em paridade do poder de compra dos anos 90. No período, não houve nenhum país ou região com recuo na renda real, mas há casos de redução temporária, como a China no século XIX, o Leste Europeu depois do fim do comunismo e algumas áreas da África nos anos 80 e 90.

As diferenças entre regiões e países se mantêm ao longo dos 190 anos: o PIB per capita da Europa Ocidental subiu de US$ 1.226 em 1820 para US$ 20.841 em 2010. Na América Latina, o aumento foi de US$ 595 para US$ 7.109, na mesma comparação.

Os casos de Argentina e Grã-Bretanha retratam as oscilações entre as potências econômicas. Nos anos 1820, o país latino-americano tinha PIB per capita de US$ 998, superior ao da Suécia (US$ 888). Depois de um crescimento contínuo até os anos 1980 (com exceção da década de 1910), a Argentina viu seu PIB per capita oscilar, até chegar a US$ 10.256 nos anos 2000 -e o da Suécia era 2,5 vezes maior. Já a Grã-Bretanha, manteve o maior PIB per capita de 1820 a 1910, quando perdeu a liderança para os Estados Unidos, que a mantêm até hoje no grupo de 25 países com dados individuais pela OCDE.

Os indicadores também mostram a expansão dos emergentes: desde os anos 1970 a economia dos países de renda mais baixa, em especial da Ásia, cresce mais rapidamente, movimento diferente do que ocorria até então.

A educação é um dos destaques na melhoria das condições de vida da população. A parcela dos que sabiam ler e escrever era de 12% em 1820 e chegou a 83% em 2010 - o ponto negativo é que quase 20% da população mundial ainda é analfabeta. No mundo, a média de anos de estudo passou de 0,9 em 1850 para 7,7 em 2010. Mas os números escondem uma enorme diferença regional: na África, são 4,2 anos, contra 13,5 em Austrália, Canadá e Estados Unidos.

Já o acesso melhor à saúde se refletiu em um aumento da expectativa de vida e da altura da população. A altura média mundial subiu quase 7 centímetros entre 1820 e 1980 (último dado disponível na pesquisa), passando de 1,634m para 1,702m. Na Europa ocidental, a altura média passou de 1,656m para 1,775m, enquanto nos EUA o salto vai de 1,722m para 1,790m. A expectativa de vida da população mundial, por sua vez, avançou mais de 40 anos desde os anos 1880, quando há as primeiras estatísticas para o mundo. Na época, a expectativa de vida era de 27 anos, chegando a 69,1 anos nos anos 2000.

EM QUASE DOIS SÉCULOS, UM OUTRO BRASIL

No Brasil, a população aumentou mais de 40 vezes, de 4,479 milhões para 195,423 milhões de pessoas, enquanto o PIB per capita teve crescimento de mais de dez vezes, de US$ 683 para US$ 6.879. No país, o PIB per capita aumentou ao longo dos anos, com algumas exceções, como entre 1890 e 1900 - pouco depois da proclamação da República e com a Revolta da Armada e a Guerra de Canudos - e nos anos 1980, a chamada década perdida.

No quesito educação, o brasileiro estudava meros seis meses em 1870, enquanto no mundo a média era de 1,2 ano. Apenas na década de 1920 o país conseguiu chegar à média de um ano de estudo, quando no mundo esta já era de 2,2 anos. Na década de 2000, o Brasil chegou a 7,5 anos, para uma média de 7,7 anos no mundo.

A saúde também melhorou: houve forte aumento na expectativa de vida, que passou de 29 anos no início do século XX para 71,7 anos nos anos 2000. E o brasileiro ficou mais alto: a altura média da população saltou de 1,643m nos anos 1820 para 1,717m na década de 1980.

O Globo, 02/10/2014, Economia, p. 28

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