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Desgoverno na energia

OESP, Notas e Informações, p. A3
28 de Set de 2006

Desgoverno na energia

A Bolívia não tem todo o gás natural que se comprometeu a vender para o Brasil e a Argentina e ainda abastecer o mercado interno. Cálculos feitos pela Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos revelam que, entre os compromissos firmados de fornecimento e a produção, existe um déficit desta de cerca de 5 milhões de metros cúbicos diários. Segundo a consultoria Gas Energy, o déficit é maior - 7 milhões de metros cúbicos - uma vez descontadas as perdas com o transporte e a necessidade de reinjeção para o aproveitamento dos poços de petróleo. Para que os contratos sejam cumpridos, a Bolívia teria de suspender o abastecimento interno. Mas essa é uma possibilidade que o governo Evo Morales afasta peremptoriamente. O presidente, afinal, se comprometeu durante a campanha eleitoral a fornecer gás primeiro aos bolivianos, e só depois aos compradores estrangeiros.

A alternativa seria o aumento da produção, o que só seria possível se as empresas que ainda não foram nacionalizadas e o próprio governo boliviano fizessem pesados investimentos em prospecção e exploração. Mas as empresas privadas, que não sabem o que acontecerá nos próximos 30 dias, suspenderam todos os investimentos, exceto aqueles rigorosamente necessários para a continuidade das operações. Na verdade, os investimentos no setor vinham declinando verticalmente há três anos, desde que os chamados 'movimentos sociais', entre eles o liderado por Evo Morales, levaram a Bolívia à ingovernabilidade e ao caos político e social.

O governo boliviano, por sua vez, não dispõe de recursos próprios para aumentar a produção de gás. A Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia (YPFB), encarregada pelo 'decreto supremo' de exercer o monopólio dos hidrocarbonetos, está praticamente parada por falta de pessoal com capacitação técnica e de recursos financeiros para arcar com as despesas imediatas da operação das empresas estrangeiras. Pelos planos elaborados até que Evo Morales se elegeu presidente da República, as empresas estrangeiras investiriam entre US$ 2,5 bilhões e US$ 3 bilhões para aumentar a produção de gás dos atuais 41,1 milhões de metros cúbicos para 92,8 milhões de metros cúbicos, em 2015. Esses planos foram arquivados.

E, com isso, agrava-se a perspectiva de uma crise energética no Brasil. O Brasil contava com o aumento da oferta do gás boliviano e do gás extraído pela Petrobrás aqui para pôr em funcionamento as usinas termoelétricas. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão máximo responsável pelo acompanhamento do sistema interligado, recentemente determinou que as usinas passassem a operar a plena carga. O ONS pretendia evitar o consumo exagerado de água dos reservatórios das usinas hidrelétricas e, assim, afastar os temores de um colapso, no futuro.

Sem gás, as usinas termoelétricas não puderam obedecer às determinações do ONS. E o ONS passou a empregar, em fax enviado às concessionárias de energia, à câmara de compensação de energia e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma linguagem cada vez mais enfática sobre os riscos decorrentes do descumprimento de suas ordens. No dia 15 de setembro, o ONS informou às concessionárias que 12 das usinas termoelétricas, além das conversoras de Garabi, pouco ou nada geraram. Ato contínuo, a Aneel comunicou ao setor elétrico que havia uma 'situação de emergência'.

Além das empresas do setor elétrico, grandes empresas que se estruturaram para operar com gás natural estão sendo prejudicadas.

É evidente a imprevidência da política energética. Confiou-se demais no gás da Bolívia e a Petrobrás adiou além do que seria razoável a exploração das jazidas nacionais. Agora, geradoras e indústrias terão de voltar a usar lenha e óleo combustível - muito mais poluidores. Já é o caso das termoelétricas de Candiota III e Jacuí I e de grandes empresas nos ramos de cerâmica, têxteis e alimentos, com aumento de custos e riscos ambientais.

Como notou o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, Paulo Mayon, está havendo uma mudança, para pior, na matriz energética brasileira, na direção de uma energia mais cara e poluente.

OESP, 28/09/2006, Notas e Informações, p. A3

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